terça-feira, 5 de setembro de 2017

Eugênio Aragão: Não há como salvar Rodrigo Janot

Eugênio Aragão: Não há como salvar Rodrigo Janot | GGN



Eugênio Aragão: Não há como salvar Rodrigo Janot




Por Eugênio Aragão




“Nu d’ês é bão…”: não há como salvar Rodrigo Janot.


O título desta nota não contém erro ortográfico. Remete a uma das
frases preferidas de Rodrigo Janot em legítimo mineirês, também
disseminada como "lei da nudez": "nu d'ês é bão, no meu não!".


A frase denuncia escapismo, atitude de quem não gosta de enfrentar
riscos a si. Quem a escolhe como moto de vida profissional demonstra não
ser um líder, no sentido próprio da palavra, alguém que sobressai por
virtudes que possam ser tomadas como exemplo a ser seguido pelos outros.
Nenhuma sociedade sobreviveria regulada pela "lei da nudez" e, muito
menos, uma instituição.


O episódio revelado em fragmentos na noite de ontem é mais um
espécime prático de aplicação da lei da nudez. Rodrigo Janot se
contorceu para explicar o inexplicável e concluir: "no meu não".


Reconheceu o óbvio: as gravações de Joesley foram fabricadas em casa,
por instigação da equipe do Procurador-Geral da República e sem
autorização judicial. Insistiu, porém, em que, como provas, seriam
íntegras, plenamente aproveitáveis. Afinal, não seria a "suposta"
molecagem de Marcelo Miller, seu ex-auxiliar, que colocaria tudo a
perder. "No meu não".


Nenhum penalista, ainda que iniciante, subscreveria a ressalva sobre a
integridade da escuta ilegal de Michel Temer. Escutas ambientais só são
lícitas, sem autorização judicial, se forem tomadas por quem, partícipe
no interlóquio, queira usá-las em defesa própria. Este é o entendimento
solidamente firmado pelo STF. Não foi este o caso das gravações de
Joesley.


O que se tornou público ontem foi o uso de um prospectivo delator
premiado como longa manus do ministério público, clandestinamente
plantado no domicílio alheio, para ali extrair informações da boca de um
alvo de devassa política. Sim, porque aquilo que estava em curso quando
da gravação do alvo não podia ser chamado de "investigação". Esta
pressupõe fato determinado, completado no passado. Já a devassa é a
busca frenética de um fato comprometedor. É o que a Força Tarefa da Lava
Jato tem feito incessantemente, em Curitiba e em Brasília. Usar um
prospectivo delator premiado para essa tarefa é iniciativa do melhor
estilo mafioso.


Lembra cena típica de filme sobre a "Cosa Nostra", em que um pequeno
batedor de carteira com sonhos de grandeza quer entrar para a
organização e é submetido a teste de valentia e lealdade: obriga-se o
pobre coitado a matar um policial, para mostrar do que é capaz, como um
aperitivo de sua utilidade para a organização. Joesley, ao que tudo
indica, foi usado como o batedor de carteira. Foi obrigado a oferecer à
Procuradoria Geral da República um aperitivo para conquistar a
premiação. O aperitivo era Temer.


Ninguém no grupo da Lava Jato pode dizer que não sabia dessas
práticas. Muito menos o chefão. O uso de prospectivos delatores para a
escuta ambiental não autorizada tem sido recorrente. Foi assim com
Bernardo, filho de Nestor Cerveró, que gravou Delcídio do Amaral; foi
assim com Sérgio Machado, que gravou José Sarney, Renan Calheiros e
Romero Jucá. No caso de Delcídio, a crueldade foi requintada: após ter,
este, fechado negociação com a Procuradoria Geral da República, por
acordo do qual constava cláusula de sigilo por três meses, deu-se que a
cláusula não foi aceita pelo relator, Ministro Teori Zavascki, por não
encontrar amparo legal.


Por um desses acasos da vida, a gravação de Delcídio foi tornada
pública logo a seguir, impedindo o senador a voltar atrás no acordo de
delação. Entre as patacoadas do acerto constava declaração do senador de
que Dilma Rousseff teria, com a nomeação de Marcelo Navarro para o STJ,
visado a obstar investigações contra a construtora Odebrecht. Uma
hipótese sem qualquer lastro, como, agora, reconheceu a polícia federal,
mas que serviu para abrir inquérito contra a Presidenta às vésperas da
votação da admissibilidade do impeachment no Senado, com clara
finalidade de desgastá-la perante a opinião pública.


O que causa perplexidade é o cinismo da gestão de Rodrigo Janot à
frente do Ministério Público Federal, quando insiste em que sua atuação
tem sido estritamente "técnica". Façam-me rir. Já o disse alhures, o
técnico é uma forma de dar roupagem de isenção a decisões que são
essencialmente políticas. O direito usa a técnica como meio de legitimar
essas decisões. Mas decidir sempre é optar. O julgador opta entre, no
mínimo, duas teses: a do autor e a do réu, ambas revestidas de
fundamentos jurídicos e, portanto, ambas plausíveis se sustentadas com
boa técnica. A independência do juiz está no intervalo entre essas
teses, que tem o nome de lide. Não pode decidir fora dela, pois seria
decidir "ultra petita", como se diz no bom jargão profissional. A opção,
quando não balizada por sólida jurisprudência, é algo completamente
subjetivo. E o juiz faz política ao optar. Assim também o faz o
ministério público quando decide, ou não, levar um caso adiante.


