quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

“Os brasileiros desejam mudança, mas não a veem representada na oposição” | Politica | Edição Brasil no EL PAÍS

“Os brasileiros desejam mudança, mas não a veem representada na oposição” | Politica | Edição Brasil no EL PAÍS

Marcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligencia,
é talvez uma das pessoas que mais conheça o que se passa pela cabeça
dos brasileiros. As ambições, as expectativas políticas e até o caráter
da sociedade brasileira ficam expostos em cada entrevista feito pelo
Ibope, um dos principais institutos de pesquisas do país, onde Cavallari
começou a trabalhar há mais de 30 anos. “O brasileiro não é vítima da
corrupção, ele é cúmplice”, diz, sem titubear, sobre um dos temas mais
caros para o país. São as respostas em entrevistas de rua, ou nas salas
do Ibope ao longo de três décadas, que fizeram a estatística, e
cientista política chegar a essa conclusão.


Na seara política, Cavallari também costuma ser precisa. Quatro anos
atrás, ela sustentava que um sentimento de continuidade dos eleitores
deveria premiar na presidência quem mantivesse as conquistas sociais do
governo de Lula. Venceu Dilma Rousseff. Hoje, o sentimento é outro, de
mudança. Mas, ela frisa que a oposição ainda não se apropriou dessa bandeira,
portanto, o resultado da eleição ainda é incerta. “Por enquanto, as
pessoas não estão vendo na oposição quem possa representar essa
mudança”, afirma. Uma das obsessões do país é mesmo a saúde, que foi
mote das manifestações populares no ano passado. “Os protestos foram
contra todos os políticos”, observa.


A especialista admite que este é um dos anos mais atípicos para o
país, com incertezas e inseguranças na economia, na política, e claro,
com a Copa do Mundo. Por mais tormentos que o Mundial esteja provocando agora, a grande angústia da população passa a ser outra.
Não quer passar (mais) vergonha com a falta de estrutura para receber
os visitantes. Isso pode definir a sorte da presidenta Rousseff, em 5 de
outubro, quando as eleições serão realizadas.


Pergunta: Em 2010, havia um sentimento de
continuidade pelas pesquisas de opinião pública que vocês desenvolviam
naquele período, e hoje qual é o sentimento mais preponderante?


Resposta: Agora as coisas estão mais complicadas. Há muita variável fora de controle ainda.


 P. Mas o sentimento preponderante é a o de mudança, certo?


R. Sim, há um desejo de mudança. O problema é que,
por enquanto, as pessoas não estão vendo na oposição quem possa
representar essa mudança. Nas pesquisas que a gente fez, não vemos que
eles se apropriaram desse sentimento. A Dilma ainda leva uma vantagem.


P. Por que a oposição ainda não ocupou esse espaço?


R. Tanto o Aécio Neves, quanto o Eduardo Campos
ainda não são totalmente conhecidos da população. Esse ano também tem um
calendário eleitoral bastante complicado. Todo ano de eleição
presidencial coincide com a Copa do Mundo. Mas como está sendo realizada
aqui, o clima do país muda. Vão chegar as delegações, vai estar aquela
convivência com outras pessoas e tal, então as pessoas vão estar focando
nas questões eleitorais somente depois que acabar a Copa, a partir de
13 de julho. A campanha, então, acontecerá entre o final de julho,
agosto e setembro. Vai ser uma campanha muito curta, o que dificulta as
ações. Agora, é o início do horário eleitoral gratuito na televisão (no
dia 19 de agosto) o momento no qual todos os candidatos passam a ser
conhecidos de uma forma mais homogênea pela população. Hoje, os
candidatos mais conhecidos levam vantagem nas pesquisas de intenção de
voto.


P. Qual é o papel da Copa nesta eleição?


R. Vai depender muito do que vai acontecer durante o
evento. Quero dizer: a gente vai passar vergonha? Tudo vai ser
entregue? Vai estar tudo remendado? Não vai? Isso é algo que a gente vê.
A população, a opinião pública não quer passar vergonha com a Copa. E
aí tem as manifestações que a gente também não sabe se vão voltar.


P. As manifestações jogam contra quem?


R. Contra todos os políticos. A Dilma, por exemplo,
assim como todos ocupantes de cargos executivos, governadores e
prefeitos, caíram no fundo do poço. Depois foram se recuperando. A Dilma
não voltou ao patamar de antes, mas alguns governadores voltaram. Uns
se recuperaram mais, outros menos, outros vão ter mais dificuldade de
conseguir se recuperar.


