sábado, 16 de setembro de 2017

segunda denúncia contra Temer

Denúncia de Janot sofre de gigantismo e falta de investigação

 Rubens Valente

segunda denúncia contra o presidente Michel Temer




O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, escolheu um caminho arriscado para o futuro da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer
ao adotar os depoimentos de delatores como o alicerce da sua peça. Nada
menos que 37 colaboradores e mais dois candidatos a delator são
arrolados ao final do texto como testemunhas.





Sem rastreamento sobre as finanças e o patrimônio pessoal de Temer e de
sua família, sem intercepção de seus telefones ou de seus e-mails,
passos básicos de uma investigação séria que Janot, a exemplo da primeira denúncia,
inexplicavelmente ignorou, é a palavra dos delatores que faz a ligação
entre diversos fatos já conhecidos sobre outros peemedebistas com a
figura de Temer.





Há provas que documentam esses outros crimes, e a Justiça deles já se
ocupa há algum tempo e muito bem (Eduardo Cunha está preso em Curitiba,
aliás após uma investigação exemplar conduzida pelo mesmo Janot;
Henrique Alves, em Natal, e Geddel Vieira Lima, em Brasília).





A respeito dessas acusações, como a montanha de R$ 51 milhões encontrada
pela PF no endereço ligado a Geddel ou a dinheirama de Cunha no
exterior, não restam muitas dúvidas. Mas a denúncia desta quinta-feira
(14) trata essencialmente de outro suposto crime: uma quadrilha de
parlamentares comandada pelo presidente da República que usa alianças políticas "como ferramenta para arrecadar propina", no dizer da denúncia.





É uma tese impactante, muitos dirão verossímil. Mas como prová-la? Esse
dever recai sobre o acusador. Para resolver os buracos da sua tese, é
aos delatores que Janot frequentemente recorre. É a partir deles que
Janot conclui, por exemplo, que Temer tem papel central no grupo
criminoso ou que as indicações políticas que passavam por ele tinham
interesse pecuniário ou que Cunha disse certa coisa reveladora sobre
ele. São, em síntese, pessoas falando sobre pessoas.





A estratégia pode se revelar um tiro n'água a longo prazo. Se todos os
depoimentos prestados pelos delatores forem desconsiderados como provas,
o que um tribunal pode fazer no ato do julgamento, ela desaba.





Está mais do que explicado por inúmeros julgamentos em tribunais
diversos e pelos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) que a
palavra dos delatores não deve ser interpretada como prova, mas sim como
um mero passo para a obtenção dela. Ou seja, um meio para se chegar a
um fim. Na denúncia, Janot transformou-a em meio e fim ao mesmo tempo.





Nesse tópico, é curioso ver que um dos testemunhos citados é o do
ex-senador Delcídio do Amaral. Ora, a mesma delação é hoje alvo do
Ministério Público Federal do Distrito Federal, para quem o acordo deve
ser revogado porque o ex-senador teria contado mentiras. Na hipótese de a
Justiça acolher o pedido de anulação, como ficariam as citações de
Delcídio na nova denúncia?



NARRATIVA EXTENSA





A peça de Janot sofre de um gigantismo, doença que provoca o crescimento
desproporcional de membros de uma pessoa, talvez incurável. Com suas
245 páginas dignas de um livro, traz mais de uma centena de nomes de
pessoas e empresas, diferentes situações e episódios separados no tempo e
no espaço estrelados por diferentes personagens.





A escolha por essa narrativa grandiloquente tem como efeito colateral
colocar em segundo plano outros crimes sobre os quais ele poderia ter
mais provas e sucesso, como a obstrução de Justiça que emana da conversa
gravada pelo empresário Joesley Batista. Em vez de focar no que era
possível, mesmo que um "crime menor", e disso tentar extrair uma
condenação, Janot optou por uma visão geral da situação. Esse problema,
vale dizer, é o mesmo do relatório de mais de 490 páginas do delegado da
PF Marlon Cajado.





O gigantismo também marca a própria proposta ambiciosa da peça de Janot.
Recheada de adjetivos, pretende provar que o PMDB não passa de uma
organização criminosa. É construída uma "narrativa", expressão usada por
Janot em um seminário de jornalistas em julho, em São Paulo, que faz
muito sucesso em redes sociais em tempos de discussão apaixonada e
polarizada, mas flerta com a criminalização da política.





Para comprovar a tese, Janot comete humor involuntário. Cita, por
exemplo, 9.523 ligações telefônicas trocadas entre os ex-deputados
Eduardo Cunha e Henrique Alves de 2012 a 2014. Esse dado está no
seguinte tópico: "A associação criminosa: gênese, estrutura e modo de
operação".





Visto acriticamente, o dado chama a atenção —foi até exibido no "Jornal
Nacional" desta quinta-feira (14)—, mas a rigor não significa
absolutamente nada, pois os membros de partidos políticos devem se falar
todos os dias, em todos os cantos do país, a todo tempo. É
constrangedor ter que lembrar a um procurador da República que conversar
é fazer política. Partidos são agremiações formadas por pessoas mais ou
menos espertas que conversam entre si o tempo todo em torno de
objetivos comuns.





Janot faz afirmações de difícil comprovação, que não resistem a um olhar
crítico. Escreveu, por exemplo, que os valores relacionados a Geddel e
apreendidos na Bahia "certamente guardam relação direta com os esquemas
ilícitos operados pelos denunciados". Frases soltas assim, sem qualquer
cuidado ou amparo, reforçam a triste sensação de que a montanha pariu um
rato.





O uso de depoimentos
tomados em delação premiada para a base de uma denúncia é extremamente
perigoso e deveria ser alvo de preocupação por todos que se interessam
por crime, Justiça e impunidade. Delatores, como se sabe, são pessoas
que querem se livrar de acusações e de prisões e por isso podem sim, a
qualquer momento e sem o menor pudor, inflar acusações, transformar
dúvidas em certezas e construir cenários apenas para agradar o acusador.
O mesmo acusador que poderá lhe dar um singelo perdão judicial.





As pessoas podem indagar: "Como é possível uma pessoa inventar uma
acusação que a incrimina?" Há, porém, inúmeros exemplos muito bem
documentados de que isso não é só possível como comum, um fenômeno já
batizado de "falsas confissões" que atrai a atenção de estudiosos mundo
afora (uma nova série documental do canal Netflix, "The Confession
Tapes", expõe essa realidade perturbadora). Pressionada por horas a fio
por interrogadores habilidosos, uma pessoa passa a admitir atos que
simplesmente nunca cometeu.





Agora, se uma pessoa pode acusar a si própria com uma inverdade,
imaginemos o que um preso acuado pode dizer sobre terceiros. Pode tudo,
na verdade. É por isso que a lei estabelece a palavra do delator como
meio de obtenção da prova. Encurtar esse caminho, como pretende Janot,
ou seja, valorizar uma delação no lugar de uma prova não obtida, é
receita para um desastre judicial.





A palavra de um delator tem peso, claro, para compreensão dos fatos,
para iluminar caminhos e apontar operadores, esquemas e contas
bancárias, e tem também um valor histórico, mas é insuficiente para
embasar uma ação penal. Insistir nesse tipo de prova pode ser, a longo
prazo, um estímulo à impunidade.

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