sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Gilmar é um escárnio - II — Conversa Afiada

Gilmar é um escárnio - II — Conversa Afiada



Gilmar é um escárnio - II

A corte se acua, enquanto Gilmar Mendes sapateia à margem da lei






















O Conversa Afiada
reproduz excelente artigo de Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência
política pela USP e professor de direito constitucional da Faculdade de
Direito da mesma universidade, na Fel-lha:


Por quem Gilmar Mendes se dobra?


Gilmar Mendes mandou soltar o empresário Jacob Barata Filho,
investigado por suspeita de corrupção no Rio. O juiz federal Marcelo
Bretas expediu novo mandado de prisão preventiva. Gilmar Mendes mandou
soltar de novo, em menos de 24 horas.

Nesse insólito jogo de
"solta, prende e solta", Gilmar Mendes deu um recado de xerife: "em
geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo".

O
Código de Processo Penal diz que "o juiz dar-se-á por suspeito se for
amigo íntimo" de uma parte. A regra da suspeição tenta evitar que
relações pessoais façam parecer que a imparcialidade está comprometida.

Repare
na sutileza: a regra não está preocupada com a capacidade de o juiz
julgar um amigo ou parente de modo imparcial, mas com a imagem suspeita
que isso passa ao público. É regra de autoproteção institucional, de
manutenção da credibilidade. É dessa moeda que vive a autoridade do
Judiciário. É essa moeda que Gilmar Mendes despreza.

O caso é
exemplar. A mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal foi madrinha
de casamento da filha de Barata. O advogado de Barata é também advogado
de Gilmar. No escritório desse advogado trabalha a mulher de Gilmar.
Barata é sócio do cunhado de Gilmar. O telefone da esposa de Gilmar está
na na agenda do celular de Barata.

Para negar sua suspeição,
Gilmar respondeu com pitada de humor surrealista: "o casamento [da filha
de barata] não durou nem seis meses".

O episódio sintetiza
livros de sociologia brasileira: os nexos de compadrio e parentesco na
reprodução de elites predatórias, as trocas patrimonialistas de favor em
prejuízo do interesse público, a cínica retórica legalista ao lado de
seguidos abusos de poder. Está tudo ali, num único caso.

A
biografia judicial de Gilmar Mendes esgota os atributos do que um juiz
não pode fazer, um guia passo a passo da improbidade judicial.

Um
ministro do Supremo nunca foi alvo de tantos pedidos de impeachment: de
Fábio Konder Comparato a Alexandre Frota, um sem número de pessoas já
assinou pleitos formais ao Senado. Já esgotamos as palavras, os
argumentos, os apelos. Gilmar Mendes esgotou nossa capacidade de nos
surpreender.

A omissão do STF causa danos incalculáveis ao país. A
corte se acua, enquanto Gilmar Mendes sapateia à margem da lei. Trata-o
com a deferência e o respeito que ele perdeu até por si mesmo.
Sequestrado, o tribunal contraiu Síndrome de Estocolmo (estado
psicológico em que o agredido adquire afeto pelo agressor).

Os
gritos e sussurros de Gilmar dependem do freguês: aos inimigos, o ataque
histriônico (Rodrigo Janot e Ricardo Lewandowski foram os alvos
recentes); aos amigos, um "abraço de solidariedade" e a certeza de que
não se declarará suspeito.

A amizade de Gilmar Mendes é ativo
político e gera dividendos. Michel Temer, Eduardo Cunha, Rodrigo Maia,
Aécio Neves, José Serra, Romero Jucá e Moreira Franco sabem disso. João
Doria captou e o recebeu para "discussão de conjuntura". Já sabemos quem
se dobra por Gilmar, resta saber por quem ele se dobra.

Gilmar
Mendes trata a Constituição com choques elétricos. Atiça as emoções
primárias de seu público, mas a resistência da democracia brasileira a
emoções primárias está se esgotando.

Desobedecer a Gilmar Mendes
tornou-se imperativo democrático, uma causa suprapartidária. Manda quem
não pode, desobedece quem tem juízo.

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