sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Direito de voto continua sob ataque nos EUA - Cláudia Trevisan - Estadao.com.br

Direito de voto continua sob ataque nos EUA - Cláudia Trevisan - Estadao.com.br

Quase 50 anos depois de o Congresso americano aprovar a legislação
histórica que acabou com a discriminação em votações eleitorais, o
exercício do direito do voto continua sob ataque nos Estados Unidos.
Para uma forasteira recém-chegada à América, esse é um dos mais
chocantes aspectos do país que se apresenta como um exemplo de
democracia representativa para o restante do mundo.


O voto não é obrigatório e o dia de eleição não é domingo nem
feriado, o que reduz a probabilidade de que pessoas que dependem do
salário para sobreviver possam expressar suas escolhas políticas nas
urnas. No feroz capitalismo americano, dia não trabalhado é quase sempre
dia não remunerado. O inacreditável é que há um grupo de pessoas
colhendo assinaturas com o objetivo de apresentar proposta legislativa
que cria um feriado para a abertura da temporada de baseball, mas não
existe mobilização semelhante para as eleições.


Isso se explica pelo fato de que o esporte pode ser regulado por uma
legislação federal, mas o voto não. Eleição nos Estados Unidos é um
assunto dos Estados e todo mundo que se lembra da derrota de Al Gore
para George W. Bush em 2000 sabe como isso pode ser pantanoso. O
democrata venceu o republicano no voto popular, mas teve negado pela
Suprema Corte o pedido de recontagem dos votos da Flórida, governada na
época pelo irmão de George, Jeb.


No ano passado, a Suprema Corte decidiu que parte do Voting Rights Act,
de 1965, é uma peça de museu e deve ser abandonada. Sem as restrições
da legislação aprovada no âmbito do movimento pelos direitos civis do
anos 60, vários governadores republicanos anunciaram medidas que, na
prática, restringem o exercício do voto pelos negros e pobres de seus
Estados, que costumam optar por candidatos democratas.


A limitação mais comum é a exigência de documento com foto para que o
cidadão possa votar. Como a legislação eleitoral é de responsabilidade
dos Estados, não existe um título de eleitor nacional como no Brasil. E o
documento com foto mais usado nos Estados Unidos é a carteira de
motorista, normalmente é dada a quem sabe dirigir por ter dinheiro para
comprar um carro.


Barack Obama, primeiro presidente negro da história dos Estados
Unidos, criticou a decisão da Suprema Corte e, no ano passado, criou uma
comissão bipartidária para propor mudanças que aumentem a possibilidade
de todos os cidadãos exercerem o direito de voto. Além de a eleição
ocorrer em um dia útil, a demora nas filas de votação pode chegar a até
sete horas, o que transforma o exercício o voto em um empreitada que não
apenas pode infligir danos econômicos, mas também físicos.


Para completar, pelo menos quatro Estados suprimem para sempre o
direito de voto dos condenados por atos criminosos, que são impedidos de
influenciar o destino político do país mesmo depois de saírem da
prisão. Segundo estatística citada pelo jornal Washington Post, 5,8 milhões de americanos não podem votar em razão de prévias condenações judiciais. Desse, 38% são negros.


Em comentário sobre a atual situação da Venezuela na semana passada,
Roberta Jacobson, subsecretária para o Hemisfério Ocidental do
Departamento de Estado dos EUA, disse de maneira acertada que eleições
não são o único critério para definir se uma sociedade é ou não
democrática. Também conta o respeito a instituições como separação de
Poderes e liberdade de imprensa. Ainda que não suficiente, as eleições
são um elemento necessário às democracias e a América continua a lutar
para que elas sejam livres e justas.

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