sábado, 21 de junho de 2014

Abutres, coveiros e goiabas

Abutres, coveiros e goiabas - Carta Maior

Abutres, coveiros e goiabas

A campanha nacional e internacional contra o Brasil e os
brasileiros disseminou três tipos de detratores do nosso país: abutres,
coveiros e goiabas.




Flávio Aguiar



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A campanha nacional e
internacional contra o Brasil e os brasileiros disseminou três tipos de
detratores do nosso país: abutres, coveiros e goiabas.

1. Os abutres

São
os mais ideológicos de todos. No plano internacional têm sido puxados
por The Economist e Financial Times. Para eles o Brasil se assemelha a
uma valiosa cariniça a ser saqueada. O valor da carniça aumentou muito
desde as descobertas na camada atlântica do pré-sal. Muitos deles mantém
uma pretensa elegância, muito própria para quem gosta de usar ternos de
grife no trabalho. Seu estilo preferido é o prosaico analítico, com
direito, vez por outra, a certos sarcasmos pesados, que eles vêem como
mera ironia, como a de comparar a nossa presidenta a Groucho Marx.
Adoram elogiar o México e a Aliança do Pacífico, como “respostas” ao
Brasil e o Mercosul. No fundo, no fundo, o que queremé garantir o máximo
possível de renda para o capital rentista e a parte do leão das
riquezas brasileiras, passadas, presentes e futuras para ele. Às vezes
animam gente mais grosseira, como no caso das vaias VIP, no Itaquerão.
Mas aí começamos a entrar
 no segundo grupo.

2. Os coveiros

De
um modo geral, são aqueles detratores que, no fundo, bem no fundo,
acham que nasceram no país, na latitude e na longitude erradas, além do
fuso horário trocado. Latitude errada: nasceram no hemisfério sul.
Longitude errada e fuso horário trocado: a hora da nossa capital não é a
mesma de Washington, nem de Londres, nem de Paris. Grosso modo,
dividem-se em dois grupos. O primeiro simplesmente detesta o país em que
nasceu. Não suporta olhar pela janela e ver bananeiras ao invés de pine
trees. Detesta até ver palmeiras ao invés de palm trees. São os
detratores de sempre, os que se ufanam da Europa e dos Estados Unidos e
que pensam que o nosso povo é desqualificado para ser um povo. Sua
abrangência é nacional, mas também aparecem alguns no plano
internacional. Ouvi durante seminário recente aqui em Berlim que o
Brasil é um país que não tem cultura, só tem música e samba. Não sei
exatamente o que a pessoa em questão, que não era brasileira, entendia
por “cultura”, “música” e “samba”, mas sei muito bem o que ela entendia
por ”Brasil”: um bando de gente nu por fora e por dentro, mais ou menos
como os primeiros europeus viam os índios quando chegaram para
conquistá-los e dizimá-los. São e serão os coveiros de sempre. O segundo
grupo pegou carona na campanha dos abutres. Gosta de falar mal do
Brasil de agora, este que aí está, com pleno emprego e melhora na
repartição de renda. Quer dar a volta no relógio e no calendário, nos
ajustar de novo ao tempo em que pobre era miserável e miserável não era
nada. Acha que pode garantir de novo os aeroportos só para si. Mas é um
grupo que gosta de falar também em generalidades. Se dentro do Brasil,
usa o pronome nós (“nós somos corruptos”, “nós somos violentos”, “nós
somos ineficientes”, etc.), mas é um “nós” que tem o valor de “eles”,
pois só vale da boca para fora.
É uma verdadeira proeza gramatical.
Pois o distinto coveiro deste grupo se apresenta, explícita ou
implicitamente, como uma exceção. Os estilos preferidos variam: vão do
insulto grosseiro à lamentação sutil. Os coveiros deste grupo costumam
ter um alvo preciso, que copiam dos abutres: no momento atual, a eleição
de outubro. Já os coveiros do primeiro grupo não têm alvo preciso, a
não ser o de fazer compras em Miami (alguns) ou passear de bonde ou
ônibus nas capitais europeias enquanto faz campanha contra corredores de
ônibus nas cidades brasileiras.

3. Os goiabas

Este
é um grupo mais variegado. Seu estilo varia entre a euforia e a
lamentação. Mas são plagiadores profissionais. Copiam sem restrição tudo
o que lhes é servido pelos abutres e os coveiros. Repetem
entusiasticamente: “o gigante acordou em junho do ano passado”. Ou
chorosamente: “a Copa do Mundo no Brasil tirou dinheiro das escolas e
dos hospitais”. E repetem firmes outras condenações peremptórias, como
“a de que os estádios ficarão necessariamente ociosos depois da Copa”.
São muito numerosos, barulhentos, tanto dentro como fora do país. Também
repetem-se muito entre si mesmos, achando que estão sendo originais.
Gostam de dizer que estão “mostrando o verdadeiro Brasil” ao nos
detratar como um país imóvel, que não tem entrada nem saída.

Os
grupos ficaram martelando – mais os coveiros, os goiabas e, mas com a
reza em voz baixa a seu favor vinda dos abutres internacionais e também
com as vezes a reza em voz alta dos abutres nacionais – que a Copa não
ia dar certo, que seria um fracasso, que os aeroportos iam entrar em
colapso, que as cidades (e o metrô de S. Paulo no dia da abertura) iriam
parar, etc.

Deram com os burros n’água. Cavaram a própria cova e
esqueceram de levar uma escada de saída. Ainda esperam que “algo”,
alguma catástrofe, qualquer coisa, aconteça até o final da Copa. Depois
deste final, vão tentar uma de duas: se o Brasil ganhar a Copa, vão
dizer que o nosso povo é um bando de babacas que só sabem correr atrás
da bola quando vêem uma. Se o Brasil perder, vão insistir na ideia de
que o governo jogou dinheiro fora. Vamos ver o que vai acontecer.

Antes
de encerrar, quero esclarecer que “abutres”, “coveiros”, “goiabas” e
até “burros n’água” são apenas metáforas literárias, que não deve ser
lidas literalmente. Nada tenho contra os abutres que, como os urubus,
ajudam a manter a limpeza no seus espaços; nem contra a operosa classe
dos coveiros, tão socialmente valiosos como qualquer outra profissão
laboriosa; muito menos contra as goiabas, frutas deliciosas como tantas
outras; e certamente na da contra os pacientes burros da vida real, que
nada têm de burros. Burros, neste último sentido, apesar de alguns se
acharem espertalhões, são os “abutres”, os “coveiros”, e os “goiabas”.

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