P. É o caso do próprio Campos, que retomou seus índices anteriores, não?


R. O Campos foi um dos poucos, assim como o Beto
Richa (governador do Paraná, que é do PSDB). Uns caíram e voltaram,
outros não voltaram ao patamar anterior, e outros estão se recuperando
mais devagarinho. Por isso que eu falo que é contra todos. As obras da
Copa também não são uma responsabilidade só do governo federal. Não é o
governo federal que está construindo os estádios, por exemplo, são os
governos estaduais. E a mobilidade urbana. É dinheiro do governo
federal, mas também tem as prefeituras que estão à frente. É assim, se
as coisas não funcionarem, o Brasil passar vergonha porque não conseguiu
fazer uma Copa direito, e se houver atos de violência, ou de segurança
pública com turista...


P. Por isso já estão falando em 100.000 para cuidar da segurança da Copa,numa tentativa de blindar os turistas?


R. Eu vejo o governo mudando totalmente o discurso
da Copa. Antes estava se falando do legado que a copa ia deixar, algo
que não está tão claro para as pessoas ainda. Quando a gente faz a
pergunta se a Copa vai trazer mais benefícios ou não, as pessoas
percebem sim benefícios, mas não é uma maioria absoluta. Está reformando
aeroporto, está fazendo mobilidade urbana. Agora a obra incomoda,
atrapalha, vai causando uma irritação. Na hora que se inaugura que tudo
funciona e está tudo bem, rapidamente isso você esquece. É igual reforma
de casa, está lá sofrendo durante a reforma e a hora que acaba passa
rapidinho.


P. Tem alguns temas novos que estão na pauta para o
brasileiro? Seja liberação da maconha, ênfase em cultura... Estamos um
pouco mais sensíveis para assuntos coletivos, ou prevalece o brasileiro
conservador que repete que “bandido bom é bandido morto”?


R. Vide o último episódio da professora né? Do
mister rodoviária. (Uma professora universitária do Rio de Janeiro
postou uma foto numa rede social de um rapaz de chinelo no aeroporto,
com o comentário “Aeroporto ou rodoviária? Cadê o glamour?”, que gerou
bastante polêmica pelo preconceito com o jeito de se vestir do rapaz).
Ainda temos os ricos, que são ricos e estão lá (mostra com a mão alguém
no alto). Aí tinha um bolo de classe média e uma classe mais baixa. Esta
última chegou aqui (mostra com as mãos que a classe baixa está quase na
mesma altura da classe média).


P. É a tal da demofobia?


R. É um pouco isso, né? Tem um conservadorismo que
acredita que “bandido bom é bandido morto” e que também pensa: “Eu
tenho, mas os outros não podem ter.” O outro dia tive uma reunião com
pessoas dos movimentos raciais. Nossa! Eles falaram umas coisas, eu não
acreditava que acontecia isso no dia a dia aqui no Brasil. Racismo
mesmo. Uma das mulheres presentes me disse: “a gente vive isso na pele
todo santo dia.” E o Brasil não é visto assim como um país racista.
Então, sobre a pergunta se há uma bandeira nova, a conclusão é que o
brasileiro continua conservador. A maioria é conservadora. Então se você
pergunta se ele é a favor da maconha ele não será. Vai falar que é a
favor de diminuição da maioridade penal.


P. E a corrupção? Aumentou o nível de intolerância?


R. Aumenta a conscientização. Eu não sei se chega a mudar alguma coisa. Todas as pesquisas que a gente fez sobre corrupção, a gente conclui que o brasileiro é cúmplice da corrupção, não é vítima da corrupção. Porque se ele também puder, ele também vai cometer atos de corrupção.


P. Isso não muda?


R. Dar caixinha para o guarda para não ser
multado... Isso é uma coisa de valor... Pode ter mais cobranças, mais
consciência. Outro dia estava esperando para lavarem o meu carro.
Enquanto isso, ouvi pessoas ao meu lado comentando: “você vê, o moleque
fez não sei o que e aconteceu tudo isso com ele. Agora esses políticos
que estão aí roubam, fazem o que fazem, e não acontece nada com eles”.
Ou seja, começam a conversar mais. Mas não sei se isso, sozinho é capaz
de mudar essa condição de cúmplice para vítima. Não é algo imediato.


P. De quatro anos pra cá, há algo que esteja em processo de transformação?


R. Transformação eu acho que ainda não. Está ainda
no processo. Agora, é um momento em que aquilo que você já conquistou
você já conquistou. Então não se aceita retrocesso. Quando a economia,
por exemplo, vinha num ritmo, e dá uma diminuída no ritmo, isso se torna
um problema. Se não tem inflação e ela começa a aumentar, como foi o
caso do tomate no ano passado (que chegou a subir mais de 200% no início
de 2013, e depois recuou) aí não pode. A gente já conquistou um país
sem inflação, estava crescendo e se desenvolvendo. Se tem um retrocesso,
daí a coisa vai ficar feia.


