24/06/2002
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16h27
Leia íntegra da Carta ao povo brasileiro
da Folha OnlineO candidato à Presidência da República
pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, leu no sábado passado (22), durante
encontro sobre o programa de governo do partido, uma carta na qual culpa
a política econômica do governo federal pela crise financeira.
Lula se disse disposto a discutir com o presidente Fernando Henrique Cardoso uma agenda de resposta à crise.
Abaixo, a íntegra da carta:
"Carta ao povo brasileiro
O
Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para
conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça
social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade
popular de encerrar o atual ciclo econômico e político.
Se em
algum momento, ao longo dos anos 90, o atual modelo conseguiu despertar
esperanças de progresso econômico e social, hoje a decepção com os seus
resultados é enorme. Oito anos depois, o povo brasileiro faz o balanço e
verifica que as promessas fundamentais foram descumpridas e as
esperanças frustradas.
Nosso povo constata com pesar e indignação
que a economia não cresceu e está muito mais vulnerável, a soberania do
país ficou em grande parte comprometida, a corrupção continua alta e,
principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se assustadoras.
O
sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o
de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir
nesse caminho, sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de
sofrer, mais cedo ou mais tarde, um colapso econômico, social e moral.
O
mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do
atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao
protesto destrutivo.
Ao contrário: apesar de todo o sofrimento
injusto e desnecessário que é obrigada a suportar, a população está
esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a
apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil
voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a
resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo.
A
sociedade está convencida de que o Brasil continua vulnerável e de que a
verdadeira estabilidade precisa ser construída por meio de corajosas e
cuidadosas mudanças que os responsáveis pelo atual modelo não querem
absolutamente fazer.
A nítida preferência popular pelos
candidatos de oposição que têm esse conteúdo de superação do impasse
histórico nacional em que caímos, de correção dos rumos do país.
A
crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de
um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios
fundamentais enquanto nação independente.
Lideranças populares,
intelectuais, artistas e religiosos dos mais variados matizes
ideológicos declaram espontaneamente seu apoio a um projeto de mudança
do Brasil.
Prefeitos e parlamentares de partidos não coligados
com o PT anunciam seu apoio. Parcelas significativas do empresariado vêm
somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos
aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país.
O
povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de
continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da
redução de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de
exportar mais e de criar um amplo mercado interno de consumo de massas.
Quer
abrir o caminho de combinar o incremento da atividade econômica com
políticas sociais consistentes e criativas. O caminho das reformas
estruturais que de fato democratizem e modernizem o país, tornando-o
mais justo, eficiente e, ao mesmo tempo, mais competitivo no mercado
internacional.
O caminho da reforma tributária, que desonere a
produção. Da reforma agrária que assegure a paz no campo. Da redução de
nossas carências energéticas e de nosso déficit habitacional. Da reforma
previdenciária, da reforma trabalhista e de programas prioritários
contra a fome e a insegurança pública.
O PT e seus parceiros têm
plena consciência de que a superação do atual modelo, reclamada
enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia
par ao outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país.
Será
necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e
aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer
em oito anos não será compensado em oito dias.
O novo modelo não
poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre
hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será
fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma
autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de
assegurar o crescimento com estabilidade.
Premissa dessa
transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do
país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser
compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor
popular pela sua superação.
À parte manobras puramente
especulativas, que sem dúvida existem, o que há é uma forte preocupação
do mercado financeiro com o mau desempenho da economia e com sua
fragilidade atual, gerando temores relativos à capacidade de o país
administrar sua dívida interna e externa. É o enorme endividamento
público acumulado no governo Fernando Henrique Cardoso que preocupa os
investidores.
Trata-se de uma crise de confiança na situação
econômica do país, cuja responsabilidade primeira é do atual governo.
Por mais que o governo insista, o nervosismo dos mercados e a
especulação dos últimos dias não nascem das eleições.
Nascem,
sim, da graves vulnerabilidades estruturais da economia apresentadas
pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível para o
Brasil. Na verdade, há diversos países estáveis e competitivos no mundo
que adotaram outras alternativas.
Não importa a quem a crise
beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela prejudica o Brasil. O
que importa é que ela precisa ser evitada, pois causará sofrimento
irreparável para a maioria da população. Para evitá-la, é preciso
compreender que a margem de manobra da política econômica no curto prazo
é pequena.
O Banco Central acumulou um conjunto de equívocos que
trouxeram perdas às aplicações financeiras de inúmeras famílias.
