Muito além do Fachin
Com impacto maior do que a mãe de todas as bombas lançada pelos EUA no Afeganistão na quinta-feira, 13, a divulgação da lista de inquéritos de investigados na operação Lava Jato, autorizados pelo STF, devastou o sistema político brasileiro.
A profundidade e a abrangência das investigações não têm paralelo. Para
os jornalistas, o desafio é imenso; as dificuldades são muitas.
Os arquivos que sustentam os 76 inquéritos abertos por determinação do
Supremo Tribunal Federal têm 400 gigabytes -espaço suficiente para
arquivar as obras completas de Dostoiévski e Shakespeare, para citar
autores célebres ao abordar crime, castigo, vilania e poder.
Serão investigados oito ministros, 24 senadores, 39 deputados federais,
três governadores, dois prefeitos e um ministro do TCU. Há dezenas de
encaminhamentos para apreciação de instâncias inferiores que citam mais
nove governadores, cinco ex-presidentes e outros políticos sem mandato. A
bomba atinge 16 partidos em 20 estados e no DF.
A queda do sigilo dos depoimentos dos delatores, determinada pelo ministro Edson Fachin, reforça minha convicção
de que o vazamento seletivo de dados dos pedidos de inquéritos da
Procuradoria-Geral da República, em que apareceram só 16 nomes, não
fazia sentido.
O jornal "O Estado de S. Paulo" obteve os documentos completos antes dos
concorrentes. Publicou no site, a partir das 16h de terça, sequência de
textos destrinchando a "delação do fim do mundo".
Todos os outros jornais tiveram de correr atrás. Se na versão digital de
11 de abril foi impossível alcançar o concorrente, nas versões
impressas dos dias 12, 13 e 14 a Folha conseguiu publicar boas edições.
Tanta informação para digerir em tão pouco tempo requer atenção redobrada. O perigo está nos detalhes.
Um leitor-advogado considerou "erro grosseiro" da imprensa chamar de
lista de Fachin o que na verdade seria a lista do Janot. Afinal, o
procurador-geral elaborou a lista de investigados, tendo o ministro do
STF autorizado os inquéritos por concordar que havia indícios de crimes a
serem apurados.
Com a suspensão do sigilo, as relações espúrias entre políticos e
empresários emergiram. Empresas repartem dinheiro de origem ilegal com
políticos. Em troca, asseguram vitórias em licitações, superfaturamento
de obras e favorecimentos, por meio de leis e medidas provisórias.
Governantes, servidores e parlamentares recebem propinas e doações
ilegais, no Brasil ou no exterior, dinheiro com o qual enriquecem,
reelegem-se e destroçam o sistema de representação política.
Patriarca da maior empreiteira, Emílio Odebrecht é o retrato assumido da
elite empresarial que corrompe o país há décadas, como fez questão de
enfatizar. Em depoimento, acusou a imprensa de silêncio desinteressado e de agora fazer demagogia como se houvesse surpresa.
"A imprensa toda sabia de que efetivamente o que acontecia era isso. Por
que agora estão fazendo tudo isso? Por que não fizeram isso há 10,15,
20 anos atrás? Porque tudo isso é feito há 30 anos."
Certa desfaçatez de Emílio transparece nessa frase. A Odebrecht foi a
empresa que mais investiu ao criar aparato tecnológico que azeitava a
máquina subterrânea de corrupção. Por mais que se desconfiasse da
existência de relações não republicanas, era inimaginável sua dimensão e
profissionalismo.
Repetem-se aos milhares os casos em que a imprensa investigou e
comprovou irregularidade em obras públicas. Basta buscar os arquivos.
A Direção da Folha avalia que, nas últimas três décadas, publicou
tudo o que podia comprovar sobre as relações indevidas entre políticos,
empreiteiras e obras públicas. "Há a denúncia sobre a fraude na
concorrência da Ferrovia Norte-Sul, publicada no jornal
pelo colunista Janio de Freitas em 1987, portanto há 30 anos, que
envolvia as principais empreiteiras do Brasil, entre elas a então
chamada Norberto Odebrecht.
Outra, mostrava que o jornalista Ricardo Feltrin teve acesso antecipado
aos nomes que seriam escolhidos em licitação do Metrô de São Paulo em
2010. De novo, a Odebrecht estava no consórcio vencedor", exemplificou o
editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila.
Afirmou ainda considerar que "seria irresponsável publicar fato que é
'do conhecimento implícito ou explícito' de todos, como afirmou Emilio
Odebrecht, sem que haja evidências que o sustentem".
A sofisticação do mecanismo da corrupção revelada agora sinaliza quão
difícil era detectá-la. Não vejo mecanismos eficientes, abrangentes e
legais que permitissem que a imprensa puxasse o fio da meada.
Com o rolo exposto, cabe aos jornais qualificar o acompanhamento da
tramitação de medidas provisórias e projetos de lei, revisitar as
licitações citadas, investigar a evolução patrimonial dos envolvidos. O
desafio será ampliar o escopo. É inocência imaginar que esses esquemas
se restrinjam a empreiteiras.
Se há um mea culpa a fazer, é reconhecer que o aparato da corrupção está
muito além das ferramentas da imprensa para investigá-lo.
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