comentário do leitor Miguel Gouveia ao post: Golpe ‘made in USA’: Queda de Dilma foi ordenada por Wall Street?
É BEM MAIS COMPLEXO DO QUE UMA BRIGA ENTRE ESQUERDA E DIREITA, SENHORES “JORNALISTAS”
É estarrecedor o primarismo de alguns “jornalistas” ao reduzir o que
ocorre no Brasil e no mundo a velha, mofada e ultrapassada peleja de
esquerda vs direita. Se não for primarismo, é má fé mesmo.
O Comunismo teve seu fim decretado em 1989, com a queda do muro de
Berlim. A partir dali a podre União Soviética ruiu e explodiu em dezenas
de pedaços, jogando na lata do lixo tudo o que tinha aprendido em
geografia.
O Capitalismo cantou vitória até 2008, quando uma fraude financeira
espetacular nos USA quebrou o mundo e quase o trouxe à falência global. A
partir dali as agências de rating mostraram a sua cara de serviçais dos
interesses financeiros e a falta de regulamentação no mercado provou
ser um dos maiores erros do berço do capitalismo.
A Esquerda extrema morreu. A Direita extrema se ridicularizou e
faliu. Ambos jazem em covas não muito profundas, mas estão enterrados
enquanto modelos econômicos de valia no mundo moderno.
Hoje em dia, o comunismo da China compra bancos e tem 4 deles entre
os 10 maiores do mundo. Esse mesmo comunismo tem Bolsa de Valores e
dança a ciranda do mercado financeiro como gente grande. Seu PIB
rivaliza o dos USA e cresce a taxas invejáveis, independente dos
problemas que possam ser apontados na sustentação desse crescimento. Os
índices financeiros da comunista China determinam a economia mundial.
Nos USA, o prejuízo do desastre capitalista da fraude de 2008 foi
socializado. O governo socorreu fartamente a iniciativa privada
incompetente e criminosa com bilionárias verbas públicas, fazendo inveja
ao nosso BNDES. De olho no aumento da pobreza USA, a administração
Obama lançou o maior dos programas de medicina socializada do mundo: o
Obamacare. Esse programa está estimado em US$1,3 trilhões (segundo a
Money) para a próxima década – o PIB do Brasil vai ser gasto em saúde
pública (nosso SUS) nos próximos 10 anos.
Eis a falência da discussão reduzida a esquerda vs direita. Dói ler
artigos de “jornalistas” de ambos os extremos rebaixarem os problemas
atuais a esta disputa bolorenta.
A discussão hoje é bem mais profunda, mas o tema central é muito
simples de ser identificado. Diz respeito ao fracasso do Neoliberalismo
como política econômica de distribuição de riquezas.
O Neoliberalismo, implantado com vigor nas eras Reagan e Thatcher,
trabalhou na premissa de que ao incentivar o setor privado, sem qualquer
ou com mínima interferência do governo, este criaria um ambiente
econômico de fartura e crescimento para todos.
A transferência de dinheiro público (nossos impostos) ao setor
privado sem qualquer regulamentação se provou um equívoco, pois os donos
da iniciativa privada o usaram para aumentar suas fortunas pessoais.
Descobriram que com a globalização (outra falácia), os mercados
financeiros do mundo estavam à disposição para uma lucrativa
especulação. Ficaram mais ricos as custas dos mais pobres.
O resultado do Neoliberalismo está disponível em números: nunca a
concentração de riqueza foi tão acentuada na história do mundo. A
organização não-governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco
Credit Suisse relativos a outubro de 2015, mostrou que a riqueza
acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale,
pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. Eis o resultado prático
de décadas de neoliberalismo.
Recentemente, o Neoliberalismo recebeu críticas de um de seus maiores
defensores, o Fundo Monetário Internacional (FMI), em artigo publicado
por três economistas da instituição. “Em vez de gerar crescimento,
algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em
risco uma expansão duradoura”, argumentaram seus autores. O artigo pode
ser lido aqui.
Com o aumento da desigualdade social, passamos a conviver com mais
pobreza, menos educação, menos saúde, mais violência, menos moradia,
mais miséria, mais protestos, mais manifestações, mais crise e todos
aqueles problemas sociais que estamos fartos de saber. O mundo se tornou
um lugar mais injusto e perigoso. E os 99% vivem isso na pele em menor
ou maior grau, enquanto o 1% desfruta de suas regalias conquistadas com
as verbas públicas – dinheiro dos 99%.
