domingo, 22 de junho de 2014

A sagração dos idiotas

A sagração dos idiotas | TIJOLAÇO | 


A sagração dos idiotas

20 de junho de 2014 | 11:55 Autor: Fernando Brito






Algumas vezes, desanimo.


O tempo pesa e nos faz procurar o que é mais confortável para o corpo e a mente doídos pelos anos.


Não vivo para lutar, porque não sou um selvagem.


A civilização tem, entre suas virtudes, permitir a contemplação, o encantamento, a tolerância.


Com os outros, sobretudo, porque  se não sou um selvagem, sou capaz
de amar além do que amam os animais: a si,  a seu par,  a sua prole, seu
grupo, todos projeções de si mesmos.


Quando nos civilizamos, deixamos de competir para colaborar e é por
isso que compreendo o capitalismo como a negação do processo
civilizatório.


Também não vivo para ser dono, porque – ah, que bom o  sic transit gloria mundi - não sou um selvagem que depende da defesa de seu território vital, a Lebensraum maldita do nazismo.


Mas sou um ser humano real, que convive com contas, supermercado,
prestações, amores, desencontros e cinco malditos comprimidos cardíacos e
correlatos, que todo dia faço força para lembrar e mais ainda para
esquecer.


Sei que o mundo ideal – e olhe lá – só pode existir dentro de mim e de meus sonhos, assim mesmo corrompido pelo egoísmo.


Quando a gente envelhece, tende a se atribuir um excelência que não
se tem, uma perfeição que não se alcançou, uma lucidez que é apenas um
autoelogio.


Devo estar errado sobre muita coisa, portanto. O que é, aliás,  uma das poucas certezas que tenho.


Das outras, apenas algumas, bem esquisitas nesse mundo de hoje.


Uma delas fui descobrir que aprendi ainda criança, lendo Monteiro
Lobato – que pena que todos os meninos não o leiam mais – quando a
boneca Emília “ensina” Hércules a vencer o gigante Anteu, rei da Líbia, a
quem ninguém jamais batera em luta, mandando que o  levantasse sobre
sua hercúlea cabeça.


É que Anteu era filho de Gea, a Terra, e era pelos seus pés no chão que lhe vinham as energias invencíveis.


É por isso que nunca cri em arrogantes, em tecnocratas, em falsos
sábios que não amavam e sentiam seu povo, porque ser um povo é o chão
humano.


Manter-se ligado a ele não é, necessariamente, algo físico.


Mas são raros os privilegiados que conseguem fazê-lo vivendo nos círculos de poder e dinheiro.


Lula, Brizola, quem mais?


Creio, sim, que a esquerda vencerá esta eleição.


Mas pela regra irônica de Millôr Fernandes de que mais importante do que ser genial é estar cercado por medíocres.


Passado o necessário pragmatismo da batalha eleitoral – porque é no
voto popular que está a via da mudança – creio que será necessário que
Lula – que é a referência que restou deste processo de canibalização de
ideias que sempre acompanha os períodos de poder – seja o líder um
movimento de oxigenação da esquerda que se tornou vital para sua
sobrevivência.


Curiosamente, uma renovação pelo que sobrou daqueles que não perderam
ao contato de seus pés com o chão e, por isso, mantém suas cabeças na
altura dos sonhos.


E que negue, com toda a força e delicadeza de que é feita a
civilização humana,  a lógica infame que se construiu neste país onde os
idiotas são consagrados como modelos.

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