Mas política não é sempre molecagem. Ela funciona como tempero
necessário para preservar as instituições e a governabilidade.
Pressupõe-se de quem vai decidir que tenha equilíbrio e senso de
justiça, de correção, de critério – virtudes que só se adquirem com
muita experiência, ao longo de anos de atuação. Por isso, não é crível
tenha o Procurador-Geral da República deixado um grupo de procuradores
verdes, sem seu cabedal, rolar solto. O procurador Marcelo Miller, que,
pelo que se anuncia, estaria por detrás dessa "técnica" de exigir
aperitivos de prospectivos delatores premiados, com meros treze anos de
casa, não pode ter agido por conta própria. As informações colhidas por
sua "técnica" foram usadas não só em juízo pelo chefe da instituição,
mas, também, pela instituição-corporação (hoje é difícil divisar entre
ambas), para fazer seu barulho e adquirir musculatura – política (neste
caso, com sentido de molecagem mesmo).


Das duas uma: ou o Procurador-Geral se revelou um grande
irresponsável, deixando o barco correr enquanto gente de sua equipe
pintava e bordava com falta completa de ortodoxia técnica; ou então ele
era parte da trama, aquiescendo com a "técnica" de Miller. Afinal,
defendia e defende com unhas e dentes a atuação do grupo da Lava Jato
como íntegra e profissional. De uma forma ou de outra, terá ainda muitas
explicações a dar.


Por sinal, curioso é o tratamento diferenciado dado a Marcelo Miller,
se comparado com o que foi emprestado a outro colega, o Doutor Ângelo
Goulart. Ângelo nunca pediu aperitivos ilícitos de prospectivos
delatores; nunca plantou escutas em domicílios alheios sem autorização
judicial; nunca negociou passe com escritório de advocacia para atuar em
prol dos investigados depois de exonerado do ministério público. E nada
se provou de concreto contra Ângelo. Disse o falastrão Joesley, na
conversa plantada no Jaburu, que tinha um procurador e um juiz no bolso.
Depois disse, em delação premiada – sabe-se lá instigado por quem – que
Ângelo estaria a receber 50 mil reais para auxiliá-lo. Não acharam um
tostão com Ângelo. Sua casa, seu carro, tudo foi revirado. Suas
movimentações financeiras foram absolutamente regulares.


Mas ele foi tachado de corrupto aos olhos da Nação, com direito a
transmissão pelo programa dominical "Fantástico" da Rede Globo e ficou
preso por mais de setenta dias sem poder contar sua versão dos fatos a
ninguém. Mais recentemente, em outra entrevista, mesmo sem nenhum avanço
na investigação contra Ângelo, Rodrigo Janot voltou a expô-lo como
colega envolvido "em corrupção". O que fez Ângelo? Passou uma gravação
de uma audiência entre um colega e diretores da Eldorado Celulose para
um advogado de Joesley Batista. A entrega da gravação nada tinha de
ilícita, porque tomada de ato que deveria ser público, a bem da higidez
do trato do ministério público com as partes. A gravação servia, ao que
tudo indica, para convencer Joesley a aceitar fazer delação premiada
para evitar a derrocada de seu império empresarial. Mal sabia Ângelo que
as negociações sobre a delação já estavam em curso e adiantadas, com
Marcelo Miller à sua frente.


Já Marcelo Miller, exposto nas novas gravações de Joesley, após ter
abandonado o ministério público para se lançar em mais rentável carreira
de advogado, defendendo o império empresarial de Joesley, recebe o
benefício da dúvida. Nada de pedido de prisão. Nada de acusação de
corrupção. Ele pode prestar suas declarações, sua versão, até próxima
sexta feira, sem nada temer. Para os lavajateiros, a atuação de Marcelo
merece ser prestigiada e honrada. Diferente de Ângelo, diretor da
associação de classe, que teria se aproximado perigosamente da
candidatura de Raquel Dodge ao cargo de Procuradora-Geral da República e
merece ser publicamente apedrejado e ter sua reputação destroçada. "Nu
d'ês é bão".


Mas, por erro de cálculo estrutural, desabou o edifício que homiziava
a política da "técnica" de Janot. Ficou exposta à curiosidade coletiva.
Fez tudo errado. Confiou em quem não devia ter confiado. Omitiu-se na
defesa da democracia e deixou de exercer o que a Constituição lhe
atribuiu – ser "Chefe do Ministério Público da União" (art. 128).
Preferiu as intrigas da politicagem interna e o discurso corporativo
fácil. Revelou-se um ignorante no jogo da macropolítica. Traiu quem lhe
dera a mão, não para beneficiar quem quer que seja, mas para tirar o
país da polarização inaugurada com o processo do chamado "Mensalão". Não
o tirou e acirrou o conflito. Permitiu que jovens procuradores
partidariamente motivados destruíssem a economia e levassem o moralismo
doente ao judiciário. E nem conseguiu tratar os colegas com dignidade.
Ângelo Goulart que o diga.


A "lei da nudez" falhou e não tem como salvar o do Rodrigo Janot.

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