segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O menino, o lobo e o sapo na água fervendo

O menino, o lobo e o sapo na água fervendo - 18/09/2017 - Gregorio Duvivier - Colunistas - Folha de S.Paulo




Reza a metáfora que, se você joga o sapo na água fervendo, ele pula
fora, mas se você joga na água fria e vai esquentando a água aos poucos,
ele não percebe e morre cozido. Pura lenda urbana (na verdade, rural
-dificilmente você encontrará sapos pra ferver na cidade). Recentemente,
biólogos fizeram o teste e descobriram que o sapo, ao perceber que está
virando caldo, pula fora da panela, estragando ao mesmo tempo a sopa e a
metáfora. Malditos biólogos. Que obsessão em estragar metáforas.





A parábola servia muito bem para explicar um fenômeno tão comum quanto
difícil de entender: por que as pessoas demoram tanto a pular fora de
casamentos falidos, empregos deprimentes e governos autoritários. O ser
humano demora pra perceber que a água está fervendo -e inventou a
metáfora do sapo, coitado, logo ele que é tão melhor que a gente na
sensibilidade à fervura. Seria mais justo se os sapos usassem, entre
eles, a metáfora do humano. "Tadinhos, os seres humanos não percebem o
momento em que a democracia vira uma ditadura, daí vários são
brutalmente assassinados." "Mas eles merecem", dirá outro sapo. "Sempre
espalham inverdades sobre nossa espécie, como aquela da água fervendo,
ou aquela outra sobre o fato de não lavarmos o pé."





Existe uma fábula que os biólogos ainda não estragaram, e que toda
criança mentirosa já ouviu -ou seja, toda criança. Um menino todo dia
grita "lobo!", mas nunca tem lobo nenhum: tudo o que ele queria era um
pouco de atenção, e talvez uns "likes". Resultado: no dia em que
finalmente tinha lobo, ninguém acreditou, e o menino morreu devorado.





Na nossa adolescência, a gente gritou "fascista!" pro chefe careta, pra
professora exigente, pro tio rabugento. A palavra passou a significar
"aquele de quem a gente discorda", tanto pra direita quanto pra
esquerda. Talvez seja o caso de resgatá-la, ou quem sabe inventar alguma
palavra nova pro que está acontecendo.





Jovens usam camiseta com estampa "Ustra vive" em homenagem a torturador.
Santander Cultural cede a pressão e cancela exposição de "arte
degenerada". Juiz proíbe peça de teatro que "desrespeita a religião".
Cantor sertanejo defende que nunca houve ditadura no Brasil, apenas
"militarismo vigiado". Candidato que quer cancelar tratados de direitos
humanos é o que mais cresce nas pesquisas.





A água está esquentando, pessoal. E tem sapo achando que é jacuzzi.

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