sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Saul Leblon: Mídia deveria regurgitar as florestas de celulose que usou para falar em "quadrilha"

Saul Leblon: Mídia deveria regurgitar as florestas de celulose que usou para falar em "quadrilha" - Viomundo - O que você não vê na mídia



Saul Leblon: Mídia deveria regurgitar as florestas de celulose que usou para falar em “quadrilha”

publicado em 28 de fevereiro de 2014 às 14:33

Joaquim Barbosa (a partir de 48 minutos): Agora
V. Exa. me chega aqui com a fórmula prontinha. [...] A fórmula já é
pronta. Eu indago se V. Exa. já a tinha antes de chegar a esse tribunal.
Parece que sim. A sua decisão não é técnica, é política



Luís Roberto Barroso: O esforço para depreciar quem pensa diferentemente é um déficit civilizatório.


Joaquim Barbosa: O que foi o voto de V. Exa. se não um rebate ao acórdão do STF?





28/02/2014 – Copyleft




Um cheiro de cinzas no ar


Fica difícil afastar a percepção de que o carnaval conservador saltou
para a dispersão sem passar pela apoteose. O cheiro de cinzas no ar é
inconfundível.


por Saul Leblon, na Carta Maior


Como parte interessada, a mídia jamais reconhecerá no fato o seu
alcance: mas talvez o Brasil tenha assistido nesta 5ª feira a uma das
mais duras derrotas já sofridas pelo conservadorismo desde a
redemocratização.


Quem perdeu não foi a ética, a lisura na coisa pública ou a justiça, como querem os derrotados.


A resistência conservadora a uma reforma política, que ao menos
dificultasse o financiamento privado das campanhas eleitorais, evidencia
que a pauta subjacente ao julgamento da AP 470 tem pouco a ver com o
manual das virtudes alardeadas.


O que estava em jogo era ferir de morte o campo progressista.


Não apenas os seus protagonistas e lideranças.


Mas sobretudo, uma agenda de resiliência  histórica infatigável, com a qual eles seriam identificados.


Ela foi golpeada impiedosamente em 54 e renasceu com um único tiro;
foi golpeada em 1960 e renasceu em 1962; foi golpeada em 1964, renasceu
em 1988; foi golpeada em 1989, renasceu em 2003; foi golpeada em 2005 e
renasceu em 2006, em 2010…


O  que se pretendia desta vez, repita-se, não era exemplar cabeças
coroadas do petismo, mas um propósito algo difuso, e todavia
persistente, de colocar a luta pelo desenvolvimento como uma
responsabilidade intransferível da democracia e do Estado brasileiro.


A derrota conservadora é  superlativa nesse sentido, a exemplo dos recursos por ela mobilizados — sabidamente nada  modestos.


Seu dispositivo midiático lidera a lista dos mais esfarrapados egressos da refrega histórica.


Se os bonitos manuais de redação valessem, o  desfecho da AP 470 
obrigaria a mídia ‘isenta’ a regurgitar as florestas inteiras de
celulose que consumiu com o objetivo de espetar no PT o epíteto
eleitoral de ‘quadrilha’.


Demandaria uma lavagem de autocrítica.


Que ela não fará.


Tampouco reconhecerá que ao derrubar a acusação de quadrilha, os
juízes que julgam com base nos autos desautorizariam implicitamente o
uso indevido da teoria  do  domínio do fato, que amarrou toda uma
narrativa largamente desprovida de provas.


Se não houve quadrilha, fica claro o propósito político prévio  de
emoldurar a  cabeça  do ex-ministro José Dirceu no centro de uma bandeja
eleitoral, cuja guarnição incluiria nomes ilustres do PT, arrolados ou
não  na AP 470.


O banquete longamente preparado  será degustado de qualquer forma agora.


Mas fica difícil  afastar  a percepção de que o carnaval conservador
saltou  direto da concentração para  a dispersão sem passar pela
apoteose.


