segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Janio de Freitas

Insucesso na busca de prova leva Moro ao descontrole das argumentações - 20/07/2017 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo




Novidade destes tempos indefiníveis, sentenças judiciais substituem a
objetividade sóbria, de pretensões clássicas como se elas próprias
vestissem a toga, e caem no debate rasgado. Lançamento de verão do juiz
Sergio Moro, nas suas decisões iniciais em nome da Lava Jato, o "new
look" expande-se nas centenas de folhas invernosas da condenação e,
agora, de respostas a Lula e sua defesa. Tem de tudo, desde os milhares
de palavras sobre o próprio autor, a opiniões pessoais sobre a situação
nacional, e até sobre a sentença e sua alegada razão de ser. Dizem mais
do juiz que do acusado. O que não é de todo mal, porque contribui para
as impressões e as convicções sobre origens, percurso e propósitos deste
e dos tantos episódios correlatos.





A resposta do juiz
ao primeiro recurso contra a sentença é mais do que continuidade da
peça contestada. É um novo avanço: lança a inclusão do insulto.
Contrariado com as críticas à condenação carente de provas, Moro
argumenta que não pode prender-se à formalidade da ação julgada. Não é,
de fato, um argumento desprezível. Se o fizesse, diz ele, caberia
absolver Eduardo Cunha, "pois ele também afirmava que não era titular
das contas no exterior" que guardavam "vantagem indevida".





A igualdade das condutas de Cunha e Lula não existe. Moro apela ao que
não procede. E permite a dedução de que o faça de modo consciente: tanto
diz que Eduardo Cunha negava a posse das contas, como em seguida
relembra que ele se dizia "usufrutuário em vida" do dinheiro. Se podia
desfrutá-lo ("em vida", não quando morto), estava dizendo ser dinheiro
seu ou também seu. Simples questão de pudor, talvez, comum nos recatados
em questões de vis milhões. Moro não indica, porém, uma só ocasião em
que Lula tenha admitido, mesmo por tabela, o que o juiz lhe atribui e
condena.





Diferença a mais, os procuradores e o juiz receberam comprovação
documental de contas de Eduardo Cunha. O insucesso na busca de documento
ou outra prova que contrarie Lula, apesar dos esforços legítimos ou não
para obtê-la, é o que leva os procuradores e Moro ao descontrole das
argumentações. E a priorizar o desejado contra a confiabilidade. Vêm as
críticas, e eles redobram as ansiedades.





É o próprio Moro a escrever: "Em casos de lavagem, o que importa é a
realidade dos fatos, segundo as provas e não a mera aparência". Pois é.
Estamos todos de acordo com tal conceituação. Nós outros, cá de fora, em
grande medida vamos ainda mais longe, aplicando a mesma regra não só a
lavagens, sejam do que forem, mas a uma infinidade de coisas. E muitos
pudemos concluir que, se o importante para Moro é a realidade "segundo
as provas e não a mera aparência", então, lá no fundo, está absolvendo
Lula. Porque o apartamento pode até ser de Lula, mas ainda não há provas. A Lava Jato e o juiz só dispõem da "mera aparência", o que Moro diz não prestar.





Já está muito repisado que delações servem para dar pistas, não como
prova. Apesar disso, Moro dá valor especial a escapatório de Léo
Pinheiro, ex-presidente da OAS, de que o apartamento saiu de uma
conta-corrente da empreiteira com o PT. Convém lembrar, a propósito, que
Pinheiro negou, mais de ano, a posse do apartamento por Lula. Em meado
do ano passado, Pinheiro e Marcelo Odebrecht foram postos sob a ameaça,
feita publicamente pela Lava Jato, de ficarem fora das delações
premiadas, que em breve se encerrariam. Ambos sabiam o que era desejado.
E começaram as negociações. Odebrecht apressou-se. Pinheiro resistiu até há pouco. A ameaça de passar a velhice na cadeia o vendeu.





Infundada, a igualdade de Eduardo Cunha e Lula passou de argumento a
insulto. A rigor, assim era desde o início. E juiz que insulta uma das
partes infringe a imparcialidade. Mostra-se parte também.

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