sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

ISTOÉ Independente - A OPORTUNA LIÇÃO DE BARROSO

ISTOÉ Independente - A OPORTUNA LIÇÃO DE BARROSO

A OPORTUNA LIÇÃO DE BARROSO

 Paulo Moreira Leite

Ministro lembrou que Justiça trabalha com fatos e provas, em vez de "exemplos" e "símbolos"



 O ministro Luiz Roberto Barroso deu uma aula de justiça, ontem.



Desde o início da ação penal
470 nós ouvimos a tese de que o país precisava de um julgamento
exemplar. O argumento é que estávamos diante de uma denúncia histórica,
cujo resultado teria um grande efeito simbólico.
Barroso disse:
“Antes de ser exemplar e
simbólica, a Justiça precisa ser justa, sob pena de não poder ser nem um
bom exemplo nem um bom símbolo".
É isso mesmo. 
Sob a presidência de Carlos
Ayres Britto, que deu início ao julgamento da AP 470, falava-se tanto no
caráter “simbólico” e “exemplar” da decisão que até imaginei que o STF
preparava uma mudança de função e endereço.
Em vez de permanecer na Praça
dos Três Poderes, como um dos Poderes da República, com o dever
constitucional de zelar pelo cumprimento das leis, pretendia  mudar-se
para o divã do psicanalista Carl Jung, e passar a debater o efeito de
suas sentenças sobre o inconsciente coletivo do país. Seria uma ótima
diversão para todos -- menos para os réus e para quem compreende o papel
da Justiça na vida de hoomens e mulheres. 
A prioridade dos exemplar e dos simbolos é assim. Substitui o fato pela versão.
Há um truque, aqui.
O papel de elaborar versões,
nas sociedades contemporâneas, não é para qualquer um.  Nosso divã de
psicanalista coletivo encontra-se nos meios de comunicação, que nos
dizem quem são os heróis, os bandidos, o certo e o errado.  Vale o que
escrevem, argumentam, explicam. Criam os mitos e, como dizia Jung, os
arquétipos. 
É através dessa opinião publicada – que os ingênuos confundem com opinião publica – que se forma o exemplar e o simbólico. 
É por isso que nossos psicanalistas estão lá, noite e dia, nos jornais, na TV, para repetir suas histórias. 
Sem resposta de conteúdo para
uma mudança que, se for confirmada no dia de hoje, como tudo indica,
representará um avanço do julgamento da AP 470 na direção correta,
alerta-se para o risco simbólico, para o exemplar.
Estranho que até agora ninguém tenha falado no “cultural.”
Evita-se perguntar por que ocorre uma mudança, quais seus motivos reais.
Todo esforço consiste em evitar  perguntas incômodas e questóes de fundo.
Tenta-se fugir da  fraqueza
notória nos argumentos da denúncia. Pretende-se ignorar a  insuficiência
das provas para colocar um cidadão por dois ou três anos na prisão –
como se uma existência humana, se o direito a liberdade e a presunção da
inocência, fossem questões menores, que podem ser jogadas para lá ou
para cá, ao sabor das convenientes do dia e, especialmente, da noite dos
símbolos e exemplos.
Em vez de estimular a razão, nossos psicanalistas querem estimular o medo, a mais perigosa das emoções do mundo político.
O que o povo vai pensar? O "povo". Não o povo, aquele que não é bobo.  
O nome deste processo é marketing.
A base desse raciocínio é
inconfessável. Tenta-se convencer um país inteiro que sua população não
está preparada para assistir a demonstração de que o STF, o “exemplo,” o
“símbolo”, também pode errar e, quando isso acontece, este erro deve
ser corrigido.
Querem fazer a educação através do mito e não pela razão.
 Essa pedagogia implica em
enxergar a população brasileira como uma aglomeração de homens e
mulheres incapazes de compreender seus direitos e lutar por eles. Por
isso nem sempre é preciso respeitar a vontade popular nem a soberania
dos poderes que emanam do povo.
Diante de pessoas que não podem
tomar decisões por conta própria e necessitam de tutores e mestres para
apontar o caminho do certo e do justo, nossos psicanalistas podem mais.
 
Vamos entender de uma vez por
todas: quem fala no exemplar e no simbólico está dizendo que a mentira
pode ser útil, o erro pode ser necessário, a Justiça pode ser apenas uma
aparência – desde que sirva a seus propósitos.
É este o debate. E, após tantos momentos de treva, parece haver um pouco de luz.

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