sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Blog do Alok: Melhor levar a sério o desafio sino-russo ao dólar, por F. William Engdahl

Blog do Alok: Melhor levar a sério o desafio sino-russo ao dólar, por F. William Engdahl



Melhor levar a sério o desafio sino-russo ao dólar, por F. William Engdahl


13/9/2017, F. William Engdahl, New Eastern Outlook







O
sistema monetário internacional de 1944, de Bretton Woods, como foi
desenvolvido até o presente tornou-se, dito claramente, o maior
obstáculo à paz e à prosperidade do mundo.
Agora,
a China, cada vez mais apoiada pela Rússia – as duas grandes nações da
Eurásia – começam a dar passos decisivos para criar uma alternativa
muito viável à tirania do dólar norte-americano sobre o comércio e as
finanças mundiais.


Wall Street e Washington não estão gostando, mas são impotentes para deter o movimento.


__________________





Pouco
depois do fim da 2ª Guerra Mundial, o governo dos EUA, aconselhado
pelos grandes bancos internacionais de Wall Street, projetou o que
muitos interpretam erradamente como um novo padrão ouro. Na verdade, foi
um padrão dólar, no qual todas as demais moedas dos países do Fundo
Monetário Internacional fixaram o valor das respectivas moedas em
relação ao dólar. Em troca, o dólar dos EUA foi ancorado ao ouro, num
valor igual ao de 1/35 de uma onça de ouro. Ao mesmo tempo, Washington e
Wall Street puderam impor um sistema pelo qual o Federal Reserve ficava
com cerca de 75% de todo o ouro monetário mundial, como consequência da
guerra e desenvolvimentos a ela relacionados. Bretton Woods estabeleceu
o dólar, o qual então se tornou a moeda de reserva do comércio mundial,
dos bancos centrais.


Agonia final de um padrão dólar defeituoso 


Pelo
fim dos anos 1960s, com os déficits crescentes no orçamento dos EUA por
causa dos custos da Guerra do Vietnã e outros gastos igualmente
alucinados, o padrão dólar começou a deixar ver suas profundas falhas
estruturais. A Europa Ocidental e o Japão recuperados já não precisavam
de bilhões de dólares dos EUA para financiar reconstruções. A Alemanha e
o Japão haviam-se tornado economias de exportação de classe mundial com
mais alta eficiência que a manufatura norte-americana, por efeito da
obsolescência crescente da indústria básica dos EUA, do aço a
automóveis, e da infraestrutura básica. Washington então deveria ter
desvalorizado significativamente o dólar frente ao ouro, para corrigir o
crescente desequilíbrio no comércio mundial. Essa desvalorização do
dólar teria estimulado os ganhos de exportação dos EUA e reduzido os
desequilíbrios comerciais. Teria sido verdadeiro alento para a economia
real dos EUA. 


Mas
para os bancos dos EUA o mesmo passo teria levado a grandes perdas.
Então, em vez de fazer o que era dever deles, os governos Johnson e
depois Nixon imprimiram mais dólares e, efeito disso, exportaram
inflação para o mundo.


Os
bancos centrais, especialmente da França e da Alemanha, reagiram à
surdez de Washington exigindo o ouro do Fed dos EUA das reservas
norte-americanas a $35 por onça do acordo de Bretton Woods de 1944. Em
agosto de 1971, a troca de ouro por dólares norte-americanos inflados
alcançou ponto crítico, e Nixon foi aconselhado por Paul Volcker, alto
funcionário do Tesouro, a pôr abaixo o sistema de Bretton Woods.


Em
1973, Washington permitia o livre comércio do ouro, que já não era o
lastro firme do dólar norte-americano. Em vez disso, um choque
artificial do preço do petróleo em outubro 1973, que em meses elevou em
mais de 400% o preço do petróleo, criou o que Henry Kissinger chamou
então de "petrodólar".


O
mundo precisava de petróleo para a economia. Washington, em negócio de
1975 com a monarquia saudita, determinou que a OPEP Árabe não vendesse
sequer uma gota de seu petróleo ao mundo, se não em dólares
norte-americanos. O valor do dólar subiu às alturas contra outras moedas
como o marco alemão ou o yen japonês. Os bancos de Wall Street encheram
as burras com depósitos em petrodólares. O cassino do dólar estava
aberto e operando, e o resto do mundo estava sendo tungado por ele.


