domingo, 17 de setembro de 2017

ConJur - Regra que permite ao MP ignorar ação penal gera controvérsias

ConJur - Regra que permite ao MP ignorar ação penal gera controvérsias



A permissão dada pelo Conselho Nacional do Ministério Público para
que o MP desista da persecução penal em troca da confissão de suspeitos,
em crimes sem violência ou grave ameaça, não foi bem recebida por
operadores do Direito consultados pela ConJur.

A possibilidade está delimitada em resolução que cria regras padronizadas para promotores e procuradores que desejam fazer investigações por conta própria. A norma, publicada na sexta-feira (8/9)
e assinada pelo presidente do CNMP, o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, permite acordos para leque abrangente de crimes, desde
que o dano seja inferior a 20 salários mínimos (R$ 19,5 mil).

Para o advogado Leonardo Sica,
a regra é ilegal na forma – deveria passar pelo Congresso – e no
conteúdo – contraria o artigo 42 do Código de Processo Penal, que impede
o Ministério Público de desistir da ação penal. “Parece que a
instituição se apegou ao objetivo de extrair confissões a qualquer
custo. A medida também pode ser encarada como uma maneira de poupar
esforços: seus membros querem investigar, mas não ter o trabalho.”

O advogado Luiz Flávio Borges D'Urso afirma
que a novidade cria uma instituição “superpoderosa”, que ao mesmo tempo
investiga, acusa e agora define a pena, sem nem sequer passar por
homologação judicial ou outra forma de controle.

O criminalista Alberto Zacharias Toron
considera “assustador” dar tamanho poder para um órgão do MP fixar esse
tipo de regra, sem debate legislativo. “É de se perguntar se uma
resolução pode invadir a esfera de competência da lei assim de forma tão
acintosa.”

A diretora da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) em São Paulo, Tânia Prado, também avalia que o conselho resolveu legislar sobre processo penal, contrariando a Constituição Federal.

“O
MP está alucinado para ter o exclusividade do poder investigatório, de
modo a controlar todas as diligências e ter a polícia como mero braço
operacional”, criticou, lembrando ainda que o instituto da transação
penal (plea bargain, em inglês) não está previsto na Lei 12.850/2013, sobre o uso da delação premiada para combater organizações criminosas.

Ainda sobre o plea bargain, o criminalista e professor Fernando Hideo Lacerda
criticou o fato de o instituto ser permitido por meio de mera
resolução. O advogado se diz preocupado com a situação, pois o MP
“confere a si mesmo poderes soberanos totalmente incompatíveis com a
Constituição Federal e com uma mínima noção republicana”.

“O
Ministério Público atribuiu a si mesmo o poder de escolher quem vai ser
investigado, até mesmo de ofício; designar internamente quem vai ser o
investigador; e definir livremente como vai ser conduzida a
investigação, decidindo discricionariamente quais depoimentos vai ou não
transcrever nos autos e quais provas vai ou não dar acesso ao
investigado."

Outro problema que pode surgir dessa nova permissão,
disse Lacerda, é o MP instaurar “persecução patrimonial” contra o
investigado independentemente de apuração da conduta e “arquivar, sem
controle judicial, o procedimento que ele mesmo instaurou e conduziu de
forma totalmente discricionária”. A falta de controle também preocupa a
diretora da ADPF paulista.

Em artigo publicado neste domingo (10/9) na ConJur, o advogado Fabrício Campos
afirmou que o CNMP definiu regras de competência da União ao conferir
esse novo poder ao Ministério Público. “É o correspondente, no campo do
Direito Penal e do processo penal, da imagem que imortalizou Napoleão
Bonaparte, pintada por Jacques-Louis David: o imperador apanha a coroa
das mãos de Pio VII e a coloca, ele próprio, sobre sua cabeça”,
escreveu.

De acordo com o advogado, o acordo de não-persecução
“estende e retorce, a critério do Ministério Público, medidas
despenalizantes" encontradas na Lei 9.099/1995 nos casos em que o ato só
seria permitido com homologação judicial. "Trata-se, portanto, de
iniciativa que cria verdadeiros critérios de despenalização,
colocando-os nas mãos do Ministério Público e sem qualquer participação
do Poder Judiciário.”

Divergência

O procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, membro
do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, avalia que a
resolução está dentro dos poderes do CNMP, como órgão normatizador de
procedimentos para a classe.

Segundo ele, a não-persecução penal
pode ajudar a tornar o Judiciário mais eficiente ao evitar que casos sem
violência e com réu confesso tramitem por longo período. O procurador
diz que o texto segue um interesse “mais moderno” do próprio Ministério
Público brasileiro de implantar a discricionariedade da ação penal.

O promotor Fauzi Hassan Choukr é
favorável à discricionariedade, mas avalia que esse espaço deveria ser
definido pela reforma do Código de Processo Penal, em discussão na
Câmara dos Deputados desde 2010.

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