sábado, 16 de setembro de 2017

MARCIO POCHMANN: Anos dourados

MARCIO POCHMANN: Anos dourados - 16/09/2017 - Opinião - Folha de S.Paulo




Para uma diversidade de medidas estatísticas, o período de 2003 a 2014
consagra inédita experiência na redução da pobreza e desigualdade na
renda domiciliar dos brasileiros.





Esses verdadeiros anos dourados foram interrompidos pelo curso da
recessão econômica e ficam para a história diante das atuais medidas
antissociais.





Tomando-se como referência as informações do IBGE, que sistematicamente
capta rendimentos da população desde o Censo Demográfico de 1960, os
anos de 2003 a 2014 expressam maior queda na pobreza registrada até
então (17 pontos percentuais).





Antes disso, a pobreza havia caído na virada da ditadura militar para a
democracia (13 pontos percentuais) e no Plano Real (8 pontos
percentuais).





Enquanto os países desenvolvidos elevaram a pobreza em quase 6%
recentemente, o Brasil saiu do Mapa da Fome, com uma queda de 82% da
população subalimentada (FAO/ONU).





Para os anos de 2003 a 2014, os mais pobres ampliaram o acesso à
educação em 346% (47% no país), em 53% à rede geral de água (7% no
país), em 114% ao esgotamento sanitário (18% no país), em 21% à
eletricidade (3% no país), em 107% à geladeira (12% no país) e em 1.455%
ao telefone celular (164% no país).





Mesmo que outros países tenham registrado queda na pobreza, poucos
conseguiram diminuir simultaneamente o índice Gini da desigualdade na
renda domiciliar.





A redução do Gini em 11,9% entre 2002 (0,59) e 2014 (0,52) permitiu que o
Brasil saísse dos primeiros lugares no ranking da desigualdade mundial
(PNUD/ONU).





No caso da China e Índia, por exemplo, a redução na pobreza foi seguida
de maior desigualdade, ao passo que nos países da OCDE o crescimento da
pobreza se aliou ao avanço da concentração da renda.





Pela série da distribuição funcional da renda que compõe os rendimentos
no Produto Interno Bruto, constata-se que, de 1995 a 2004, as
remunerações dos trabalhadores perderam participação (de 42,6% para
39,3%) em relação aos rendimentos do capital. Depois disso, a situação
melhorou para os trabalhadores até 2014 no país.





Toda essa inédita experimentação econômica socialmente inclusiva em
pleno regime democrático no início do século 21 possibilitou ao Brasil
encurtar a distância do desenvolvimento relativo aos países ricos.





Mas o projeto de igualdade que estava apenas no seu início foi
bruscamente abandonado pela recessão e demais medidas atuais antipovo,
responsáveis pela volta da pobreza e da desigualdade.





Interessante destacar ainda que, quando as políticas públicas começaram a
deslocar o foco governamental da base da pirâmide social para o
conjunto da população, razão do sucesso na redução da pobreza e da
desigualdade na renda do trabalho, o Brasil sofreu brusca inflexão
democrática.





A ascensão do novo governo que retomou a exclusão dos pobres do
orçamento público não apenas consolida a regressão dos indicadores
socioeconômicos até então alcançados como pavimenta o caminho dos mais
ricos.





Isso justamente no topo da distribuição de renda (2,3 milhões de
pessoas) que, sem ser prejudicado nos anos dourados, passa cada vez mais
a acelerar os seus privilégios.





Conforme estudado por Thomas Piketty em outros países, o Brasil pode
avançar, para além da qualidade do gasto público, na progressividade do
sistema tributário. Esse aspecto, contudo, não faz parte da atual "ponte
para o futuro".




MARCIO POCHMANN é professor do Instituto de Economia e
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho,
ambos da Universidade Estadual de Campinas; foi presidente do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) entre 2007 e 2012 (governos
Lula e Dilma)

Nenhum comentário:

Postar um comentário