domingo, 2 de fevereiro de 2014

A melhor vida possível - MARTHA MEDEIROS

A melhor vida possível - MARTHA MEDEIROS

A melhor vida possível - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 02/02

Quanto
mais converso por aí, mais percebo que é inútil acreditar em verdades
absolutas e fórmulas ideais de convivência. Cada pessoa tem familiares
que influenciaram suas escolhas, medos herdados e medos adquiridos,
sonhos altos demais ou mesmo nenhum, e um número incalculável de
perguntas sem respostas, de desejos embaraçosos, de mágoas vitalícias.
Quem vai decretar para mim o que é melhor para mim? E quem vai dizer o
que é melhor para você? Com que topete?

A melhor vida não é
aquela que atende os mandamentos universais, as ordens celestes e os
clichês eternizados, mas a que se tornou possível, a que você vem
construindo a despeito de todas as suas dúvidas.

A melhor vida
seria a da Gisele Bündchen, pensa a menina feia. A melhor vida seria a
da Dilma, pensa a vereadora de uma cidadezinha do interior. Enquanto
isso, vivem a vida possível, sem perceber o quanto deveriam ser gratas
por não precisarem arcar com consequências que desconhecem.

A
melhor vida para mim é bem diferente da melhor vida para você. Reúna o
planeta inteiro e não se encontrará duas pessoas que planejem possuir a
mesma vida, porque uns não querem ter horário para nada, outros se
envaidecem de ter suas atitudes comentadas por estranhos, há os que se
paralisam à primeira frustração, os que estão sempre inventando novos
desafios, e a vida possível de cada um torna-se impossível para os
demais, o que não deixa de ser uma piada termos que conviver intimamente
uns com os outros apesar desse tabuleiro inesgotável de escolhas e
destinos.

Se eu almejar uma vida ideal, terei que me basear na
vida dos outros, pois o ideal é fruto de uma racionalização coletiva e
consagrada, enquanto que se eu me contentar com uma vida possível, volto
a assumir algum controle sobre os royalties das minhas decisões.

O
que não impede que ela seja ótima, a mais adequada para o fôlego que
tenho, a mais realizável dentro de minhas ambições, a menos sofrida, já
que regulada pelo autoconhecimento que adquiri até aqui. Tenho como
manejar uma vida possível de um jeito que jamais teria de manejar uma
vida perfeita, até porque vida perfeita não é deste mundo, e o
sobrenatural é matéria que não domino.

A melhor vida não é a
focada em suposições, fantasias, esperas, surpresas e demais previsões
que raramente se confirmam. A melhor vida não é aquela que é cumprida
feito um pagamento de dívida, como um acerto de contas com nossos
antigos anseios juvenis.

A melhor vida não é a que desenhamos
quando criança na folha do caderno, a casinha de venezianas abertas, a
fumaça saindo pela chaminé e os girassóis protegidos por uma cerquinha
branca, e tudo o que isso sugere de proteção e vizinhança com os desejos
comuns a todos. A melhor vida possível é aquela que você ainda vem
desenhando, mesmo já com algumas pontas de lápis quebradas.

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