domingo, 16 de fevereiro de 2014

A indústria química, os agrotóxicos e a loucura - Carta Maior

A indústria química, os agrotóxicos e a loucura - Carta Maior

A indústria química é um ramo industrial, formado por oito
grupos. Sua história guarda episódios que expressam as mazelas do
capitalismo





Najar Tubino



wikimedia commons


Porto Alegre - Este é um
ramo industrial, formado por oito grupos, desde a produção de químicos
básicos, farmacêuticos, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, adubos
e fertilizantes, agrotóxicos, sabão e detergentes, tintas, esmaltes e
vernizes e fibras artificiais e sintéticas. Faturou no mundo US$3,4
trilhões em 2010. No Brasil pouco mais de US$100 bilhões. As vendas
globais da indústria química como um todo são divididas da seguinte
forma: 37% para os produtos químicos básicos, 30% para os produtos das
ciências da vida (fármacos e agroquímicos), 23% para as chamadas
especialidades – tintas e cosméticos e 10% para produtos de consumo.
Para um PIB mundial de US$70 trilhões, as vendas da indústria química
representam 4,8%. O Brasil ainda importa a maioria dos produtos, o que
custou no ano passado quase US$20 bilhões.


O
histórico da indústria química está ligado à Alemanha. Não somente
pelas descobertas, como a síntese da amônia (NH3), para uso em
fertilizantes, ou a criação da aspirina, cuja patente ocorreu em 1899.
Em 1860, foi criada a empresa BASF – Badische Anilin und Soda Fabrick
(Fábrica de Baden de Anilina e Soda), em Mannhein. Em 1863, o
comerciante de corantes Friedrich Bayer e o mestre-tintureiro, Johann
Weskott, instalaram uma pequena fábrica para produzir corantes
artificiais para tingimento de tecidos. Assim nasceu a Bayer, que em
1896 se instalou no Brasil. Em 1922 criaram o slogan “se é Bayer é bom”.



Primeiro ataque com arma química


O
químico envolvido com a Basf chamado Fritz Haber, autor da descoberta
da síntese da amônia e ganhador do prêmio Nobel de 1920, financiado por
esta empresa a partir de 1909, também foi o responsável pelo uso de
gases tóxicos na primeira guerra mundial.O primeiro ataque com armas
químicas aconteceu em Ypres, cidade belga, contra tropas francesas e
argelinas, no dia 22 de abril de 1915. Conforme o relato dos
pesquisadores Reinaldo Calixto de Campos e João Augusto Gouveia em um
texto sobre a história da química:


“-O primeiro emprego
moderno, em larga escala, de um agente químico como arma letal direta
foi o gás cloro, lançado a partir de 5.730 cilindros de metal, cada um
pesando 100kg, com cloro líquido, ao longo de 10km de frente. O primeiro
ataque foi um sucesso, com uma nuvem de gás verde, de cerca de um metro
e meio de altura avançando, empurrada pelo vento, abrindo uma larga
brecha nas linhas inimigas, uma vez que os que não sufocaram,
debandaram, com os alemães avançando pela terra de ninguém e tomando as
trincheiras aliadas. A partir daí os aliados passaram a usar também
gases químicos. Até o fim da primeira guerra mundial 22 tipos diferentes
de agentes químicos foram testados”.


Criminoso de guerra


Quando
a guerra terminou, com a derrota da Alemanha, Fritz Haber, que era
judeu, foi procurado como criminoso de guerra, mas se escondeu na Suíça.
Ele morreu em 1934, o homem que ajudou a transformar nitrogênio em pão,
cujo processo industrial é responsável ainda hoje pela produção de 130
milhões de toneladas de amônia, usada pela indústria de fertilizantes.
Era autoritário, monarquista, e um precursor do delírio alemão de
superioridade racial. Quando ganhou a patente de capitão do exército
alemão, deu uma festa para comemorar em Breslau, cidade onde conheceu a
mulher Clara Immerwahr, judia e a primeira mulher a doutorar-se em
Química pela Universidade de Breslau, embora nunca tenha trabalhado na
profissão. Neste dia fatídico, Clara deu dois tiros no peito com a arma
do recém -nomeado capitão. O filho deles, Hermann mudou-se para os
Estados Unidos e, no final da II Guerra Mundial, em 1945, também se
suicidou.


DDT usado no combate aos piolhos


Outro
alemão, Friedrich Wöhler, está ligado à história dos agroquímicos. Em
1828 ele sintetizou o composto inorgânico cianato de amônia,
transformando-o em ureia. Porém, os inseticidas orgânicos só começaram a
ser utilizados em larga escala na década de 1940, durante a segunda
guerra mundial, a fim de proteger os soldados nas regiões tropicais e
subtropicais da África e da Ásia, das pragas transmissoras da doença do
sono, da malária, do tifo, entre outras. Devido a necessidade de
proteger o exército, as pesquisas de novos inseticidas foram
impulsionadas, o que resultou no desenvolvimento de vários agrotóxicos,
que são usados ainda hoje.


O marco na química foi a
descoberta da atividade inseticida do 1,1,1-tricloro-2,2-di
(p-clorofenil) etano, em 1939, pelo pesquisador Paul Muller, prêmio
Nobel em 1948. O famoso DDT foi usado pela primeira vez em 1943, para
combater piolhos que infestavam as tropas estadunidenses na Europa, e
que transmitiam a doença do tifo exantemático. O DDT é um organoclorado
composto por átomos de carbono, hidrogênio e cloro. Outros
organoclorados desenvolvidos nesta época – aldrin, dieldrin, heptacloro e
toxafeno.