Em meu livro Gods of Money: Wall Street and the Death of the American Century [Deuses
do Dinheiro: Wall Street e a Morte do Século Norte-americano], narro em
detalhes o modo como grandes bancos internacionais em New York, como
Chase, Citibank e Banco da América usaram petrodólares naquele momento
para reciclar os lucros árabes da importação de petróleo pelos países em
desenvolvimento durante os anos 1970s, lançando as sementes da chamada
"Crise da Dívida do Terceiro Mundo". Curiosamente, foi o mesmo Paul
Volcker, protegido de David Rockefeller e do Banco Chase Manhattan de
Rockefeller, naquele momento, em outubro de 1979 era presidente do
Federal Reserve, quem disparou a crise da dívida dos anos 1980s
empurrando para a estratosfera as taxas de juros do Fed. Volcker disse
que a operação visava a conter a inflação. Era mentira. A operação
visava a salvar o dólar e os bancos de Wall Street.


Hoje,
o dólar é fenômeno estranhíssimo, para dizer o mínimo. A partir de
1971, os EUA foram, de principal nação industrial do planeta, a casino
de especulação gigante, movido a dívida.


Com
as taxas de juros dos Fundos Fed entre zero e 1% durante os últimos
nove anos – evento sem precedentes na história moderna – os grandes
bancos de Wall Street, os mesmos cujos crimes financeiros e ganância
assassina criaram a crise dos "subprimes" de 2007 e seu tsunami financeiro global de 2008, decidiram construir uma nova bolha especulativa. 


Em
vez de emprestar para cidades já intoxicadas de dívidas para
infraestrutura urgentemente necessária ou outras vias produtivas da
economia real, aqueles bancos criaram outra bolha colossal no mercado de
ações. Grandes empresas usaram crédito barato para recomprar suas
próprias ações, o que fez subir alucinadamente o preço das ações nas
bolsas de valores, aumento alimentado por boatos e mitos sobre uma
"recuperação da economia". O índice de ações das S&P-500 subiu 320% a
partir do fim de 2008. Um fato é certo: o aumento daquelas ações não
aconteceu 'porque' a economia dos EUA tivesse crescido 320%!


Os
lares norte-americanos ganham menos, em termos reais, de ano para ano,
há décadas. Desde 1988 a renda doméstica médica manteve-se estável, com
inflação sempre crescente e renda real sempre decrescente. As famílias
têm de emprestar mais e do que jamais antes em toda a história. A dívida
do governo federal alcança inimagináveis $20 trilhões, sem fim à vista.
A indústria norte-americana foi fechada e a produção 'exportada',
mandada para fora, "deslocalizada" [ing.outsourced] é o eufemismo
da hora. Deixada nos EUA, fica uma dívida monstro e uma apodrecida
"economia de serviços", na qual milhões trabalham em dois, três empregos
de período parcial, só para se manter à tona.



O
único fator que mantém o dólar a salvo do colapso total são os
militares e uma infinidade de falsas ONGs que os norte-americanos
espalham pelo mundo, com a tarefa de facilitarem o saque da economia
global.
Enquanto
os truques sujos de Washington e as maquinações de Wall Street
conseguiram criar crises das dimensões do que se viu na Eurozona em
2010, na qual a Grécia foi sacrificada, países com superávit comercial
como China, Japão e depois a Rússia não tiveram alternativa que não
fosse comprar mais e mais dívida do governo dos EUA – seguros do Tesouro
–, usando com o grosso de seus respectivos superávits comerciais em
dólares. Washington e Wall Street sorriram. Podiam imprimir quantidades
infinitas de dólares lastreados em nada mais valioso que jatos F-16s e
tanques Abrams. Comprando a dívida norte-americana, China, Rússia e
outros países detentores de ações em dólares financiaram, na verdade, as
guerras que os EUA fizeram contra aqueles mesmos países. Naquele
momento, simplesmente não tinham alternativas viáveis.


