domingo, 16 de abril de 2017

Portugal contra o austericídio

Juremir Machado da Silva | Portugal contra o austericídio





Portugal contra o austericídio







Pequeno grande Portugal


  A revista inglesa The Economist
é um bastião do liberalismo ou do neoliberalismo. Ninguém sabe a real
diferença entre liberalismo e neoliberalismo. Talvez o neoliberal seja
um liberal mais liberal do que os simples liberais. Um extremista. Assim
como os neomarxistas poderiam ser menos marxistas do que os velhos
marxistas, salvo se forem apenas os seguidores de Lukács, Gramsci e
outros que levaram Marx para questões da chamada superestrutura. Estou
pegando pesado. É sábado. Bora, botar os miolos pra trabalhar, moçada.
Velhinhos idem.


The Economist descobriu Portugal. Eu fiz isso anos atrás
lendo as obras daquele que deveria ter recebido o Nobel da literatura no
lugar de José Saramago, o genial Lobo Antunes, o autor dos mais
contundentes livros sobre o processo de descolonização da África lusa. A
gente lê, senta num canto e pensa: filhos da ponte que caiu! Ir a um
país várias vezes ajuda a conhecer um lugar, mas o melhor mesmo é ler os
livros dos seus ficcionistas mais verdadeiros. A literatura não mente.
Salvo quando só quer ganhar prêmios distribuídos pelos coleguinhas de
campo. É outro papo. Mas afinal o que é que os portugueses têm para
mostrar ao mundo a ponto de ganhar almoço grátis nas páginas da revista
de cabeceira dos defensores do Estado mínimo para a plebe e máximo para a
turma dos camarotes?


Feito a jangada da obra-prima de Saramago, Portugal se separou da
Península Ibérica, da União Europeia, do mundo, da chamada troika
(Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central
Europeu) e do senso comum dos economistas liberais e, em vez de ficar a
deriva, passou a navegar com autonomia e excelentes resultados. Sob o
comando do primeiro-ministro socialista Antonio Costa, Portugal deu uma
banana para as políticas austericidas defendidas pelos alemães e pelos
organismos acostumados a quebrar países para salvar banqueiros e ganhou o
alto mar. Costa reduziu o déficit público pela metade, alcançando o
melhor resultado do país deste 1974, e restabeleceu os patamares
anteriores à crise dos salários e das aposentadorias.


Santo Costa, qual o teu milagre, pá? Algo maravilhosamente cristalino
pregado por economistas da contracorrente como o prêmio Nobel de
economia, colunista do New York Times odiado pela extrema-direita
brasileira, Paul Krugman: fazer o Estado gastar mais em tempos de crise
para alavancar o crescimento. Aprende, Temer, aprende. Bom aluno,
Portugal tentou seguir a cartilha austericida. Viu-se afundando
vertiginosamente. Rompeu o círculo da maldade e agora ganha manchete na Economist. Os secadores neoliberais murmuram:


– Deixar estar que já te pegamos, ó velho Portugal…


Essas façanhas de Portugal não deveriam ser contadas por aqui. São
maus exemplos. O Brasil já apostou na elevação da demanda interna para
estimular o crescimento. Os neoliberais já saltam matando:


– Deu no que deu!


Será? Não teria sido possível evitar os desvios de percurso? Sem a
corrupção e sem certas teimosias a experiência brasileira teria
naufragado? O jornal Folha de S. Paulo, tão crítico do modelo
brasileiro, chamado de lulopetismo, anotou sobre Portugal: “Em menos de
dois anos, o cenário passou a ser otimista. O Banco Central português
estima, para 2019, redução da taxa de desemprego para 7%, enquanto as
exportações devem crescer em 6%”. Não seria melhor, por garantia, mexer
novamente na Previdência, fixar a idade mínima para aposentadoria em 80
anos e privatizar a administração da economia?


Não é de duvidar que, dentro de algum tempo, Portugal entre em crise
novamente. Essa é natureza da coisa. Quando isso acontecer, os
neoliberais gritarão: “Viram, nós avisamos”. Esta erudita coluna não
perde oportunidade de copiar e colar citações provocativas como esta da
gloriosa Folha, jornal que apoiou o golpe midiático-civil-militar de
1964 e a sua ditadura moral e cívica: “O bom desempenho da economia
coloca o país na posição de um ‘oásis’ em meio à turbulência política
que atinge a Europa. Além disso, indica que a solução keynesiana —
referência às teorias do economista inglês John Maynard Keynes
defendendo a intervenção do Estado para impulsionar a economia – pelos
portugueses está funcionando para gerar crescimento”.


Keynes vive. Enquanto isso na sala de justiça do jornal liberal francês Le Figaro
o tema é a Argentina do neoliberal Mauricio Macri. Manchete: greve
geral paralisa Argentina. Explicações: Macri pilota uma política de
austeridade. O PIB recuou 2,3% em 2016. Um terço dos argentinos vive
abaixo da linha de pobreza. A inflação anual é de 40%. O governo retirou
ajuda ao consumo de gás, eletricidade e água. O país, que Macri
prometera fazer decolar, afunda. O presidente empresário segue
rigorosamente as medidas recomendadas pelo FMI.


Que estranho!


A mídia francesa de direita parece mais interessada na crise
argentina do que a brasileira. Faz sentido. Quanto mais longe, mais
próximo. Os liberais brasileiros preferem falar da Grécia.


Portugal e Argentina só interessam no futebol.


Ai, este mundo ainda vai se tornar um imenso Portugal!

Nenhum comentário:

Postar um comentário