P. Este ano deve-se discutir a mudança da fórmula do
reajuste do salário mínimo (reposição da inflação, mais o porcentual do
PIB de dois anos antes), que garantiu um ganho de renda importante. A
alteração do cálculo pode ser um foco de insatisfação?


R. Pode, porque as pessoas consideram que as
evoluções, os avanços ocorridos são conquistas. Conquistas que não vão
podem voltar para trás. Elas estão preocupadas como é que a gente avança
mais. Como é que a gente faz este país crescer, como a gente faz ter
educação e saúde de qualidade, segurança pública, menos violência. As
pessoas estão querendo esses avanços. Saúde, aliás, sempre é um problema
no Brasil. Sempre esteve entre as principais áreas problemáticas. Se
não era primeiro, era segundo. Agora, há muito tempo vem sendo o
primeiro e hoje em todas as pesquisas que fazemos, seja municipal,
estadual ou nacional, saúde é o principal problema disparadamente longe
de todos os outros.


P. Na frente de segurança inclusive.


R. Com a economia e a inflação resolvidas, saúde
assume uma importância maior. É curioso porque quando você faz as
pesquisas com quem usa o serviço publico de saúde, a avaliação do
serviço recebido é positiva. O grande problema é a demanda. É eu
conseguir marcar a consulta, eu conseguir fazer a cirurgia, eu conseguir
fazer o exame. A média de espera para ser atendido é muito grande. Três
meses, no caso de uma consulta. Um procedimento um pouco mais
complicado vai para seis meses. Essa foi uma pesquisa para São Paulo.


P. É generalizado no país?


R. Temos visto uma diferença grande, desse clima
todo que a gente está falando dos grandes centros, para o interior. No
interior do país está muito mais positivo do que os grandes centros das
capitais.


P. Mais positivo como?


R. Nas avaliações que fazem da satisfação. O nível
de satisfação é maior com a vida, a avaliação de Governo Dilma é mais
alto... Como grandes centros, considerando as nove regiões
metropolitanas do Brasil, as maiores, São Paulo, Rio, Belo Horizonte,
Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Brasília, esses
representam um terço do país. E o interior, que é praticamente dois
terços, está mais satisfeito, faz uma avaliação mais positiva dos
governos. É nos grandes centros que está o problema maior. É onde estão
localizados os protestos, as manifestações.


P. Se um foco da preocupação importante é a saúde,
isso pode beneficiar, por exemplo, o Alexandre Padilha, candidato ao
Governo de São Paulo, que foi ministro da Saúde e esteve à frente do
programa Mais Médicos?


R. Se e as pessoas perceberem algum efeito positivo,
pode favorecer. Mas tem que ter essa percepção de que a ação trouxe
resultados. Acho que ainda não deu tempo de ver isso.


P. Como o desejo de mudança afeta as pretensões de reeleição da presidenta?


R. Tem uma parte que fala em mudança, mas quer que a
Dilma continue lá. “Eu quero que ela mude, eu não quero que ela
continue desse jeito que está.”


P. Não é um contrassenso um partido que sempre
procurou se diferenciar por essa preocupação social, estar sendo cobrado
exatamente pela falta de investimento no social?


R. Acho que primeiro o governo se preocupou até
então o partido dos trabalhadores nessa coisa de tirar da miséria. Fez a
parte da mobilidade econômica, para que as pessoas tenham acesso aos
bens materiais. Agora vem um segundo capítulo. Não é mais só tirar da
pobreza para comer. Por isso esses temas sociais começam a aparecer. É
só a economia não degringolar. Senão, ela volta a ser o número um na
lista de prioridades.


P. Este ano a economia tem tudo para jogar mais
difícil. As exportações em queda, volatilidade dos mercados e problemas
com o setor de energia. O que pode acontecer?


R. É, os sinais não são tão positivos. E a economia
sempre vai ser o drive principal de uma eleição presidencial. Ela nunca
pode ser descuidada. Se as coisas vão bem, em teoria, o governante em
questão, incluindo os candidatos a governo dos Estados, está saindo com
vantagem.


P. Este ano ninguém tem certeza de nada?


R. Não tem porque tem muitas variáveis fora do
controle absoluto.. Tem muita incerteza na economia, sobre a
infraestrutura da construção da Copa, se as manifestações vão se dar ou
não... O brasileiro não quer é passar vergonha. De ter manifestação, de
ter violência, de acontecer acidentes nos estádios por obras mal feitas.


P. Os preços estão subindo com a Copa, como no caso do Rio de Janeiro. O que nos resta?


R. No Brasil os preços sempre foram absurdos. Todo
mundo viaja para comprar fora porque os preços aqui são muito altos.
Mesmo turista que vem pra cá, acha o Brasil um absurdo de caro. Está
mais ainda porque perdeu a noção, perdeu essa referência.