Surge a alternativa viável 


Agora,
por ironia, duas das economias estrangeiras que garantiram ao dólar
sobrevida artificial além de 1989 – Rússia e China – está cuidadosamente
expondo essa mais temida alternativa, uma moeda internacional viável,
com lastro em ouro e potencialmente várias moedas similares que podem
deslocar o papel injustamente hegemônico que o dólar tem hoje.



há vários anos, ambas, a Federação Russa e a República Popular da China
vêm comprando enormes quantias de ouro, em grande parte para
acrescentar às moedas de reserva dos respectivos bancos centrais as
quais sem isso seriam tipicamente dólar ou euro. Até recentemente, ainda
não era muito claro porque os dois países faziam o que faziam.



Durante
vários anos soube-se nos mercados de ouro que os maiores compradores de
ouro físico eram os bancos centrais de China e Rússia. Mas não se via
com clareza a profundidade da estratégia que houvesse por trás de
simplesmente construir confiança nas moedas, em tempo de sanções
econômicas e palavras belicosas emitidas por Washington, de guerra
comercial.
Agora tudo já aparece claramente.


China
e Rússia, acompanhadas provavelmente por seus principais parceiros
comerciais nos RICS (Rússia, Índia, China, África do Sul)*,
e também pelos países seus parceiros eurasianos da Organização de
Cooperação de Xangai (OCX) estão bem próximas de completar a arquitetura
funcional de uma nova alternativa monetária a um mundo do dólar.


Atualmente,
além dos membros fundadores China e Rússia, são membros plenos da OCX o
Cazaquistão, o Quirguistão, o Tadjiquistão, o Uzbequistão e, mais
recentemente, Índia e Paquistão. É população total de mais de 3 bilhões
de pessoas, cerca de 42% da população do planeta, reunidas em cooperação
econômica e política planificada e pacífica.


Se
se acrescentam aos já membros da OCX também os países em posição de
Observadores Oficiais – Afeganistão, Belarus, Irã e Mongólia, estados
com desejo já manifesto de unir-se formalmente como membros plenos,
basta examinar o mapa mundial para ver o impressionante potencial da
emergente OCX. Turquia é Parceira de Diálogo formal, considerando a
possibilidade de integrar-se à OCX, bem como o Sri Lanka, a Armênia, o
Azerbaijão, o Cambodia e o Nepal. Dito em termos simples, é organização
gigantesca.


"Iniciativa Cinturão e Estrada" e Rota da Seda com lastro ouro 


Até recentemente, os think-tanks de
Washington e do governo dos EUA menosprezaram instituições eurasianas
emergentes como a OCX. Diferente dos RICS, que não é grupo de países
contínuos em vasta massa terrestre, o grupo da OCX forma uma entidade
geográfica contínua chamada Eurásia. Quando o presidente chinês Xi
Jinping propôs a criação do que foi então chamado de Nova Rota da Seda
Econômica, em reunião no Cazaquistão em 2013, pouco no ocidente levaram a
sério a proposição. Hoje, o nome oficial é Iniciativa Cinturão, Estrada
(ICE). E hoje o mundo já começa a levar muito a sério o objetivo da
ICE.


Claro
que a diplomacia econômica da China, como da Rússia e de seu grupo de
países da União Econômica Eurasiana, tem muito a ver com construir
ferrovias para trens de alta velocidade, portos, infraestrutura de
energia e vasto novo mercado o qual, em menos de uma década ao ritmo em
que está andando, já terá ofuscado qualquer potencial econômico que
ainda reste aos países arqueados sob dívidas gigantes e estagnados da
Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, OCED, da União
Europeia e da América do Norte.


Até
agora, embora vitalmente necessária, ainda não era clara alguma
estratégia para libertar do dólar as nações da Eurásia, libertando-as
também de crescente vulnerabilidade a sanções pelo Tesouro dos EUA e da
guerra financeira baseada naquela dependência do dólar. Isso,
precisamente é o que está começando a surgir.


Na
reunião de cúpula dos RICS dia 5 de setembro em Xiamen, China, o
presidente Putin da Rússia enunciou em termos simples e muito claros a
visão russa do mundo econômico atual. Disse ele:


"A
Rússia partilha as preocupações dos países RICS relacionadas à
arquitetura econômica e financeira mundial, injusta e desigual, que não
dá a consideração devida ao peso das economias emergentes. Estamos
prontos a trabalhar com nossos parceiros para promover reformas na
regulação financeira internacional, para superar a dominação excessiva do número limitado de moedas de reserva."



