Clóvis Rossi
Não éramos cordiais?
O nível impressionante de violência no cotidiano está cada vez mais próximo de uma barbárie intolerável
É muito pior que isso: é um atentado ao convívio civilizado entre
brasileiros, um degrau a mais na escalada impressionante de violência
que está empurrando o país para um teor ainda mais exacerbado de
barbárie.
O incidente com o cinegrafista é parte de uma coreografia de violência crescente que se dá por onde quer que se olhe.
Nunca se matou com tanta facilidade em assaltos. Nunca se apertou o
gatilho com tanta facilidade. É até curioso que as estatísticas
policiais no Estado de São Paulo apontem uma redução no número de
homicídios dolosos, como se fosse um avanço, quando aumenta o número de
vítimas de latrocínio, que não passa de homicídio precedido de roubo.
De fato, em 2013, o número de latrocínios (379) foi o mais alto em nove
anos, com aumento de 10% em relação aos 344 casos do ano anterior.
Mas a violência não é um fenômeno restrito à criminalidade. A polícia age muitas vezes com uma violência desproporcional.
A vida nas cidades e, cada vez mais, no interior é de uma violência
inacreditável. O trânsito é uma violência contra a mente humana. O
transporte público violenta dia após dia. Não é um atentado aos direitos
humanos perder às vezes três horas entre ir e voltar do trabalho?
A saúde é uma violência contra o usuário. A educação violenta, pela sua baixa qualidade, o natural anseio de ascensão social.
A existência de moradias em zonas de risco é outra violência.
A contaminação do ar mata ou fere de maneira invisível os habitantes das
cidades em que o nível de poluição supera o mínimo tolerável.
Não adianta, agora, culpar o governo do PT ou a suposta herança maldita
legada pelo PSDB, ou os crimes praticados pela ditadura militar ou a
turbulência que precedeu o golpe de 1964. O país foi sendo construído de
maneira torta, irresponsável, sem o mais leve sinal de planejamento, de
preparação para o futuro.
Acumularam-se violências em todas as áreas de vida. A explosão no
consumo de drogas exacerbou, por sua vez, a violência da criminalidade
comum. Não há "coitadinhos" nessa história. Há delinquentes e vítimas e
há a incompetência do poder público.
É como escreveu, para Carta Capital, esse impecável humanista chamado Luiz Gonzaga Belluzzo:
"O descumprimento do dever de punir pelo ente público termina por
solapar a solidariedade que cimenta a vida civilizada, lançando a
sociedade no desamparo e na violência sem quartel".
Antes que o desamparo e a violência sem quartel se tornem completamente
descontrolados, seria desejável o surgimento de lideranças capazes de
pensar na coisa pública, em vez de se dedicarem a seus interesses
pessoais, mesmo os legítimos.
Alguém precisa aparecer com um projeto de país, em vez de projetos de
poder. Não é por acaso que 60% dos brasileiros querem mudanças, ainda
que não as definam claramente. A encruzilhada agora é entre ideias e
rojões.
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