"Só as três dependências da coroa britânica [Caimão, as Ilhas Virgens
Britânicas [BVI] e as Bermudas] providenciaram $332,5 biliões de
financiamento para a City, a maioria não taxado".
"É uma surpresa para a maioria das pessoas que o mais importante player
do sistema global de offshores (livre de impostos e taxas) não seja a
Suíça, nem as Ilhas Caimão, mas sim a Grã-Bretanha, situada no centro de
uma rede de paraísos fiscais britânicos interligados entre si, a
lembrar os últimos resquícios do império.”
O parágrafo consta de um trabalho da revista norte-americana Vanity Fair, publicado na última edição de Abril, com o sugestivo título: A Tale of two Londons [uma brincadeira à volta do conto (1859) de Charles Dickens, a Tale of Two Cities].do sistema global de offshores (livre de impostos e taxas) não seja a
Suíça, nem as Ilhas Caimão, mas sim a Grã-Bretanha, situada no centro de
uma rede de paraísos fiscais britânicos interligados entre si, a
lembrar os últimos resquícios do império.”
Depois
de, na terça-feira, a organização internacional não-governamental (ONG)
Oxfam ter estimado em 14 biliões de euros (18,5 triliões de dólares) o
dinheiro ocultado em paraísos fiscais espalhados pelo mundo, ficou hoje a
saber-se que há 12 offshores, conectados com Portugal, associados a 22
proprietários ou gestores (quatro portugueses) domiciliados em Lisboa,
Porto, Estoril, Tavira e Almancil.
parceria com o Offshore Leaks, e consta de uma mega investigação a
paraísos fiscais. A Offshore Leaks analisou 2,5 milhões de documentos
secretos, relacionados com 120 mil companhias e 170 países.
As
notícias mais recentes ajudam a levantar a cortina opaca que protege as
grandes fortunas que “fogem” ao pagamento de impostos e surgem numa
altura em que, em Bruxelas, os chefes de Estado e de governo europeus
reuniram para adoptarem medidas de reforço da luta contra a evasão e a
fraude fiscal.
A Oxfam prevê que dois terços [9,5 biliões de
euros] da verba “ocultada” em paraísos fiscais (um total de 14 biliões
de euros), estejam em “territórios” offshore da União Europeia (UE). E
que os Estados tenham perdido de receita fiscal cerca de 120 mil milhões
de euros: o que equivale “a duas vezes o necessário para que cada
pessoa no mundo em pobreza extrema viva acima do limiar de 1,25 dólares
por dia”.
Apesar das expectativas abertas com o anúncio de que os
europeus iam reunir para discutir os temas offshore, os resultados do
encontro de quarta-feira, 22 de Maio, não foram animadores. Bruxelas
atrasou para Dezembro a decisão sobre a generalização da troca de dados
financeiros no espaço europeu.
Ao contrário da França, que tem
defendido medidas europeias contra a evasão fiscal, a Áustria e o
Luxemburgo (com fiscalidades e regras de reporte de excepção) fazem
depender o seu aval a uma maior transparência nas transacções
financeiras, ao reforço da legislação na Suíça, no Mónaco, em Andorra,
em San Marino e no Liechtenstein, territórios europeus, mas que não
integram a UE.
A Alemanha, sede do segundo maior centro financeiro da Europa, também olha para as intenções de Holande com desconfiança.
Desta
vez, e apesar de Londres surgir, habitualmente, como a face visível da
resistência ao aumento da regulação financeira (bancos, operações
financeiras e offshores), as posições britânicas não apareceram
destacadas na comunicação social. Mas o trabalho da Vanity Fair,
que se estende por sete páginas, não deixa dúvidas de que qualquer
mudança à actual “arquitectura” da city londrina (uma metrópole
offshore) tenderá sempre a ser vista como uma ameaça à “competitividade”
da sua indústria financeira.
O título escolhido pela revista para
ilustrar o mapa que acompanha o artigo de Nicholas (Nick) Shaxson
(autor de outra investigação sobre o tema: Where the Money Lives) é elucidativo: “O Sol nunca se deita para o império britânico de offshores e paraísos fiscais.”
britânica – Jersey, Guernsey, Ilhas de Man. Um pouco mais longe estão os
14 territórios espalhados pelo mundo, metade são paraísos fiscais,
incluindo, por exemplo, gigantes offshores como as Ilhas Caimão, as
Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e as Bermudas. Ainda mais longe numerosos
países da Commonwealth britânica e antigas colónias como Hong Kong, com
fundas e antigas ligações a Londres, continuam a alimentar grandes
fluxos financeiros questionáveis e sujos para dentro da City”, lê-se na Vanity Fair.