Investidores não especulativos, que precisam de horizontes claros,
ficaram intranquilos. E os especuladores saíram à luz do dia, para
pescar em águas turvas.
Que segurança o governo tem oferecido à
sociedade brasileira? Tentou aproveitar-se da crise para ganhar alguns
votos e, mais uma vez, desqualificar as oposições, num momento em que é
necessário tranquilidade e compromisso com o Brasil.
Como todos
os brasileiros, quero a verdade completa. Acredito que o atual governo
colocou o país novamente em um impasse. Lembrem-se todos: em 1998, o
governo, para não admitir o fracasso do seu populismo cambial, escondeu
uma informação decisiva. A de que o real estava artificialmente
valorizado e de que o país estava sujeito a um ataque especulativo de
proporções inéditas.
Estamos de novo atravessando um cenário
semelhante. Substituímos o populismo cambial pela vulnerabilidade da
âncora fiscal. O caminho para superar a fragilidade das finanças
públicas é aumentar e melhorar a qualidade das exportações e promover
uma substituição competitiva de importações no curto prazo.
Aqui
ganha toda a sua dimensão de uma política dirigida a valorizar o
agronegócio e a agricultura familiar. A reforma tributária, a política
alfandegária, os investimentos em infra-estrutura e as fontes de
financiamento públicas devem ser canalizadas com absoluta prioridade
para gerar divisas.
Nossa política externa deve ser reorientada
para esse imenso desafio de promover nossos interesses comerciais e
remover graves obstáculos impostos pelos países mais ricos às nações em
desenvolvimento.
Estamos conscientes da gravidade da crise
econômica. Para resolvê-la, o PT está disposto a dialogar com todos os
segmentos da sociedade e com o próprio governo, de modo a evitar que a
crise se agrave e traga mais aflição ao povo brasileiro.
Superando
a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma sustentada a
taxa de juros. Poderemos recuperar a capacidade de investimento público
tão importante para alavancar o crescimento econômico.
Esse é o
melhor caminho para que os contratos sejam honrados e o país recupere a
liberdade de sua política econômica orientada para o desenvolvimento
sustentável.
Ninguém precisa me ensinar a importância do controle
da inflação. Iniciei minha vida sindical indignado com o processo de
corrosão do poder de comprar dos salários dos trabalhadores.
Quero
agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação,
mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição
de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de
todos.
A volta do crescimento é o único remédio para impedir que
se perpetue um círculo vicioso entre metas de inflação baixas, juro
alto, oscilação cambial brusca e aumento da dívida pública.
O
atual governo estabeleceu um equilíbrio fiscal precário no país, criando
dificuldades para a retomada do crescimento. Com a política de
sobrevalorização artificial de nossa moeda no primeiro mandato e com a
ausência de políticas industriais de estímulo à capacidade produtiva, o
governo não trabalhou como podia para aumentar a competitividade da
economia.
Exemplo maior foi o fracasso na construção e aprovação
de uma reforma tributária que banisse o caráter regressivo e cumulativo
dos impostos, fardo insuportável para o setor produtivo e para a
exportação brasileira.
A questão de fundo é que, para nós, o
equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos equilíbrio fiscal
para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores.
Vamos
preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que
a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo
de honrar os seus compromissos.
Mas é preciso insistir: só a
volta do crescimento pode levar o país a contar com um equilíbrio fiscal
consistente e duradouro. A estabilidade, o controle das contas públicas
e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. Não são
um bem exclusivo do atual governo, pois foram obtidos com uma grande
carga de sacrifícios, especialmente dos mais necessitados.
O
desenvolvimento de nosso imenso mercado pode revitalizar e impulsionar o
conjunto da economia, ampliando de forma decisiva o espaço da pequena e
da microempresa, oferecendo ainda bases sólidas par ampliar as
exportações.
Para esse fim, é fundamentar a criação de uma
Secretaria Extraordinária de Comércio Exterior, diretamente vinculada à
Presidência da República.
Há outro caminho possível. É o caminho
do crescimento econômico com estabilidade e responsabilidade social. As
mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos
marcos institucionais.
Vamos ordenar as contas públicas e
mantê-las sob controle. Mas, acima de tudo, vamos fazer um compromisso
pela produção, pelo emprego e por justiça social.
O que nos move é
a certeza de que o Brasil é bem maior que todas as crises. O país não
suporta mais conviver com a idéia de uma terceira década perdidas.
O
Brasil precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e
social. É com essa convicção que chamo todos os que querem o bem do
Brasil a se unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e
responsáveis.
Luiz Inácio Lula da Silva
São Paulo, 22 de junho de 2002"
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