Aqui e ali, haverá quem arrote  peru nos camarotes e colunas da indignação seletiva.


O cheiro de cinzas, porém, é inconfundível e contaminará por muito tempo o ambiente político e econômico do conservadorismo.


O  que se pretendia, repita-se, não era apenas criminalizar fulano ou
sicrano, mas a tentativa em curso de enfraquecer o enredo que os
mercados impuseram ao país de forma estrita e abrangente no ciclo tucano
dos anos 90.


Inclua-se aí a captura do Estado para sintonizar o país à modernidade
de um capitalismo ancorado na subordinação irrestrita da economia, e na
rendição incondicional da sociedade, à supremacia das finanças
desreguladas.


O Brasil está longe de ter subvertido essa lógica.


Mas não por acaso, a cada três palavras que a ortodoxia pronuncia
hoje, uma é para condenar as ameaças e tentativas de avanços nessa
direção.


O jogral é conhecido: “tudo o que não é mercado é populismo; tudo o
que não é mercado é corrupção; tudo o que não é mercado é inflacionário,
é ineficiência, atraso e gastança”.


O eco desse martelete percorreu cada sessão do mais longo julgamento
da história brasileira.

Assim como ele, a condenação da política pelas
togas coléricas reverberava a contrapartida de um anátema econômico de
igual veemência,  insistentemente  lembrado pelos analistas e
consultores: “o Brasil não sabe crescer, o Brasil não vai crescer, o
Brasil não pode crescer — a menos que retome  e conclua  as ‘reformas’”.


O eufemismo cifrado designa o assalto aos direitos trabalhistas; o
desmonte das políticas sociais; a deflagração de um novo ciclo de  
privatizações e a renúncia irrestrita a políticas e tarifas de indução
ao crescimento.


Não é possível equilibrar-se na posição vertical em cima de um
palanque abraçado a essa agenda, que a operosa Casa das Garças turbina
para Aécio — ou Campos, tanto faz.


Daí o empenho meticuloso dos punhais midiáticos em escalpelar os réus
da AP 470.

Que legitimidade poderia ter um projeto alternativo de
desenvolvimento identificado com uma  ‘quadrilha’ infiltrada no Estado
brasileiro?


Foi essa indução que saiu  seriamente chamuscada da sessão do STF na tarde desta 5ª feira.


Os interesses econômicos e financeiros que a desfrutariam continuam vivos.


Que o diga a taxa de juro devolvida esta semana ao degrau de 10,75% ,
de onde a Presidenta Dilma a recebeu e do qual tentou rebaixá-la, sob 
fogo cerrado da república rentista e do seu jornalismo especializado.


Sem desarmar a bomba de sucção financeira essas tentativas  tropeçarão ciclicamente  em si mesmas.


Os quase 6% que o  Estado brasileiro destina ao rentismo anualmente,
na forma de juros da dívida pública, dificultam sobremaneira desarmar o
círculo vicioso do endividamento, do qual eles são causa e
decorrência. 

É o labirinto do agiota: juro sobre juro leva a mais
juro. E mais alto.


Dessa encruzilhada se esboça a disputa entre  dois projetos distintos de desenvolvimento.


A colisão entre as duas dinâmicas fica mais evidente quando a taxa de
crescimento declina ou ocorrem mudanças de ciclo na economia mundial,
estreitando adicionalmente a margem de manobra do Estado e das contas
externas.


É o que a América Latina, ou quase toda ela, experimenta  nesse momento.


A campanha eleitoral deste ano prestaria inestimável serviço ao
discernimento da sociedade se desnudasse esse conflito objetivo,
subjacente à  guerra travada diante dos holofotes no julgamento da AP
470.


O conservadorismo foi derrotado. Mas não perdeu seus arsenais.


Eles só serão desarmados pela força e o consentimento  reunidos das grandes mobilizações democráticas.


As eleições de outubro poderiam funcionar como essa grande praça da apoteose.


A ver.





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