A sagração dos idiotas
20 de junho de 2014 | 11:55 Autor: Fernando Brito
Algumas vezes, desanimo.
O tempo pesa e nos faz procurar o que é mais confortável para o corpo e a mente doídos pelos anos.
Não vivo para lutar, porque não sou um selvagem.
A civilização tem, entre suas virtudes, permitir a contemplação, o encantamento, a tolerância.
Com os outros, sobretudo, porque se não sou um selvagem, sou capaz
de amar além do que amam os animais: a si, a seu par, a sua prole, seu
grupo, todos projeções de si mesmos.
Quando nos civilizamos, deixamos de competir para colaborar e é por
isso que compreendo o capitalismo como a negação do processo
civilizatório.
Também não vivo para ser dono, porque – ah, que bom o sic transit gloria mundi - não sou um selvagem que depende da defesa de seu território vital, a Lebensraum maldita do nazismo.
Mas sou um ser humano real, que convive com contas, supermercado,
prestações, amores, desencontros e cinco malditos comprimidos cardíacos e
correlatos, que todo dia faço força para lembrar e mais ainda para
esquecer.
Sei que o mundo ideal – e olhe lá – só pode existir dentro de mim e de meus sonhos, assim mesmo corrompido pelo egoísmo.
Quando a gente envelhece, tende a se atribuir um excelência que não
se tem, uma perfeição que não se alcançou, uma lucidez que é apenas um
autoelogio.
Devo estar errado sobre muita coisa, portanto. O que é, aliás, uma das poucas certezas que tenho.
Das outras, apenas algumas, bem esquisitas nesse mundo de hoje.
Uma delas fui descobrir que aprendi ainda criança, lendo Monteiro
Lobato – que pena que todos os meninos não o leiam mais – quando a
boneca Emília “ensina” Hércules a vencer o gigante Anteu, rei da Líbia, a
quem ninguém jamais batera em luta, mandando que o levantasse sobre
sua hercúlea cabeça.
É que Anteu era filho de Gea, a Terra, e era pelos seus pés no chão que lhe vinham as energias invencíveis.
É por isso que nunca cri em arrogantes, em tecnocratas, em falsos
sábios que não amavam e sentiam seu povo, porque ser um povo é o chão
humano.
Manter-se ligado a ele não é, necessariamente, algo físico.
Mas são raros os privilegiados que conseguem fazê-lo vivendo nos círculos de poder e dinheiro.
Lula, Brizola, quem mais?
Creio, sim, que a esquerda vencerá esta eleição.
Mas pela regra irônica de Millôr Fernandes de que mais importante do que ser genial é estar cercado por medíocres.
Passado o necessário pragmatismo da batalha eleitoral – porque é no
voto popular que está a via da mudança – creio que será necessário que
Lula – que é a referência que restou deste processo de canibalização de
ideias que sempre acompanha os períodos de poder – seja o líder um
movimento de oxigenação da esquerda que se tornou vital para sua
sobrevivência.
Curiosamente, uma renovação pelo que sobrou daqueles que não perderam
ao contato de seus pés com o chão e, por isso, mantém suas cabeças na
altura dos sonhos.
E que negue, com toda a força e delicadeza de que é feita a
civilização humana, a lógica infame que se construiu neste país onde os
idiotas são consagrados como modelos.
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