Portanto, senhores “jornalistas”, a discussão a ser abordada hoje em
dia é sobre distribuição de riquezas – não é sobre esquerda e direita. O
tema central é: que tipo de Economia precisamos ter para redistribuir
as riquezas de forma mais justa.
Redistribuir riquezas de forma mais justa significa reduzir muito a
política neoliberal que encheu o setor privado de dinheiro sem cobrar
resultados econômicos. O problema aqui reside mais uma vez no setor
financeiro. Este setor pegou as benesses do Neoliberalismo e saiu
emprestando aos governos de diversos países para com esse dinheiro
público (de graça) gerar mais dinheiro ainda e aumentarem absurdamente
seus lucros. E saiu emprestando para todo mundo – e os governos saíram
gastando em programas sociais diversos para combater o aumento da
desigualdade social.
Os programas de combate à desigualdade social incluíam desde obras de
infraestrutura, programas de empréstimos para Educação, programas de
auxílio à aposentadoria, de moradia, de saúde socializada, etc. São
dívidas contraídas juntos as entidades financeiras do mundo e aplicadas
em programas que, na sua maioria, visam a sanar problemas do passado e
agora. Muitos desses programas ignoraram o futuro ou simplesmente deram
errado e aumentaram sobremaneira a dívida pública dos países.
A Trading Economics, no seu banco de dados, afirma que o quadro de dívida pública dos países do G7 chegou em 2015 ao seguinte:
- Japão – 229% do PIB
- Italia – 132 % do PIB
- USA – 104% do PIB
- Espanha – 99% do PIB
- França – 98% do PIB
- Canadá – 92% do PIB
- Região do Euro – 91% do PIB
- Reino Unido – 90% do PIB
- Alemanha – 72% do PIB
- Índia – 67% do PIB
Ao ultrapassar 100% do seu PIB, um país atesta que a sua capacidade
de gerar riquezas é inferior à sua capacidade de honrar compromissos.
Não há como sua Economia pagar o que pegou emprestado para melhorar a
sua Economia, salvo a exceção em que o dinheiro foi gasto em programas
que permitirão o aumento de seu PIB mais à frente – o que não
corresponde ao caso dos países mais endividados. A dívida do Japão, por
exemplo, tem um componente pesado de previdência social para atender uma
população envelhecida que não se renova.
Observem que o G7, considerados os países mais ricos do mundo,
formado por Canadá, França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e
Estados Unidos, estão todos endividados de forma avassaladora, com a
exceção a Alemanha. Esses países não dispõem de uma Economia capaz de
saldar essas dívidas e a perspectiva é que não tenham como no futuro.
Reparem também que os países do recém-criado BRICS não compartilham essa inadimplência toda com o G7. Brasil,
Índia, China e Rússia estão com dívidas públicas administráveis. No
momento, suas respectivas Economias têm capacidade de honrar
compromissos e suas respectivas dívidas são em prol de programas que
visam o crescimento de seus PIBs – por exemplo, o programa de Pré-sal no
Brasil.
E para quem esses países devem essa impagável dívida? Para o setor
financeiro (Bancos e Fundos) e para outros governos, em diferentes
moedas. Essa generalização toda desemboca nos maiores bancos do mundo,
os quais estão por trás do setor financeiro credor, e representam a
maioria dos que são classificados no 1% acima já mencionado.
Segundo a consultoria Brand Finance e a revista especializada The Banker, os maiores Bancos do mundo em 2015 são:
- Wells Fargo – USA
- ICBC – China
- HSBC – UK
- Banco da Construção da China – China
- Citi – USA
- Bank of America – USA
- Chase – USA
- Banco da Agricultura da China – China
- Bank of China – China
- Santander – Espanha
Sem capacidade para aumentar suas respectivas Economias, os governos
dos países endividados colocam em risco a riqueza do 1% tão
generosamente aumentada pelos anos de ouro do Neoliberalismo. E esse
pessoal de forma alguma aceita reduzir sua criminosa margem de lucro (?)
para redistribuir a riqueza do mundo.
