A Lava Jato está no forno, por Guilherme Scalzilli | GGN
A Lava Jato está no forno, por Guilherme Scalzilli
O pior efeito colateral das delações dos executivos da Odebrecht é a
credulidade que inspiram no público. Ávidas pelo teor escandaloso das
narrativas, as pessoas deixam de contextualizá-las, isto é, de tomar a
sua própria divulgação como parte de um fenômeno mais amplo e relevante
do que o teor dos relatos.
Por que só agora vêm à tona os conhecidíssimos elos criminosos de
certas figuras? Por que nada surgiu quando essa cáfila agenciava um golpe parlamentar em
nome da moralidade? E por que os depoimentos apareceram de uma vez, sem
o conta-gotas personalizado que outrora serviu para destruir
reputações?
Essas perguntas têm respostas óbvias, e todas convergem para o
suspeito oportunismo do episódio. Um viés estratégico, portanto, que o
histórico abusivo e clandestino da Lava Jato faz necessário denunciar, senão mesmo combater.
Arrastando o mundo político brasileiro à lama, a turma da Odebrecht
deu um presente aos berlusconis: forneceu-lhes o álibi do escopo
pluripartidário que faltava para o bote final em Lula.
Sua prisão já pode resgatar a fantasia original da Lava Jato, baseada
na premissa de que os petistas seriam um ponto de partida para se
atingir o resto.
Continua havendo apenas o ponto de partida. A generalização punitiva
não ocorrerá, principalmente porque o instituto da delação é frágil. Sem
provas cabais que a sustentem, o choque de versões resulta nulo, ou
quase isso. O método pelo qual elas foram obtidas agrava o problema e
fundamentará recursos bastante sólidos nas cortes superiores.
Mas nem precisaremos chegar a tanto. No caminho autodestrutivo dos
processos há falhas de investigação, deslizes de conduta, vistas por
tempo indeterminado, prescrições, todo um rol de obstáculos que impedirá
o início da maioria dos julgamentos. Algo similar aconteceu no “mensalão mineiro”, apesar das promessas e expectativas.
Repete-se a dinâmica das famosas listas de Rodrigo Janot. Passada a histeria seletiva da mídia, os indiciamentos cairão nas catacumbas do Judiciário, fonte máxima das impunidades, para serem esquecidos até nova ordem. E as denúncias contra Lula irão à mesa de Sérgio Moro, afoito e rigoroso como ninguém.
Os inquéritos pedidos por Edson Fachin têm uma utilidade
apaziguadora. Oferecem material para todas as filiações partidárias,
cujas narrativas convergem no endosso tácito à Lava Jato. É a maior
propaganda legitimadora que a operação teve desde que seus justiceiros
maníacos viraram militantes involuntários da esquerda. Sem qualquer
mudança real no quadro condenatório preestabelecido.
Parece incongruente dizer que Lava Jato vira pizza justo quando
assimila dezenas de novos indiciados, afundando o PSDB no escárnio
popular. Mas seria ainda mais ingênuo acreditar que a operação iria ao
forno sem passar por essa fase catártica, especialmente depois que a
Odebrecht entrou no jogo.
Ao mesmo tempo, se quisessem apanhar tucanos e asseclas (e se o STF
permitisse), os berlusconis já o teriam feito. Usando os instrumentos
coercitivos aplicados a petistas, armando grampos ilegais, apertando
informantes graúdos, confiscando equipamentos, perseguindo aliados.
Ignorando a mera necessidade de provas.
Décadas de máfias, privatarias, cartéis,
e tudo que os justiceiros possuem para comprovar as boas intenções da
Lava Jato é um punhado de historietas sabidamente inverificáveis, talvez
em parte fantasiosas, levando a contas anônimas e reuniões secretas?
Dando aos acusados os mesmos argumentos garantistas defendidos pela
esquerda?
Ora. Esse é o melhor desfecho possível para a operação: um rápido
constrangimento de figuras sem perspectiva eleitoral, o teatro da
indignação farisaica, as chamas preguiçosas da lenha judiciária, a
prisão de Lula, o terreno aberto a candidaturas salvacionistas em 2018.
Basta cortar e servir. Bom apetite.
http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2017/04/a-lava-jato-esta-no-forno.html
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