"A situação dúbia, meio dentro, meio fora (colónias sem o ser),
assegura um fundo de legalidade e de distância que permite à
Grã-Bretanha dizer “que nada pode fazer” quando um escândalo rebenta.”
Esclarecedor, portanto.
Ainda assim a revista norte-americana
faz menção ao que já se sabe: as enormes dificuldades em obter números
sobre a circulação do dinheiro pelos paraísos fiscais, o que justifica
que os valores divulgados pelas diferentes instituições nem sempre
coincidam. Mas há pelo menos uma certeza: uma parte significativa das
grandes fortunas mundiais, das empresas e dos fundos de investimento
internacionais controlados a partir das metrópoles financeiras acabam
sediados em paraísos fiscais.
Territórios opacos onde o sigilo
bancário e a complexidade das estruturas societárias dificultam a
identificação dos “offshore” e dos seus beneficiários efectivos, assim
como das verbas que por ali circulam.
Depois de ressalvar que “a
informação é pouca”, Nick Shaxson garante que no fim do primeiro
semestre de 2009, “só as três dependências da coroa britânica [Caimão,
as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e as Bermudas] providenciaram $332,5
biliões de financiamento para a City, a maior parte é dinheiro
estrangeiro não taxado”.
2001, até a Autoridade Fiscal britânica vendeu 600 edifícios a uma
companhia, a Mapeley Steps, registada no paraíso fiscal das Bermudas
para evitar o pagamento de taxas.”
Nick Shaxson "arranca" o artigo
da Vanity Fair sem deixar dúvidas: “Quem realmente vive no One Hyde
Park [Londres], o edifício residencial mais caro do mundo? A maior parte
dos proprietários das habitações é gente que se esconde atrás de
offshores, de paraísos fiscais, o que nos dá o retrato dos novos
super-ricos.”
O construtor do One Hyde Park, Nick Candy, explicou
que Londres “é a cidade no topo do mundo e o melhor paraíso fiscal para
alguns”, enquanto Mark Holling, co-autor do livro Londongrad,
de 2009, que fala da invasão russa, preferiu evidenciar: “ Eles [russos]
vêem a capital/city como a mais segura, justa e honesta para parquear o
seu dinheiro e a justiça britânica nunca os extradita”, nem “a polícia
os investiga”, apesar de “se desconhecer a origem do seu dinheiro”,
resultante das “privatizações pós-soviéticas corruptas”
A grande
dimensão dos negócios/transacções em paraísos fiscais sob administração
britânica tem gerado contestação e constitui uma dor de cabeça para o
governo de David Cameron. Recentemente, num contexto em que se pede
austeridade aos consumidores britânicos, o parceiro de coligação de
Cameron, Lord Oakeshott, do partido Liberal-Democrata, avisou: “[as
triangulações entre offshores] É uma mancha na face da Grã-Bretanha.
Como pode Cameron pedir seriamente ao G8 para reforçar as receitas
fiscais se depois deixar as ilhas [paraísos fiscais britânicos] usarem a
lei para absorver milhões em dinheiro sujo?”
A acção
da ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, não foi esquecida
por Shaxson: “As reformas financeiras [de Thatcher], nomeadamente, o Big
Bang [desregulamentação], de 1986, fizeram disparar o número de
banqueiros na city o que expandiu as operações financeiras” e atraiu
investimento estrangeiro. Mas não só. A menor regulação e a maior
competição, traços distintivos da city londrina thatcherista,
não resultaram em maior transparência e qualidade nas operações
financeiras e estiveram na origem da crise anglo-saxónica de 2007/2008.
Hoje, sugerem-se
grandes mudanças e prometem-se "grandes batalhas" para meter a capital
britânica na ordem. Mas será que a intenção de Oakeshott de colocar um
fim na circulação de dinheiro sujo na City acabará algum um dia por
sair da gaveta?
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