domingo, 17 de setembro de 2017

Se acharam deuses e fizeram uma série de irregularidades e de abusos

"Procuradores da Lava Jato se acharam deuses e fizeram uma série de irregularidades e de abusos": Kakay, advogado de Joesley, fala ao DCM



Antônio
Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é o criminalista que assumiu a
defesa dos delatores Joesley Batista e Ricardo Saud no dia 10 de setembro.
Já atendeu mais de uma dezena de políticos implicados na Operação Lava
Jato e agora assume o caso que o coloca diretamente contra o
procurador-geral Rodrigo Janot.
Mas Janot não foi o único criticado por
Kakay. O advogado afirmou que o contato do juiz Sérgio Moro com o
advogado Carlos Zucolotto Junior para dar resposta à reportagem da Folha
de S.Paulo poderia ser interpretado como crime de obstrução de Justiça e
poderia acarretar prisão preventiva. Ele se baseou nas próprias decisões de Moro para fazer sua crítica.
O DCM entrevistou Kakay sobre os recentes eventos envolvendo Joesley, sua delação premiada e outros envolvidos com a Lava Jato.
DCM: Você definiu em nota pública que Janot foi “desleal” com Joesley Batista. Por que ele traiu?
Kakay: Janot traiu os dois delatores porque queria retirar a imunidade que o MP concedeu e foi muito criticada.
O procurador-geral achou que iria virar
um Deus nacional com essas denúncias contra o Temer e outros políticos,
mas, na realidade, quando ele deu imunidade, Rodrigo Janot foi
massacrado pela mídia e pelos formadores de opinião.
Foi assim que ele resolveu tirar de maneira desleal os benefícios dados.
DCM: A prisão de Joesley e a desmoralização de Janot estão ligadas somente às novas gravações?
Kakay: Sim, mas não havia nada de errado
nas gravações. A única coisa de errado que ocorreu na fita foi a
colocação do próprio Janot que fez o ministro Marco Aurélio dissesse que
todos os integrantes do STF estavam em suspeição. Quando nós,
operadores do Direito, e vocês jornalistas ouvimos a gravação, a
montanha pariu um rato. Não havia nada que justificasse aquela
espetacularização do procurador-geral naquele triste dia.
Ele pegou um determinado depoimento e
colocou uma visão, do meu ponto de vista errada, parcial, uma
subleitura, e simplesmente pediu a suspensão para depois solicitar a
prisão do Joesley e do Ricardo [Saud]. Claramente isso foi feito de
forma desleal. Veja bem. Em todas as grandes delações que o Brasil fez,
ou quase todas, eles fizeram chamada para recall ao descobrir que a
pessoa tá mentindo ou quando ela conflita com outra delação. E as
delações premiadas são feitas a granel, acabando totalmente com sentido
do instituto.
Quando isso aconteceu, eles chamaram os
delatores e, às vezes, eles pagavam maiores multas. No caso do Joesley, o
recall não aconteceu. Porque nem ele e nem o Ricardo cometeram erros.
Eles não omitiram nada e contaram rigorosamente o que tinham de
informações sobre o ex-procurador Marcelo Miller.
Se a PGR tinha alguma dúvida, veja como
isso é grave, o Joesley e os delatores da JBS tinham um prazo de até 30
de outubro para pegar documentos, fazendo esclarecimentos. Como é que se
dá essa delação pela forma que aconteceu? Se houvesse algum problema,
eles saberiam que seriam chamados para explicar algum determinado
conteúdo dos documentos e dos anexos.
Era simples. Bastava eles serem chamados
para dar explicações sobre as dúvidas que envolvem a veracidade e a
espontaneidade sobre os depoimentos do ex-procurador. É simples,
absolutamente simples, mas é infeliz como isso não aconteceu. Como Janot
queria tirar a imunidade para acabar com o problema, ele achou que
estava criando um “grand finale” e pede de forma desleal, na minha
visão, a prisão dos dois delatores.
DCM: A delação premiada não fica
comprometida com a proximidade de Joesley Batista e Ricardo Saud com
Marcelo Miller? Por que eles entregaram as gravações?
Kakay: Não acredito que há
comprometimento. A fita de Joesley e Ricardo Saud foi entregue porque
eles acreditavam na lealdade da PGR, por isso no mesmo dia eles poderiam
prestar novos esclarecimentos se isso fosse solicitado. A gravação
envolvia políticos e, se eles editassem para não aparecer essa conversa
de boteco, de bêbado, poderia poupar alguém. Foi uma questão de
lealdade.
É importante dizer que essas novas
gravações foram acompanhadas por mais de 50 anexos. Por isso eu acho que
claramente, de maneira desleal, o Ministério Público armou contra os
delatores que tinham o direito de usufruir dos benefícios dados.
Na tarde anterior à prisão de Joesley
Batista e Ricardo Saud, os dois foram chamados para prestar
esclarecimentos sobre uma outra fita que envolve o ex-ministro José
Eduardo Cardozo. Imediatamente Joesley explicou que poderia entregar
aquela fita e que só não apresentou porque a defesa técnica recomendou
