quarta-feira, 4 de junho de 2014

A onda de mau humor

A onda de mau humor - Jornal O Globo

Zuenir Ventura

A onda de mau humor

Reclamam sem saber bem de quê, em geral, de
‘tudo isso que está aí’, com prazer masoquista. Hoje o pretexto é a
Copa, seriaoutro se não houvesse esse

Algumas pessoas já
perceberam que uma onda de mau humor nos atingiu. O sociólogo italiano
Domenico De Masi, admirador e estudioso do Brasil, aonde vem com
frequência, declarou em entrevista que o país está “deprimido”, e sem
motivo para isso, pois acha que poucas nações avançaram tanto nesses
últimos 30 anos. Ele acredita que podemos contribuir para a construção
de um modelo de vida universal, “baseado na miscigenação, na sabedoria,
na beleza e na harmonia”. E, eu acrescentaria, na vocação para a
alegria. O humorista Tutty Vasques, que faz crítica com graça, a exemplo
do Chico Caruso, também acha que o clima está pesado, tanto que tem
medo de rir em público e ser advertido por alguém: “Está rindo de quê?” A
campeã olímpica de judô, a francesa Lucie Décosse, passando por aqui,
observou: “As pessoas estão muito irritadas; todo dia tem uma greve!”
Uma amiga chegou a classificar de “núcleos de entusiasmo” os grupos que
ainda teimam em contrariar a moda da cara emburrada. Até Alice anda
irascível porque continua sem resposta para a pergunta “quem manda no
mundo?” Ela deve estar querendo fazer também alguma reclamação. Outro
dia contei aqui histórias de um motorista de táxi bem-humorado e
otimista. Pois bem, um leitor achou que se tratava de um “personagem
inventado” e um repórter da TV Bandeirantes entrevistou-o por ser uma
raridade.

Muitos nos acusam, a nós, jornalistas, de contribuir
para o pessimismo atual, com a suposta crença de que nós achamos que
notícia boa é notícia ruim. Pode ser, mas, se isso é verdade, encontra
eco entre os leitores que gostam de não gostar. De Masi, numa reunião
informal, quis a opinião dos presentes. Alguém aconselhou-o a perguntar
também a um psicanalista, porque, ao lado das justas motivações, há
aquelas internas, autoinsatisfações, que nem sempre têm a ver com o que
acontece do lado de fora. Há queixosos que reclamam sem saber bem de quê
— em geral, de “tudo isso que está aí” —, com evidente prazer
masoquista. Hoje o pretexto é a Copa, mas seria outro se não houvesse
esse.

Os indignados que acreditam na eficácia do ranger de dentes e
da crispação ou nos muxoxos e na rabugice esquecem que ridicularizar
pelo riso funciona mais do que xingamento. E, além do mais, estudos
médicos revelam que mau humor faz mal à saúde, porque libera a
adrenalina, que eleva a tensão arterial e aumenta o nível de açúcar no
sangue. Já o indivíduo bem-humorado produz endorfina, o hormônio que
relaxa e estimula o bem-estar.

Se não bastassem todas essas
desvantagens, o mau humor apresenta o risco de ser viral, de contagiar. A
gente acaba falando contra ele com mau humor, como desconfio que fiz
nesta coluna — e não só nesta


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