terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Os bancos especulam com divisas, manipulam o mercado de câmbios e a taxa Tobin está no limbo - Carta Maior

Os bancos especulam com divisas, manipulam o mercado de câmbios e a taxa Tobin está no limbo - Carta Maior

As transações no mercado de câmbios aumentaram 500 vezes em 40
anos.





Eric Toussaint



USAG Yongsan/Flickr


O volume diário das transações no
mercado de divisas envolveu, em 2013, cerca de 5,3 trilhões de dólares!
Os bancos, como os fundos de investimento mútuo, que possuem muito boa
liquidez, usam e abusam das transações no mercado de divisas, empurrando
as moedas para cima ou para baixo para obterem ganhos com os
diferenciais das taxas de câmbio. Os bancos têm também um papel decisivo
em termos de derivados cambiais, podendo provocar perdas
significativas, não mencionando já os efeitos nocivos que a
instabilidade da moeda provoca em geral na sociedade.
 
A
partir de maio de 2013, as moedas dos principais países ditos
emergentes (Índia, Brasil, África do Sul, Rússia, Turquia, Argentina e
outros) foram sujeitas a ataques especulativos e perderam nalguns casos
até 20% do seu valor |1|. A taxa de câmbio entre o dólar e o euro tem
sido também objecto de especulação.
 
 
Em quarenta anos, as transações no mercado de câmbios, controladas por alguns grandes bancos, aumentaram quinhentas vezes
 
O
mercado de câmbios constitui a divisão do mercado financeiro global
que, ao lado do mercado de derivados, registrou o maior crescimento.
Entre 1970 e 2013, o volume de transações em moeda aumentou mais de
quinhentas vezes (passando de um pouco mais de 10 bilhôes para 5,3
trilhões de dólares por dia). Embora, em teoria, a principal função do
mercado de divisas seja facilitar o comércio internacional, em 2013 o
montante de transações relacionadas com o comércio de bens não
representava nem 2% das transações diárias do mercado de câmbios.
 
Em
1979, era necessário o equivalente a 200 dias de atividade no mercado
cambial para atingir volume anual de exportações mundiais. Em 2013, 3,5
dias de atividade no mercado cambial eram suficientes para atingir o
volume anual de exportações mundiais de mercadorias. Isso mostra como as
atividades do mercado financeiro estão desligadas da economia produtiva
e do comércio de mercadorias.
 
Em
2013, quatro bancos apenas controlavam 50% do mercado de câmbios
(Deutsche Bank, 15,2 %; Citigroup, 14,9 %; Barclays, 10,2 %; UBS, 10,1
%). Se juntarmos mais seis outros bancos (HSBC, JPMorgan, Royal Bank of
Scotland, Crédit Suisse, Morgan Stanley, Bank of America), ficamos com
80 % do mercado |2|. Metade dessas trocas realizam-se no mercado
londrino.
 
 
Depois do escândalo da Libor, agora o escândalo do mercado de câmbios
 
Agora
que o escândalo da Libor (relativo às taxas de juro impostas pelos
bancos ao emprestarem dinheiro) foi quase dado como sanado pelas
autoridades de supervisão, um novo escândalo rebentou, em 2013, a
propósito da manipulação do mercado de câmbios |3|. As autoridades de
supervisão dos mercados financeiros dos Estados Unidos, Reino Unido, UE,
Hong Kong e Suíça suspeitam que pelo menos quinze grandes bancos
manipularam em conjunto as taxas de câmbio, inclusive o mercado do
euro-dólar que, só por si, representa um volume diário de 1,3 trilhões
de dólares.
 
Entre
os bancos incriminados estão: Barclays, Citigroup, Deutsche Bank,
Goldman Sachs, HSBC, JPMorgan, Morgan Stanley, Royal Bank of Scotland,
Standard Chartered e UBS. Dezoito traders terão sido suspensos ou
despedidos no âmbito deste caso com contornos ainda pouco definidos. As
autoridades britânicas de supervisão declararam que a extensão dos danos
provocados por essas manipulações é no mínimo igual à extensão dos
danos causados pela manipulação da Libor e que levou ao pagamento de
multas no valor de 6 bilhões de dólares |4|.
 
