domingo, 17 de setembro de 2017

Raquel Dodge precisa continuar

Raquel Dodge precisa continuar com o combate à corrupção - 17/09/2017 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo




Muitos esperam, com Michel Temer, que este último dia de Rodrigo Janot
como procurador-geral da República marque o fim de um ciclo. É o que a
futura procuradora-geral Raquel Dodge, a ser empossada amanhã, precisa
impedir. Já que estamos enlameados de vergonha pelos borrifos do lodaçal
de corrupção, não há por que parar, nem mesmo recuar. O melhor é ir em
frente. Ir logo até o fim, seja qual for. Para isso, o que se espera de
Raquel Dodge é a compreensão de que só será possível com o
reenquadramento das instituições na sua natureza e nos seus limites. E
nisso a sua contribuição é o reajuste de valores, concepções e métodos
deformados na busca descontrolada de punições como moralização.





Rodrigo Janot representou um avanço em comparação a seus dois últimos
antecessores. Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel satisfizeram-se
mais com adjetivos que com apurações substantivas do que constituiu, de
fato, o mal denominado mensalão: erros, para menos e para mais,
perduram ainda. Janot mostrou, no entanto, uma tolerância com deslizes
da Lava Jato que a prejudicaram muito.





Seria possível que, em vez de complacente, fosse ele o indutor de
condutas exacerbadas. Mas deu sinais contrários. Quando a onda de
"vazamentos" ilegais, muitos inverdadeiros, provocou críticas até no
Supremo, Janot emitiu nota e declarações que, apesar de sinuosas, não
endossavam o que eram práticas só explicáveis por motivações políticas.
Se não endossava, não seria o indutor, mas o chefe solidário ou
conformado.





O caráter político da Lava Jato até hoje ocupa adeptos seus com
pretensas negativas: artigos e declarações sem fim. Nestes últimos dias,
Janot deixou-lhes uma armadilha. Está no seu pedido de arquivamento da
investigação de José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá, cuja prisão
chegara a pedir. Agora, usou o argumento de que não consumaram a
idealizada obstrução de justiça, inexistindo o delito. Pois bem, a
nomeação de Lula para ministro de Dilma, ouvida em grampo ilegal feito
por Sergio Moro e por ele divulgado, também não se consumou, inexistindo
o delito.





No caso da nomeação, porém, a Lava Jato quis o processo contra Lula,
pela alegada intenção, e Sergio Moro quis julgá-lo. E nem se trataria,
com a nomeação, da obstrução de justiça de que fala a Lava Jato: a
nomeação apenas transferiria o assunto Lula do cadafalso de Curitiba
para o do Supremo. Não há, entre os dois casos, tratamento diferenciado?
Há outra causa que não a política, para os tratamentos diferentes?





O denuncismo e a voracidade punitiva, incompatíveis com justiça,
Ministério Público, Judiciário, moralização e lealdade constitucional,
gozaram sob Janot, na Lava Jato, de liberdade injustificável. O show de
Deltan Dallagnol, com aqueles círculos e setas contra Lula tratado como
se condenado, foi uma aberração autoritária que manchou para sempre o
Ministério Público. Um abuso de poder, inconsequente em dois sentidos:
não tinha razão de ser nas obrigações da Lava Jato, por isso não
produziu qualquer efeito nas apurações devidas, e nenhuma providência
mereceu de Janot, ao menos em respeito aos estarrecidos com a
depreciação do Ministério Público.





Janot deixa a Procuradoria enrolada com Joesley Batista. O problema
começou no "prêmio" de imunidade judicial dado ao delator. Agravou-se no
exagero de Janot ao descrever o teor da conversa gravada de Batista com
seu parceiro de subornos. Daí decorreu a oportunidade de Janot
satisfazer às críticas pelo "prêmio". E, como complemento provisório,
uma vindita que inclui o Supremo.





O descritério dos "prêmios" aos delatores, concedidos pelos procuradores
e por Janot, merecia mais escândalos do que apenas a imunidade agora
cassada de Joesley Batista. A Paulo Roberto Costa, por exemplo, foi
concedida a permanência dos bens postos em nome de familiares seus. O
reincidente Alberto Youssef, que voltou ao crime porque "premiado" com a
liberdade em sua primeira delação (caso Banestado), pôde também
transferir bens, como vários outros. Usado o "prêmio" de Youssef para
explicação, diz a Procuradoria-Geral que ele "reconheceu quais eram os
bens que são produto ou proveitos de atividade criminosa". O dinheiro de
delatores tem diferenças quando provém de crimes.





Como "tantos são os fatos e tão escancaradamente comprovados" de
corrupção, nas palavras recentes de Rodrigo Janot, é preciso
continuá-lo. Corrigido.

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