O físico chileno César Hidalgo, professor do MIT, não gosta de ser
chamado de "Kardashian da física", como foi pelo site "Mashable". As
semelhanças entre ele e a família de celebridades são superficiais: são
jovens (César tem 37, Kim tem 36), têm cabelos escuros e fizeram reality
shows mostrando suas vidas. E só.
Em "In My Shoes" (inmyshoes.info ), série de vídeos gravada no ano
passado, ele mostra os bastidores da vida de um acadêmico descolado e
mundialmente respeitado.
O propósito dos vídeos é completamente diferente do de Kim Kardashian:
Hidalgo quer inspirar mais jovens para a pesquisa acadêmica.
Hidalgo ficou famoso pela visualização de dados econômicos. Em vez de
usar agregados como o PIB, ele analisa que atividades em cada município
empregam quantas pessoas. Com isso, ele calcula a complexidade da
economia. "Se não dá para construir algo na Alemanha, não se consegue
fazer em nenhum outro lugar", resume.
O outro lado da moeda é que economias menos complexas correm o risco da
fuga de cérebros. Oitavo país em produto interno bruto (a capacidade de
comprar coisas), somos o 34º em complexidade econômica (que mede a
capacidade de fazer coisas).
*
Folha - Sério que o Mashable o chamou o sr. de "Kardashian da Física"?César Hidalgo - Acho que não foi bacana, mas o formato da minha
série se baseia nos reality shows de verdade. O "In My Shoes" nunca
passaria na TV; o importante é chegar aos jovens que queiram se tornar
pesquisadores.
Antes, em 2011-12, fiz a série Cambridge Nights. Entrevistei Steven
Pinker [psicólogo], Rosalind Picard [pesquisadora de computação
afetiva], Geoffrey West [físico, pesquisador da complexidade] e Lazlo
Barabasi [que pesquisa a ciência das redes]. Ali, aprendi a fazer
vídeos. Agora, estou experimentando com realidade virtual para a segunda
temporada de "In My Shoes".
Quero mostrar a vida dos meus alunos. Vou levar a câmera até a casa
deles, para mostrar na intimidade o processo de criação da ciência.
Como se interessou pela economia do desenvolvimento?
Sempre tive interesse em conhecer como o universo se organiza. Estudei
sistemas complexos e acabei estudando redes, para observar melhor
sistemas sociais, econômicos e biológicos. Percebi que as descrições dos
sistemas econômicos eram agregadas demais. A economia era vista apenas
como uma façanha da natureza humana agregada, mas o conhecimento que
temos e usamos não era um assunto da economia mainstream. Estava em
nichos como economia da inovação ou do desenvolvimento.
Agora, algumas leis da geografia econômica finalmente estão sendo
articuladas e demonstradas com diferentes bancos de dados. Em breve
teremos uma compreensão mais definida das leis que governam a estrutura
econômica em grande escala.
Como explicar complexidade econômica num elevador?
É senso comum que as economias mais prósperas empregam mais o
conhecimento. Fazem coisas mais sofisticadas e recrutam pessoas com mais
escolaridade, que trabalham em equipes. Antes, para ver essa ideia com
dados, se classificava produtos entre mais e menos sofisticados e depois
se contava os empregos nessas atividades para medir o conhecimento
embutido numa economia. Digamos: fazer celulares é sofisticado, fazer
pão não é; portanto, fábricas de celulares empregariam mais
conhecimento. Mas essa abordagem não resolve o problema.
Então, formulamos assim: atividades intensivas em conhecimento são
feitas por economias intensivas em conhecimento. Economias intensivas em
conhecimento fazem atividades intensivas em conhecimento. Parece um
argumento circular, certo? Mas com ele definimos as equações que se pode
resolver matematicamente para obter o índice de complexidade econômica.
Ela é uma medida comparativa. Quando um país entra num ramo econômico,
aumenta sua complexidade.
Eventos como a crise econômica de 2007/2008 afetam a complexidade econômica?
A crise começa no norte industrializado EUA e Europa. Já na América do
Sul, os preços de commodities como o aço estavam tão bons que a crise
não veio com tanta força.
Com isso, vários países regressaram às atividades extrativistas, porque
eram muito lucrativas. Esses setores menos complexos, três anos depois,
entrariam em colapso. Quando a situação mudou, os preços das commodities
no Brasil passaram mais de dois anos caindo. Durante a crise, aumentou a
polarização econômica entre a América do Sul e a Ásia. Vários aspectos
de industrialização da América Latina caíram. Equipamentos eletrônicos
feitos na América Latina ficaram obsoletos.
O continente perdeu bastante depois da crise, por não poder sustentar as indústrias mais integradas.
No seu Atlas da Complexidade Econômica, o Brasil, 21º maior
exportador do mundo, aparece em 51º em complexidade econômica. Por quê?
A complexidade é a capacidade de fazer coisas. Ela compara o que você
faz em relação a quantas pessoas também conseguem fazer isso. É o quanto
uma economia consegue produzir, em termos de coisas difíceis de fazer.
Digamos que eu crie um produto e queira achar um país para produzi-lo.