A
ironia é que as autoridades do Banco de Inglaterra estariam envolvidas
na manipulação, como no negócio da Libor. Em abril de 2012, traders
especializados no mercado cambial teriam dado conta das suas práticas a
altos funcionários do honorável Banco de Inglaterra, que terão deixado
passar o assunto |5|. O laissez-faire, a cumplicidade ou a conivência
entre os responsáveis dos bancos e os reguladores começaram a ver a luz
do dia, mesmo se a conta gotas e sem quase fazerem a capa do jornais.
 
No
âmbito deste caso, vários fundos de pensões dos Estados Unidos
avançaram com processos judiciais, em 2013-2014, contra sete bancos
(Barclays, Citigroup, Deutsche Bank, HSBC, JPMorgan, Royal Bank of
Scotland e UBS), devido a perdas que sofreram na sequência da
manipulação do mercado de divisas levada a cabo pelos banqueiros. Fundos
de pensões norte-americanos consideram que os bancos devem pagar-lhes
10 bilhões de dólares por danos e juros. Os fundos de pensões da Holanda
(inclusive o PGGM, o maior) e de outros países europeus consideram
também a possibilidade de avançar com ações judiciais |6|.
 
 
A taxa Tobin está no limbo
 

mais de quarenta anos, James Tobin, o ex-conselheiro económico de John
F. Kennedy, propôs colocar um grão de areia na engrenagem da especulação
internacional de divisas |7|. Apesar dos belos discursos de alguns
chefes de Estado, o flagelo da especulação cambial agravou-se. O lobby
dos banqueiros e de outros investidores institucionais conseguiu sempre
impedir que a sua atividade destinada a criar lucro fosse perturbada. No
entanto, observa-se que, desde a época em que James Tobin fez a sua
proposta, o volume das transações diárias no mercado cambial aumentou
mais de 500 vezes...
 
A
decisão de princípio tomada, em janeiro de 2013 |8|, por onze governos
da zona euro |9|, no sentido de impor uma taxa de um milésimo sobre as
transações financeiras é completamente insuficiente e não se aplica às
divisas e nem sequer é certo que entre rapidamente em vigor. Os bancos
exercem uma forte pressão no sentido de evitarem e limitarem ainda mais o
alcance da medida |10|. O governo francês, intimamente ligado aos
bancos, intervém ativamente a favor das exigências do lobby bancário
|11|. Não haverá uma solução justa se continuarmos neste contexto
enviesado.
 
É,
por essa razão, chegada a hora de parar a engrenagem da especulação,
aplicando uma verdadeira taxa do tipo Tobin, o primeiro passo no sentido
de uma proibição completa da especulação sobre as moedas.



Publicado no site do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo. Tradução: Maria da Liberdade. Revisão: Rui Viana Pereira
 
 
Notas:
|1|
Esses ataques especulativos estão relacionados com retiradas maciças de
capital realizadas por investidores institucionais (bancos, fundos
mútuos, fundos privados de pensões, hedge funds...).
|2| Ver Georges Ugeux, «Après le Libor, le marché des changes risque-t-il d’imploser?», Le Monde, edição de 1 de dezembro 2013, e Financial Times, «Foreign exhange : The big fix», edição de 13 novembro 2013.
|3| Financial Times, «Forex probe widened at least 15 large banks», edição de 13 novembro 2013.
|4| Financial Times, «Scale of forex fix probe to rival libor», edição de 5 fevereiro 2014.
|5|
Financial Times, «Bank of England faces forex probe scrutiny», edições
de 8-9 fevereiro 2014, e «BoE calls in lawyers over forex fix claims»,
edição de 12 fevereiro 2014.
|6|
Financial Times, «Banks face forex legal battle. US pension funds seek
large damages in class action proceedings», edição de 10 fevereiro 2014.
Financial Times, «Banks face fresh forex claims», edição de 13
fevereiro 2014.
|9|
Os onze países em questão são a Áustria, a Bélgica, a Espanha, a
Estônia, a França, a Grécia, a Itália, Portugal, a Eslováquia e a
Eslovénia.
|10| Financial Times, «Eurozone states look to limit financial tax», edição de 12 dezembro 2013.
|11| Ver Grupo de signatários, «Lettre ouverte européenne à François Hollande: ne cédez pas au lobby des banques!», publicado em 12 fevereiro 2014.

Sobre o autor: Eric Toussaint é politólogo. Presidente do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo

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