Que
eu saiba, o presidente Putin jamais foi tão perfeitamente claro sobre
moedas. Ponha-se essa fala no contexto da recente arquitetura financeira
que Pequim revelou, e é claro que o mundo está bem próximo de gozar de
novos graus de liberdade econômica.
Futuros de petróleo em yuan chineses 


Segundo artigo publicado na revista asiática Japan Nikkei,
a China está perto de lançar um contrato futuro de petróleo denominado
em yuan chineses que poderá ser convertido em ouro. Isso, se combinado
com outros movimentos da China ao longo dos dois últimos anos, para
tornar viável uma alternativa a Londres e New York, para Xangai,
torna-se realmente interessante.


China
é o maior importador de petróleo do mundo, a vasta maioria de cujos
negócios ainda são pagos em dólares norte-americanos. Se o novo contrato
futuro de petróleo for amplamente aceito, poderá tornar-se o mais
importante referencial para petróleo com base na Ásia, uma vez que a
China é o maior importador de petróleo do mundo. Esse movimento
desafiaria os dois contratos de petróleo dominados por Wall Street, o
Brent do Mar do Norte e os futuros de West Texas Intermediate, os quais
até agora deram imensas vantagens ocultas a Wall Street.


Com
isso a China e seus parceiros eliminariam um dos grandes meios para
manipulação, incluindo muito especialmente a Rússia. A introdução de
contratos futuros de petróleo negociados em Xangai em yuan, recentemente
incluídos na cesta de seletas moedas SDR do FMI, os futuros de
petróleo, especialmente quando possam ser convertidos em ouro, podem
mudar dramaticamente o equilíbrio geopolítico do poder, desviando-o, do
mundo Atlântico, para a Eurásia.


Em
abril de 2016, a China completou grande movimento para se tornar novo
centro do câmbio de ouro e centro mundial do comércio do ouro físico. A
China é hoje a maior produtora mundial de ouro, muito à frente da África
do Sul, com a Rússia em segundo lugar.


A
China já estabeleceu grande centro de armazenamento na Zona Franca de
Qianhai na China, próxima de Shenzhen, cidade de cerca de 18 milhões de
habitantes ao norte, próxima de Hong Kong, no Delta do Rio Pérola. Agora
a China está completando a construção de um prédio-cofre para ouro,
incluindo armazém, bolsa para negociações e escritórios para áreas
relacionadas. A Sociedade Chinesa de Câmbio de Ouro e Prata, existente
há 105 anos e com sede em Hong Kong está num projeto conjunto com o
banco ICBC, o maior banco estatal chinês e maior banco de importação de ouro, para criar o Qianhai Centro de Armazenamento.
Começa a ficar perfeitamente claro o motivo pelo qual as falsas ONGs a
serviço de Washington, como a National Endowment for Democracy tanto
tentou, sem sucesso, criar uma Revolução Colorida anti-Pequim, a
"Revolução Guarda-Chuva", em Hong Kong, no final de 2014.


Agora,
somando-se aos novos contratos futuros de petróleo negociados na China
em yuan, com o lastro em ouro, levará a mudança dramática nos países que
são membros chaves da OPEP, mesmo no Oriente Médio. Claro que
preferirão o yuan lastreado em ouro, em vez dos dólares norte-americanos
hiper inflados, que carregam grave risco geopolítico, como o Qatar
aprendeu, depois da visita de Trump a Riad, há alguns meses. Importante,
a gigante estatal russa Rosneft acaba de anunciar que a estatal chinesa
do petróleo, CEFC China Energy Company Ltd., acaba de comprar a
participação de 14% que o Qatar tinha na Rosneft. Tudo começa a se encaixar, numa estratégia muito coerente.


O
império do dólar está em dolorosa agonia, e seus patriarcas entraram em
processo de negar a realidade, processo também conhecido como "governo
Trump". Enquanto isso, os elementos mais sãos desse planeta estão bem
próximos de montar alternativas construtivas e pacíficas. Estão
dispostos até a acolher Washington em seu grupo, sob regras justas.
Muita generosidade não é mesmo?!

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