P. O brasileiro colabora para esses preços altos com a cultura do consumismo?


R. É, o brasileiro tem isso. Na Europa o sujeito
fica com o mesmo carro dez anos. Ninguém fica nessa coisa de trocar de
carro todo ano, ou a cada três anos, todo ano tem que trocar o carro. Ou
trocar o celular. A gente tem essa coisa consumista. Você vê, voos que
voltam dos EUA voltam com tudo e mais um pouco dentro. Houve até uma
seleção brasileira (de 1994) que foi e comprou um monte de coisa nos
EUA. Os jogadores vieram até com geladeiras.


P. Estamos falando praticamente de todas as coisas
negativas na sociedade brasileira. O que de bom está aparecendo? O
próprio fato de ter saúde como prioridade, não demonstra que a pobreza
entrou na agenda?


R. Essa consciência coletiva não tem não. É fato que
as estatísticas mostram que a gente tem essa diminuição lenta, mas real
de desigualdade, diminuição no número dos 10% mais ricos comparando com
os 10% mais pobres, há uma diminuição desse indicador, de fato. Das
conquistas que as pessoas percebem, tem ainda o pleno emprego. Quando a
Europa e os EUA estavam na crise, a gente “não estava”. Mas aí também
tem uma questão estrutural. Hoje você vê muito mais gente saindo de São
Paulo para outros Estados, do que o contrário, para ocupar vagas que
estão aparecendo para gente qualificada. Em pesquisas, ouvimos isso.
“Agora que aqui tem oportunidade, a gente não está preparado, vem gente
de fora ocupar. Vem gente de São Paulo, Rio, que tem qualificação
adequada para as vagas que estão surgindo. Então, também tem uma demanda
por formação, do primeiro emprego, essa coisa do jovem.


P. Em quais Estado há essa percepção?


R. Os da região Nordeste e Norte. Se você olhar o crescimento do país dividido por região, o crescimento foi maior lá.


P. Mas quais são as percepções positivas do brasileiro?


R. A coisa boa é que o Brasil sempre ouviu dizer que
é o país do futuro, então agora nesse momento que a gente está com
estabilidade e avanços da mobilidade econômica , as pessoas pensam:
“bom, está chegando esse futuro, mas como é que ele caminha mais?” Houve
uma evolução. A gente está num crescente. As pessoas percebem que é a
continuidade dos Governos. Não do governante, mas dos governos. É um
valor importante.


P. Para construir um projeto para o país?


R. Para construir um futuro, o crescimento. Passa a
ser um valor um candidato que consiga ver o que o outro fez e dê
continuidade àquilo. Não pode falar “vou abandonar este projeto e vou
fazer o outro para por a placa com o meu nome.” Isso as pessoas já não
querem mais porque ela já percebeu que ela ganha quando tem essa
continuidade..


P. Nesse sentido, o discurso do Campos condiz mais com essa expectativa? Porque ele toma o cuidado de dizer “avançamos sim, eu mesmo ajudei a eleger este governo e apoiei todas essas mudanças mas queremos mais.”


R. Esse discurso é o que as pessoas estão querendo.
Mas e daí, como é que avança? Às vezes é o ritmo. Tá, mudou, agora
parou. Então tem que mudar para acelerar mais. A gente vai ter que
entender ainda mais nessas próximas pesquisas como é que essa
expectativa mudança. As pessoas estão querendo de fato o que com essas
mudanças? Quer mudar todo o Governo ou não.


P. Vamos supor que a gente viva uma semana tão marcante, como foi a dos protestos de junho ao longo deste ano. O que acontece?


R. As manifestações de junho passado tiveram esse
efeito que você está falando, mas se perdeu quando começaram a ação dos
black blocs, do vandalismo, do quebra-quebra e isso fez com que a grande
maioria das pessoas, as que querem se manifestar em causas legítimas,
no ponto de vista delas, se inibiu. Duvido que a gente consiga ter
manifestações com aquele tanto de gente que juntou nas de junho porque
agora todo mundo já pensa: os vândalos, os quebra-quebras estão no meio.
Não tem mais tanto apoio popular quanto antes.


P. Estão esvaziadas?


R. As pessoas estão se perguntando também: do que
adiantou as manifestações de junho? O que se conseguiu depois delas? O
que mudou? Por si só isso perde força porque desviou o caminho legítimo
da manifestação que era a busca de saúde de qualidade, educação de
qualidade, transporte de qualidade. Se quebra a lojinha do seu Zé, que é
um igual a ele que está lá se manifestando, ele fala “pô, eu estou
sofrendo para conseguir o que eu tenho, o outro vai lá...” então não
quer fazer parte disso.


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