Brasil não cresce se não reduzir sua desigualdade, diz Thomas Piketty - 28/09/2017 - Mercado - Folha de S.Paulo
Brasil não cresce se não reduzir sua desigualdade, diz Thomas Piketty
O Brasil não voltará a crescer de forma sustentável enquanto não reduzir
sua desigualdade e a extrema concentração da renda no topo da pirâmide
social, diz o economista francês Thomas Piketty.
Autor de "O Capital no Século 21", em que apontou um aumento da
concentração no topo da pirâmide social nos Estados Unidos e na Europa,
Piketty agora se dedica a um grupo de pesquisas que investiga o que
ocorreu em países em desenvolvimento como o Brasil, a China e a Índia.
Os primeiros resultados obtidos para o Brasil foram publicados no início do mês pelo irlandês Marc Morgan, estudante de doutorado da Escola de Economia de Paris que tem Piketty como orientador.
Defensor de reformas que tornem o sistema tributário mais progressivo,
aumentando os impostos cobrados sobre a renda e o patrimônio dos mais
ricos, Piketty chegou ao país nesta quarta (27) para conferências do
projeto Fronteiras do Pensamento em São Paulo e Porto Alegre.
Leia a entrevista de Piketty à Folha.
*
Folha - O estudo de Morgan mostra que a renda da metade mais pobre aumentou junto com a dos mais ricos. Por que a concentração no topo da
pirâmide é tão preocupante?
Thomas Piketty - Porque, apesar dos avanços dos últimos anos, o
Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Em nossa
base de dados, só encontramos grau de desigualdade semelhante na África
do Sul e em países do Oriente Médio.
Houve um pequeno progresso nos segmentos inferiores da distribuição da
renda, beneficiados por programas sociais e pela valorização do salário
mínimo. É alguma coisa, mas os pobres ganharam às custas da classe
média, não dos mais ricos, e a desigualdade continua muito grande.
Reduzir a desigualdade é só questão de justiça social ou de eficiência econômica também?
Ambos. O grau de desigualdade extrema que encontramos no Brasil não é
bom para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável.
A história dos EUA e da Europa mostra que só depois de grandes choques
políticos como as duas grandes guerras do século 20 a desigualdade
diminuiu e a economia cresceu com vigor, permitindo que fatias maiores
da população colhessem os benefícios.
No Brasil, podemos concluir que as elites políticas e os diferentes
partidos que governaram o país nos últimos anos foram incapazes de
executar políticas que levassem a uma distribuição mais igualitária da
renda e da riqueza. Acho que isso é precondição para o crescimento
econômico.
Seus dados indicam que a fatia da renda nas mãos dos mais ricos vem se mantendo intacta no Brasil. Por quê?
Parte da explicação pode estar na história do país, o último a abolir a
escravidão no século 19, como você sabe. Mas isso não é tudo. Diferentes
políticas governamentais poderiam ter feito diferença.
O sistema tributário
é pouco progressivo no Brasil. Há isenções para rendas de capital, como
os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas. Impostos sobre
rendas mais altas e heranças têm alíquotas muito baixas no Brasil, se
comparadas com o que se vê em países mais avançados.
Alguns desses países fazem isso há um século, o que contribuiu para
reduzir a concentração da riqueza. Se você olhar os Estados Unidos, a
Alemanha, a França, o Japão, em todos esses países a alíquota mais alta
do Imposto de Renda está entre 35 e 50%. [No Brasil, a alíquota máxima
do Imposto de Renda é de 27,5%.]
Qual o risco de uma taxação maior das rendas mais elevadas provocar fuga de investidores para outras jurisdições?
A elite sempre tem um monte de desculpas para não pagar impostos, e isso
também ocorre em outras partes do mundo. A questão é saber por que a
elite no Brasil tem sido bem-sucedida ao evitar mudanças no sistema
tributário.
Em outros países, as elites não aceitaram pacificamente pagar mais
impostos. Foi um processo caótico e violento muitas vezes. Espero que o
Brasil tenha mais sorte e possa fazer isso sem passar por choques
traumáticos como as guerras. É deprimente ver que décadas de democracia
no Brasil foram incapazes de promover mudanças nessa área.
Não sei o futuro. Mas posso dizer que é possível ter um sistema
tributário mais justo, uma distribuição da renda e da riqueza mais
equilibrada, e mais crescimento econômico, ao mesmo tempo. Essa foi a
experiência de outros países.
Gastar energia para resolver esse problema não tiraria o foco de
políticas sociais que poderiam contribuir mais para a redução da
desigualdade?
Você precisa fazer as duas coisas. Morgan mostra que as políticas
sociais adotadas nos últimos anos foram boas para os pobres, mas
insuficientes. Você precisa melhorar as condições de vida deles e
investir em educação e infraestrutura, mas precisa de um sistema
tributário mais justo para financiar isso e reduzir a concentração da
renda no topo.
Não estou aqui para dar lições a ninguém. Há muita hipocrisia no meu
país quando se trata desse assunto. Mas acredito que no fim todos se
beneficiam com um sistema tributário mais justo e uma sociedade menos
desigual, mais inclusiva e mais estável.
Qual o foco do seu trabalho acadêmico no momento?
Estou procurando ampliar nossa base de dados com ajuda de outros
pesquisadores, incluindo informações sobre o Brasil, a China, a Índia e
outros países em desenvolvimento. Também quero examinar mais detidamente
a evolução das atitudes políticas com relação à desigualdade.
Em países como os EUA e a França, temos visto a ascensão do nacionalismo
e da xenofobia, e quero entender melhor o que significa. O maior risco
criado pelo aumento da desigualdade é a ascensão do racismo e da
xenofobia.
Se não resolvermos o problema da desigualdade de forma pacífica e
democrática, vamos sempre ter políticos tentando explorar a frustração
causada pela desigualdade, incentivando a xenofobia e pondo a culpa dos
nossos problemas sociais em imigrantes e trabalhadores estrangeiros.
É um risco para a globalização e os fluxos de comércio. A eleição de
Donald Trump nos EUA e a decisão do Reino Unido de sair da União
Europeia não foram uma coincidência. São os dois países ocidentais em
que a desigualdade mais cresceu nos últimos anos.
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