A carta aberta de Zanin
Ao
Merval Pereira
Colunista de O Globo
Membro do Conselho Editorial da Globo
Senhor jornalista,
Verdadeiro “segredo de polichinelo”, título de sua coluna de hoje
(edição 21/04/2017), é a participação ampla, direta e ilegítima das
Organizações Globo na perseguição judicial imposta ao ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva com o intuito de prejudicar ou inviabilizar sua
atuação política. A aliança entre a Globo e os agentes públicos que
integram a Lava Jato – hoje alçados à condição de artistas de um filme
estarrecedor, que viola os mais elementares direitos fundamentais do
investigado – já foi mais discreta. Hoje, a Globo dita as acusações
contra Lula e disponibiliza os seus veículos de comunicação para
colocá-las em pé.
A história do chamado triplex do Guarujá é um bom exemplo disso. Foi a
Globo, em 2010, que iniciou essa farsa de que Lula seria proprietário do
apartamento 164-A do Condomínio Solaris. Deu holofote a 3 promotores de
Justiça de São Paulo que promoveram um grande espetáculo midiático,
transmitido ao vivo pela emissora. Na sequencia, o assunto do Guarujá
foi parar em Curitiba, nas mãos de uma nova instituição criada no País à
revelia da Constituição Federal — a chamada Força Tarefa Lava Jato. E,
mais uma vez, o tríplex foi alvo de coletiva transmitida ao vivo pela
emissora, com a ajuda de um anedótico PowerPoint.
Mas o que dizem os fatos? Após 24 audiências e o testemunho de 73
depoentes compromissados com a verdade, ruiu a acusação de que Lula
teria recebido a propriedade desse apartamento como contrapartida
de 3 contratos firmados entre a OAS e a Petrobras. No rol de
testemunhas estavam funcionários da OAS que afirmaram não ser Lula o
proprietário e que o ex-Presidente visitou o local uma única vez, para
verificar se tinha interesse na compra, mas rejeitou.
A Globo e seus aliados não se rendem à verdade. E isso pode ser bem
observado ontem. O jornal Valor Econômico – hoje 100% de propriedade do
grupo – publicou, 3 horas antes do depoimento de Leo Pinheiro ao Juízo
de Curitiba, o script da audiência de ontem. Antecipou a troca dos
advogados que iria ocorrer, considerando retomada das negociações em
busca de uma delação premiada. E deixou claro que o executivo da OAS
iria acusar Lula — sem provas — como condição de ver a sua delação
aceita pelo MPF. Foi o que ocorreu. Léo Pinheiro deu aos Procuradores da
República a sonhada narrativa contra Lula — na contramão dos 73
depoimentos anteriormente colhidos — e com isso viu crescer a chance de
sair da prisão ou obter outros benefícios.
As afirmações de Pinheiro, que é corréu na ação e por isso depôs sem o
compromisso de dizer a verdade, foram, no entanto, suficientes para que
sua coluna concluísse que “Lula é o verdadeiro dono do tríplex e do
sítio de Atibaia”. E o senhor foi além: fez ataques diretos e levianos a
mim e ao advogado Roberto Teixeira.
Avalio que o senhor sequer assistiu ao vídeo da audiência. Se tivesse
assistido, saberia que Léo Pinheiro respondeu às minhas perguntas
dizendo que Lula jamais teve as chaves ou usou o imóvel; jamais manteve
qualquer pertence pessoal no local; jamais usou ou teve qualquer título
da propriedade do apartamento. Ou seja, Pinheiro ao responder às minhas
questões — independentemente da versão que havia combinado para ter sua
delação premiada aceita — reconheceu que o ex-Presidente jamais praticou
qualquer ato que pudesse indicar posse, uso ou gozo do apartamento, que
são os atributos necessários para a configuração da propriedade segundo
o artigo 1.228, do Código Civil.
Leo Pinheiro ainda reconheceu que deu o mesmo tríplex que
afirmara ser de Lula em garantia para a obtenção de recursos para a OAS,
o que torna risível a tese por ele sustentada sobre a propriedade do
imóvel. Lula seria o dono e a OAS dá o imóvel em garantia, em sucessivas
operações, para captar dinheiro no mercado! A situação, portanto, é bem
diversa daquela apresentada aos seus leitores.
Registro igualmente Leo Pinheiro negou quando perguntado se algum
recurso utilizado no tal tríplex era proveniente da Petrobras. A Folha
de S.Paulo, por exemplo, registrou isso em suas páginas na data de hoje
(http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/04/1877330-leo-pinheiro-diz-que-lula-pediu-para-ele-destruir-provas-de-propina.shtml).
Mas o senhor preferiu mentir aos leitores, dizendo que Leo Pinheiro
teria afirmado que “o apartamento foi pago com a propina que o PT obteve
por obras na Petrobras”.
Na tentativa de agredir minha atuação profissional, o senhor disse que
“o advogado de Lula tentou uma última cartada, que acabou comprometendo
ainda mais o cliente”. E narra a seguir que eu teria denunciado a Sérgio
Moro a prática de um crime praticado por Leo Pinheiro: “Segundo Zanin,
se o apartamento é de Lula, a empreiteira cometeu um crime ao dizer-se
dona do apartamento”. Todavia, quem efetivamente assistir a gravação da
audiência verá que não fiz qualquer afirmação nesse sentido. Por má-fé
ou imprudência, o senhor comete até mesmo erros factuais em suas
análises, e esse é um deles.
Quem de fato fez tal colocação foi o ilustre advogado José Roberto
Batochio, ex-Presidente da OAB Nacional, com o qual tenho a honra de
atuar, afirmando — corretamente, ao meu ver — que as colocações
mentirosas de Leo Pinheiro poderiam, em tese, configurar o crime
previsto no artigo 171, §2º, inciso I, do Código Penal. O senhor,
portanto, errou a pessoa e o tema em sua análise.
Ainda na tentativa de desqualificar a mim e a defesa
do ex-Presidente Lula, o senhor fez a seguinte afirmação: “O amigo de
Lula Roberto Teixeira, sogro do advogado Cristiano Zanin, chamou-o
[Alexandrino Alencar] em seu escritório e combinou fazerem notas frias
para regularizar despesas”. Essa situação, todavia, jamais existiu e não
tem amparo sequer na delação premiada do executivo da Odebrecht, que
jamais fez referência a “notas frias”. Isso é criação sua, com evidente
intenção de caluniar o advogado Roberto Teixeira, ex-Presidente da
OAB/SBC e que tem uma história ilibada de 47 anos de advocacia.
A propósito, se o senhor e a Globo realmente tivessem interesse na
delação da Odebrecht, deveriam começar explicando a tal “sociedade
secreta” que Emílio Odebrecht afirmou ter mantido com a emissora para
influir em decisões de governo na era do ex-Presidente Fernando Henrique
Cardoso, no tocante à privatização da área de telefonia e petróleo.
Houve apenas lobby? Tráfico de influência? Por que a Globo até hoje não
se manifestou sobre esses graves fatos apontados por
Emílio? Prepotência? Falta de uma versão convincente?
Avalio, Merval, que o senhor jamais conseguirá esconder um outro
verdadeiro “segredo de polichinelo” — o mal que a Globo faz ao País e à
democracia.
Cristiano Zanin Martins
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