Que países já têm o conhecimento para fazê-lo? Onde é lucrativo
produzir? Pense numa economia muito sofisticada, como a China, ou a
Alemanha ou o Japão. Para qualquer produto, se você não consegue
construir na China ou na Alemanha, não constrói em lugar nenhum. Outros
produtos talvez não possam ser feitos na Bolívia ou no Paraguai, mas
possam em países que tenham o conhecimento que falta lá.
Quais são as consequências disso para a economia do país?
O Brasil tem dois problemas. A política vai muito mal; uma sequência de
governos deu má imagem ao país, afetando a confiança externa. Por outro
lado, o Brasil teve políticas de substituição de importações
desnecessariamente longas e severas. O país poderia ter desenvolvido as
indústrias automotiva e de aviação com as substituições de importações,
mas as tarifas duraram tempo demais. Isso afetou a qualidade.
Quando vou ao Brasil, vejo que a qualidade até de carros muito caros é
muito inferior ao que se vê no exterior. Se removessem as tarifas,
fabricantes de carros melhores e mais baratos entrariam muito fácil. Ao
manter as tarifas por tanto tempo, distanciaram a qualidade do mercado
interno do que se vê lá fora. Isso é perigoso, porque em produtos
diferenciados as diferenças de qualidade são muito claras.
Então, o Brasil terá de se abrir um pouco mais para aumentar a qualidade
e tentar transformar alguns desses setores sofisticados em setores
exportadores. Só que, para não destruí-los, devido ao gap de qualidade, é
preciso ir devagar, ao menos por enquanto. Eles precisam de uma chance
de botar a casa em dia.
Você conhece bem o caso brasileiro devido ao seu trabalho com o
DataViva, que estuda a complexidade econômica em nível municipal. O que
esse trabalho revela sobre a economia brasileira?
Ele mostra o que se poderia esperar: as regiões mais sofisticadas são
regiões mais ricas, como Minas e Porto Alegre. O que temos feito agora é
analisar as dinâmicas dos novos setores. Usamos parte dos dados para
tentar entender como o conhecimento se difunde dentro do Brasil.
A ideia é saber como alcançar cidades e regiões que nunca começaram a
desenvolver indústrias relacionadas, para desenvolver novos setores. A
complexidade exige acúmulo de conhecimento e capital humano, que também
tende a se agrupar em cidades.
Há também o papel da história, que é muito importante. No DataViva
encontramos Americana, cidade no interior de São Paulo colonizada por
pessoas que escaparam da Guerra Civil norte-americana, no século 19.
Elas trabalhavam com a indústria têxtil.
Se você for olhar quais indústrias evoluíram lá, notará uma forte
presença da indústria têxtil mais de um século depois. Isso não acontece
só no Brasil. No Observatório da Complexidade Econômica, se for
analisar os equipamentos de impressão, sabe qual é o maior exportador do
mundo? Ainda é a Alemanha, meio milênio depois de Gutenberg.
Vi uma apresentação do projeto em 2013. Como começou?
O DataViva começou lá por 2010, quando eu estava entrando no MIT. Recebi
um e-mail de Virgílio Almeida, professor de ciência da computação na
UFMG.
Ele queria aplicar algumas ideias do meu trabalho e me apresentou Evaldo
Vilela, hoje presidente da Fapemig [Fundação de Amparo à Pesquisa de
MG].
Propus criar uma ferramenta interativa, que recriaria os gráficos sempre
que os dados fossem atualizados. A primeira versão do DataViva ficou
pronta em 2013. Outros países também ficaram interessados em fazer esse
tipo de trabalho. Criamos o DataUSA, o DataChile, o DataSaudiArabia, o
DataAfrica. Agora, o censo dos EUA está planejando atualizar seu site
para se parecer com o DataUSA. No fim das contas, o site do censo
americano vai mudar porque há sete anos um brasileiro me mandou um
e-mail.
Muitos brasileiros que trabalham com tecnologia emigraram nos últimos
anos, atrás de melhores condições de trabalho. Você também deixou o
Chile. Dada a importância do capital humano na complexidade econômica, o
que um país pode fazer?
Um país pode promover a imigração de pessoas talentosas, se não puder
desenvolver habilidades localmente. Receber estrangeiros que trazem
habilidades diferentes das que se tem em casa ajuda a incrementar o
conhecimento disponível. Mas para isso é preciso manter a burocracia no
menor nível possível.
É desejável empregar pessoas que façam trabalho criativo, que afete mais
os resultados da empresa do que apenas os requerimentos burocráticos. É
preciso ter boas políticas que promovam tecnologias de transporte e
comunicação, porque cidades são redes, e a única maneira de essas redes
operarem é conectando-se a outras pessoas ao longo do dia.
Também é importante treinar a nova geração nas novas tecnologias.
Estou trabalhando com o governo de Minas num projeto para ensinar todos
os alunos do ensino médio da rede pública como fazer desenvolvimento
para a Web em HTML, CSS e Javascript [linguagens de programação]. Pouca
gente tem esse conhecimento, e passar isso adiante é difícil. No Brasil,
vimos que os alunos usam a tecnologia mas não sabem como é feita uma
página da Web. se projeto, o CodeLife, vai tentar ensinar isso em grande
escala. Pretendemos lançá-lo ano que vem.
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