O que fazer? Resposta: avançar sobre a capacidade de geração de riqueza de países/continentes economicamente em ascensão.
Tomando foco no Brasil, ao final de 2015, meses antes do dia da
consumação do golpe no país, a economia brasileira era descrita pelos
seguintes dados (fontes: PNAD, IPEA, IBGE, BC):
1) as reservas internacionais líquidas do Brasil são de US$ 377
bilhões (eram de apenas US$ 16 bilhões em 2002). Elas superam, com
folga, toda a dívida externa do país, que é de US$ 333,6 bilhões, sendo
que apenas 30% disso a curto prazo;
2) o Brasil é credor do FMI – o Brasil é credor externo líquido em US$ 42,7 bilhões;
3) a dívida pública líquida era 36% do PIB e a bruta 66% do PIB (em 2002 a dívida líquida era de 60% do PIB);
4) os investimentos externos produtivos (IED) no Brasil foram de US$ 75 bilhões em 2015, sendo equivalentes a 4,5% do PIB;
5) o Brasil tem o 7o. maior PIB mundial (era o 13o. em 2002);
6) o PIB per capita fechou em US$8.670 (era de US$2.800 em 2002);
7) a taxa de inflação está caindo e deverá fechar o ano, segundo o
Banco Central, perto do teto da meta em 2016, ficando próxima de 6,5% no
acumulado do ano. Para 2017, já se prevê uma taxa de inflação perto do
centro da meta (de 4,5%);
8) o salário mínimo fechou em de R$824, equivalente a cerca de US$368 (era de US$158 em 2002);
9) o déficit externo, em transações correntes, fechou em 3,32% do PIB (caiu dos 4,31% de 2014) e continua caindo; e
10) o Superávit comercial foi de US$19,7 bilhões em 2015, já acumulou
US$32,4 bilhões de janeiro a agosto de 2016, sendo que estimativas
apontam que o mesmo poderá chegar a US$50 bilhões neste ano.
Dificilmente um cenário ruim, ainda mais quando comparado aos países endividados do G7.
Alguns “jornalistas” vendem esse cenário como “terra arrasada”, país
quebrado, etc. Há problemas sim com a tendência de piora de alguns
índices, mas nada que não possa ser corrigido ou que o país não tenha
condições econômicas de assim fazer.
Eis que surge a encomenda do golpe no Brasil.
O setor financeiro enxerga no cenário atual, nos investimentos
estratégicos realizados e nas possibilidades econômicas do Brasil,
detentor de mais de 50% da economia na região, uma fonte de geração de
receita para tapar o buraco da farra financeira que patrocinou aos
países do G7 – agora sem qualquer garantia de retorno. A mesma
perspectiva também ocorre em relação ao continente africano, hoje em
disputa ferrenha com a China.
Não somente é necessário adquirir as fontes de riqueza do país alvo,
como também reduzir ao máximo seus gastos em programas sociais e
trabalhistas. Essa receita toda deverá ser migrada para o setor
financeiro em risco de calote. Deverá ser transferida para as economias
dos países esgotados. Deverá ser usada para gerar riquezas aos grandes
devedores do mundo.
Então, a questão central é a seguinte: com equacionar o poder do 1%
com as necessidades do 99%. Isso não necessariamente desemboca numa
discussão ideológica de esquerda vs direita. E levar para essa disputa é
retroagira aos tempos de guerra fria.
O fato é: a continuar essa exploração indevida e sem controle, sem
espaço para o social sem ser na forma de esmola, o confronto interno
será inevitável. Esse confronto não será, apesar de possível,
necessariamente uma guerra civil.
Virá na forma do aumento da violência do 99% em cima de si mesmo e,
transpostas as barreiras de segurança, em cima do 1%. Testemunharemos
mais assaltos, mais roubos, mais crimes e mais mazelas sociais de que
tanto tememos e que também afetará, consequentemente, o 1%.
Aceitar que nossos “jornalistas” não reportem isso é inadmissível
numa era que envolve o descontrole da informação, a ponto de colocar
tudo ao alcance de todos via Internet; a redefiniçao dos mercados
econômicos com novas fontes de geração de receita e a crise ambiental
que bate a nossa porta.
O Jornalismo deve a si mesmo esse alerta. Ou morreu de fato.
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