que aquele material era pessoal.
DCM: Por que a defesa considerou a gravação de Cardozo como “pessoal”?
Kakay: Há gravações de advogados no caso
que envolvem os delatores que não podem vir a público. A procuradoria
fez uma observação que, no meu ponto de vista, tem pertinência jurídica.
Eles dizem que quem tem que aferir se a fita tem crime ou não é as
autoridades e não os delatores. Não tem nenhuma fita deles no exterior e
elas estão sob a responsabilidade de Joesley Batista e Ricardo Saud.
Eles ficaram de entregar os materiais.
No entanto, a deslealdade veio com os
pedidos de prisão. Joesley foi ao Ministério Público, confiou no MP, se
dispôs a entregar o que sabia e foi detido ainda assim.
DCM: O senhor não acha estranho que
Ricardo Saud e Joesley Batista tenham sido presos e não Marcelo Miller,
ex-procurador que atuou com Rodrigo Janot na Lava Jato?
Kakay: Não acho estranho que
Marcelo Miller não tenha sido preso. Nenhum dos três deveria ter sido
presos. O ministro Edson Fachin entendeu que o ex-procurador não fez
parte do que se entende como facção criminosa. Mas ele fria que Joesley e
Ricardo Saud fazem parte.
Isso é claro. Eles fizeram delação
premiada. Só o Ricardo entregou 1782 pessoas. Eles falaram de centenas
de crimes e trouxeram documentos. Isso é que é o instituto da delação.
Então eles faziam parte da organização criminosa confessadamente. Só que
fizeram isso numa delação pelo benefício que o Ministério Público lhes
concedeu. Não há nenhuma incoerência nisso.
Eu acho que a prisão deles era
desnecessária porque eles não mentiram, nem contaram só parte da
verdade. Se tivessem dúvidas, poderiam explicar. Contaram o que sabiam.
Portanto nenhuma das prisões seriam corretas no momento.
DCM: Você não se sente constrangido
por defender uma pessoa como Joesley Batista, embora todos mereçam
defesa? Justamente pelo senhor ser um crítico da delação premiada?
Kakay: Evidentemente que não tenho nenhum
constrangimento. Pelo contrario. É um prazer atuar nesse caso, com
repercussão enorme no Brasil, que me permite discutir teses
interessantíssimas. Eu sou e continuo sendo um crítico da forma como a
Lava Jato usa a delação premiada.
Tenho dito pelo Brasil todo, fazendo duas
palestras por mês há pelo menos dois anos, que eu sou favorável ao
instituto da delação. Ele é muito importante no combate ao crime
organizado. O que acontece é que houve uma deturpação e houve uma
banalização por parte de membros dessa Força-Tarefa da Lava Jato. E isso
também aconteceu por parte de alguns da Procuradoria-Geral da
República.
O caso específico do Joesley corrobora
exatamente para as minhas teses críticas. O que aconteceu? Fizeram uma
delação, ela foi considerada a mais efetiva de todas, dando a imunidade
total. Após essa imunidade, o Janot certamente se sentiu naquele momento
um pequeno Deus.
O procurador-geral pegou documentos, a
palavra do Joesley Batista e apresentou denúncia ao presidente da
República, pedindo prisão a prisão do senador na época mais importante
do PSDB [Aécio] e uma série de outras ações. Só que de repente ele
começou a notar que a crítica contra ele por ter dado imunidade era
muito grande.
O jornal O Estado de S.Paulo fez sete
editoriais contra ele. Todos os formadores de opinião questionaram essa
imunidade. Janot então caiu do céu para o inferno. Estava navegando e
surfando no poder Lava Jato, da força midiática e dessa
espetacularização do processo penal que eles fizeram, incluindo a
exposição ilegal e imoral das pessoas envolvidas claramente contra o
princípio da dignidade do cidadão, Rodrigo Janot depois se viu isolado e
criticado. E essa pressão o fez retirar a imunidade concedida.
Ele fez isso da pior forma porque foi
desleal. Janot representa o Estado, por isso ele não poderia ser
desleal. Por quê? Porque se ele tinha alguma dúvida no tocante àquela
fita, que ele chamou uma coletiva para falar dela – que é jocosa e tem
palavras de baixo nível -, deveria ter sido dito antes. Rodrigo Janot
paralisou o país falando em crimes contra ministro do Supremo, sendo que
era uma conversa de bêbado. Ele usou isso de forma irresponsável.
DCM: Procurador Carlos Lima disse para
o senhor “tomar vergonha na cara” por sua declaração com Moro e
Zucolotto, padrinho de casamento do juiz. O que acha da postura do MP
com críticas à Lava Jato?
Kakay: Não quero mais polemizar com este
procurador, pois acho ele insignificante no processo penal. Ele gosta de
ficar usando o Facebook e de usar o prestígio da sua instituição de
forma indevida. Isso é uma coisa lamentável.
Mas acho curioso que caia a máscara do
Ministério Público Federal através do seu chefe máximo, porque ele foi
pego fazendo toda essa trapalhada. O Estado de S.Paulo fez editoriais
criticando o MP e já existiu procuradores acusados de crimes.