Mais tóxicos que os organoclorados


Os
organofosforados foram desenvolvidos nas décadas de 1930/40, como armas
químicas, eram compostos derivados do ácido fosfórico, que podem conter
em sua estrutura átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, enxofre,
nitrogênio e fósforo. A toxidade é maior que os organoclorados, mas são
menos persistentes no ambiente. O herbicida glifosato e os inseticidas
malation, paration e dissulfoton são exemplos de organofosforados. Dos
115 elementos químicos da tabela periódica, 11 podem estar presentes nas
formulações dos agrotóxicos, sendo que a indústria trabalha com mais de
mil formulações.


As seis maiores empresas do ramo – Bayer,
Syngenta, Basf, Monsanto, Dow e Dupont – controlam quase 90% do mercado
mundial. No Brasil são oito empresas que controlam a maioria do
mercado. A produção de organossintéticos no Brasil começou em 1946, com a
empresa Eletroquímica Fluminense, que fabricava o BHC, também conhecido
como gamexane ou pó de gafanhoto. Teve seu uso proibido em 1983. Em
1948, a Rhodia passou a produzir o inseticida parathion, e em 1950, uma
fábrica de armas químicas do exército brasileiro começou a fabricar no
Rio de Janeiro o DDT.


Explosão dos agrotóxicos


Mas
a explosão dos agrotóxicos no país só ocorreu a partir da década de
1970, quando os militares lançaram o Programa Nacional de Defensivos
Agrícolas (PNDA), que funcionou até 1979. A produção e a instalação de
fábricas recebiam incentivos fiscais, financiamentos, benefícios
tarifários para a importação de maquinário e equipamentos. Tudo isso foi
evoluindo e hoje o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo,
com mais de um bilhão de litros, e um faturamento que no ano passado
alcançou quase US$9bilhões para a induústria. Muito pior que isso foi a
introdução dos transgênicos, a partir do início da década, cuja
responsável maior é a empresa Monsanto, que incentivou o contrabando de
sementes da Argentina para o Rio Grande do Sul, durante o governo Olívio
Dutra.


Usou o sobrenome da esposa


Esta
mesma empresa tem um histórico trágico e pestilento. Criada em 1901, em
Saint Louis por John Francis Queeny, que aproveitou o nome de solteira
da mulher para registrar a firma Monsanto Chemical Works – o nome dela
era Olga Mendez Monsanto, conforme histórico publicado no livro
“Transgênicos, as sementes do mal”, do pesquisador brasileiro Antônio
Andreoli e do pesquisador alemão Richard Fuchs. O primeiro produto que a
empresa desenvolveu foi a sacarina, que era vendida para a Coca-Cola.
Começou a produzir aspirina em 1917, mercado que dominou até 1980. A
partir de 1933 entrou para a Bolsa de Nova Iorque, registrada com o nome
de Monsanto Chemical Company.


Desde 1930 vendeu os
produtos originados do PCB – bifenil policlorinado – que causa grave
danos à saúde, o que era do conhecimento da empresa, e mesmo assim
continuou vendendo até 1979. O PCB é usado na indústria eletrônica, o
maior cliente da Monsanto era a General Eletric, usava como
lubrificantes de motores, transformadores elétricos e agente
refrigerador. A GE na época tinha uma indústria a beira do rio Moharwk,
no estado de Nova Iorque, e por sua vez, é afluente do rio Hudson.  


Histórico do glifosato


No
dia 16 de abril de 1947, um cargueiro ancorado nas proximidades da
indústria da Monsanto, carregado com nitrato de amônia, se incendiou
devido a um cigarro e explodiu. A cidade de Texas e a indústria da
Monsanto foram destruídas. O fogo atingiu um oleoduto com fluídos
inflamáveis – benzeno, propano e benzol etílico – e o fogo se alastrou
por três dias, matando 576 pessoas. Em 1955, a Monsanto retomou os
negócios com adubo e em 1956 lançou o herbicida Randox. A partir de 1960
começou a crescer no setor agrícola. Em 1969, lançou o herbicida Lasso.
Em 1970 o pesquisador John Franz, da Monsanto, sintetizou uma molécula
mais tarde conhecida – registrada em 1974 – como glifosato, o princípio
ativo do herbicida Roundup.


Em 1974 ele chegou ao mercado
da Malásia e do Reino Unido. Dois anos depois foi lançado nos Estados
Unidos. Em 1983, o Departamento Agrícola da Monsanto começou a cultivar
as primeiras plantas transgênicas. Em 1992, começou a comprar as
empresas de sementes. Em 1999 bateu recorde de lucro, com US$9,1
bilhões, sendo 50% do setor agrícola.


A escória da humanidade



Na
década de 1990, a Monsanto entrou no mercado de algodão da Índia, que é
o segundo maior produtor mundial, com mais de 12 milhões de hectares
cultivados. Lançou a semente Bt. A maior parte da produção está no
estado de Maharastra. Desde 1997, 54 mil agricultores familiares se
suicidaram na região. A causa: endividamento no banco, secas,
inundações, baixa produtividade. No total, o que é um escândalo mundial,
são quase 200 mil suicídios, desde 1997. A Monsanto diz que as mortes
não tem ligação com o lançamento da semente Bt. O detalhe é que o preço
das sementes de algodão subiu mais de 1000% no mesmo período. A
Monsanto, desde a sua origem – o marido não quis se comprometer com o
nome próprio e usou o da esposa - mostrou a capacidade de provocar
discórdias no planeta. Sem contar a pretensão de dominar o mercado de
alimentos no mundo, o que significa exercer seu poder fascista, numa
área onde pelo menos metade da população mundial ainda depende dos
recursos de suas propriedades. A outra metade vive nas cidades. A
Monsanto, certamente, ocupará o espaço destinado à escória da
humanidade, num futuro bem próximo

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