segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Generosidade é termo desconhecido no mundo em que os jovens habitam

Generosidade é termo desconhecido no mundo em que os jovens habitam - 11/09/2017 - Luiz Felipe Ponde - Colunistas - Folha de S.Paulo



Generosidade é termo desconhecido no mundo em que os jovens habitam












Uma pergunta que ouço com frequência é: "Você acha que os jovens estão
prontos para fazer um mundo melhor?". Ou "um Brasil melhor?" Detesto
quando me perguntam isso.





Convivo diariamente com jovens há 20 anos. Tenho discutido isso com eles
há algum tempo desde que passei a sentir esse estranhamento quando
muita gente insiste em me fazer essa pergunta, na maioria da vezes,
usando daquele tom de "assunto sério" cheio de suposta preocupação com
"um mundo melhor".





Já disse antes, e reitero, que não confio em quem diz querer construir um mundo melhor, mas aqui a coisa vai mais longe.





Vou responder para você diretamente se os jovens estão prontos para
fazer um mundo melhor. E, adianto que a suspeita de que minha "amostra" é
viciada é uma suspeita, ela sim, viciada. O universo de jovens com quem
converso hoje vai além da sala de aula imediata, devido às redes
sociais, principalmente. Várias classes sociais. E mais: não precisa ser
um gênio para saber o que ocupa as mentes dos mais jovens nesse mundo
sem Deus em que vivemos.





Não, os jovens não estão preparados para fazer um mundo melhor. Nenhum
jovem nunca esteve. Essa ideia é um fetiche vagabundo de alguns poucos
jovens dos anos 1960 e adjacências. Ou de artistas que fazem desse
fetiche seu mercado de consumo.





Os jovens estão com medo, e com razão. Querem estágios, mas, cada vez
mais as empresas querem que eles trabalhem de graça ou, as mais
"descoladas", que eles (quase) paguem para estagiar nelas. A ideia é que
eles estariam ganhando experiência e a chance, divina, de conviver com
profissionais superbacanas.





Os jovens estão com medo, e com razão. Olham para o mercado de trabalho e
sabem o que os espera, à medida que o capitalismo se faz chinês.
Salários miseráveis, competição avassaladora (esse papo de economia
colaborativa é para gente bacana feita de silício), incerteza como
substancia essencial do futuro. Hoje você tem emprego, amanhã quem sabe.
Os horários são flexíveis. Que legal! Trabalhe o tempo todo, 24/7 (24
horas por dia), via WhatsApp, Facebook, o diabo a quatro.





Os jovens estão com medo, e com razão. Não se pode confiar em vínculos
afetivos duradouros. O egoísmo é a grande revolução moral moderna. Quase
todo mundo é instrumental (termo chique para interesseiro). As pessoas
não confiam uma nas outras porque estão mais "críticas" (isto é, mais
chatas). Todo mundo quer serviços e direitos. Generosidade é um termo
desconhecido no mundo em que os jovens habitam.





O elemento natural desse mundo é a demanda, a exigência, o ressentimento
e a raiva. Além, claro, da intolerância para qualquer coisa fora da
"cartilha do bem" que enfiam goela abaixo deles nas escolas que são mais
igrejas do que qualquer outra coisa.





Os jovens estão com medo, e com razão. Olham para os mais velhos e veem
um bando de gente imatura fingindo que tem 25 anos mentais. O culto do
retardamento mental como forma de autonomia. Professores que mais
parecem mendigos em busca de autoestima.





E quem adora atormentar esses coitados, cobrando deles o que é impossível entregar?





Gente chata que acha que fracassou na vida e, por isso, vive sonhando
com um mundo melhor, em que ele ou ela pudesse ter a felicidade que não
conseguiu ter na sua vida que já passou em alguma medida.





Falam coisas como "ensinar aos jovens amar e respeitar a todos", como se todo mundo de fato "merecesse" ser amado no mundo.





O ódio, o desencanto, a desesperança têm seu lugar no panteão de reações
possíveis na vida. E você não é, necessariamente, um fracassado porque
se ressente de ter sido derrotado pela máquina do mundo. A máquina do
mundo tritura esperanças, projetos e corpos a cada dia mais e de modo
mais veloz.





Essa velocidade é, exatamente, o que os jovens sentem na pele. Correm
como podem atrás de uma promessa que jamais acontecerá: a realização da
tal vida equilibrada entre "valores" que transcendem o mundo material e
as escandalosas provas evidentes de que serão julgados pelos critérios
mais cruéis que regem qualquer alma de um banqueiro.

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