DCM: Como assim?
Há uma série de questionamentos à Lava
Jato e os formadores de opinião estão sentindo que existe terreno para
isso. Eu sou plenamente favorável à Operação Lava Jato, que descortinou
uma corrupção institucionalizada que ninguém poderia imaginar neste
grau. Acontece que eu tenho como obrigação sendo cidadão e advogado de
apontar os excessos há três anos. E eles são cometidos por este grupo de
procuradores. Eles se sentem donos da verdade e começaram a ser
tratados como heróis por parte da mídia.
Eles realmente se acharam heróis e
fizeram uma série de irregularidades e de abusos. Começaram a brigar
para passar as tais 10 medidas contra a corrupção, claramente
inconstitucionais e ilegais, e afirmando que dois milhões haviam
assinado aquilo. Nem 0,1% delas deve ter lido o que estava ali. E daí
pegam a Maria Fernanda Cândido para pedir assinaturas. Se ela me passar
um papel em branco, eu assino.
Faltou seriedade e respeito ao devido
processo legal no momento em que eles queriam legalizar provas ilícitas.
Estavam se sentindo tão poderosos até cair a máscara por parte deste
Ministério Público que extrapolou de todos os poderes. Tentaram aprovar
um teste fascista de integridade, diminuição do escopo do habeas corpus.
Ou seja, é um triste momento da história
de parte do Ministério Público Federal. Eu acho que a história, quando
for abordar este momento, vai apontar as vantagens que a Lava Jato teve e
vai mostrar o papel ridículo, mesquinho e pequeno que esses falsos
heróis tiveram na história recente do Brasil.
A sociedade ainda espera um
posicionamento dos valiosos integrantes do Ministério Público Federal, a
Força-Tarefa, sobre as trapalhadas nesse final de mandato melancólico
do doutor Rodrigo Janot.
DCM: Se a delação de Joesley for válida, ele deverá receber habeas corpus? Quando?
Kakay: Entendo que o Supremo vai entender
como válido o pedido de habeas corpus porque não há nada nas atitudes
de Joesley Batista ou de Ricardo Saud que invalidem a delação premiada,
justificando uma prisão. Até porque o doutor Janot cometeu um erro que
talvez não tenha percebido e ele é enorme.
Rodrigo Janot pediu a rescisão da delação
afirmando que há um vício de origem, quando ele assinou a delação
premiada. Ora, se o STF entender que há de fato um vício de origem,
obrigatoriamente o que deve acontecer é que todas as provas serão
anuladas. O vício de origem anula absolutamente tudo.
Diante disso, entendo que após a análise detida e séria, Joesley e Ricardo Saud serão colocados em liberdade.
DCM: Na sua opinião, a instituição da delação premiada precisa ser revisto? Por qual razão?
As delações premiadas não podem ser
realizadas a granel, de maneira massiva. Essa própria delação envolvendo
o Temer tem 25 testemunhas e só uma delas não é delatora. Tem uma ação
que ocorre em Curitiba envolvendo o Palocci que tem 13 réus e 11 são
delatores. Existe uma banalização clara do instituto da delação
premiada.
Se isso continuar acontecendo, você dá
imunidade a um delator, é criticado e retira a imunidade sem que tenha
nenhum motivo jurídico para isso.
Eu acho que o Ministério Público Federal conseguiu destruir a delação premiada, que vai ter que ser repensado seguramente.
DCM: Você acha que o MP e a imprensa tem uma proximidade muito problemática e isso acaba alimentando as críticas à Lava Jato?
A mídia que fez o Janot, a mídia que fez
essa espetacularização, essa mídia opressiva, é a mesma mídia que vai
acabar com esses excessos. Eles acreditaram que eram deuses e não são. O
Janot sai de maneira melancólica, assim como os procuradores da
Força-Tarefa. Todos eles usaram de forma exagerada a mídia. Ela é que
vai mostrar a fragilidade deles.
DCM: O que é a “advocacia do confronto” que você mencionou?
A advocacia da combatividade que falo, do
confronto, é a convencional, mostrando a defesa do cliente e usando o
Direito em sua plenitude. A ideia não é simplesmente se submeter de
maneira humilhante.
Às vezes vejo alguns colegas comentando
como são tratados nas delações premiadas e eu fico impressionado. São
tratados como meros acompanhantes dos delatores. O Ministério Público os
deixa esperando, faz o que querem com eles, impõem perguntas. A
advocacia tem que valer. E eu não critico quem faz delação, pois é um
direito garantido.
Há um tratamento rude e até deselegante
quando o Joesley foi chamado à PGR para explicar as questões da sua
delação. O relato sobre aquele acontecimento diz que os advogados
tiveram que deixar de fora da sala celulares e canetas, enquanto o MP
está utilizando todos esses equipamentos. Eles passavam informações
online do que estava acontecendo para quem estava lá fora.
Determinado depoimento terminou meio dia e
um minuto depois a informação estava no blog Antagonista. Essa falta de
paridade de armas é muito ruim.
A advocacia combativa exige respeito ao devido processo, ao Ministério Público e ao Judiciário.

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