domingo, 15 de junho de 2014

O novo nome da barbárie na política brasileira - Carta Maior

Aécio é o novo nome da barbárie na política brasileira - Carta Maior

Foi Vivianne Forrester em seu belo livro "Horror econômico" quem nos
ensinou, definitivamente, que a legitimação de um ato de barbárie é mais
grave ainda do que o ato em si. O livro foi escrito sob este sentimento
civilizatório de indignação quando leu a notícia, típica da era
neoliberal, que as ações de uma tal empresa subiram de valor após ela
ter iniciado um programa de demissão em massa de trabalhadores. Para um
economista neoliberal, como é Aécio Neves, isto seria  um promissor
“choque de gestão”.

Mais do que a legitimação – a comemoração –
com que Aécio Neves comentou publicamente em São João Del Rei, do solar
da casa de seu avô, a agressão a Dilma Roussef não deve ser banalizada
nem esquecida. “Talvez a forma não tenha sido a melhor para expressar
esse mau humor, essa discordância. Mas o fato é que vale o ditado. Acho
que ela colheu um pouco aquilo que plantou nos últimos anos. Alguém que
governa com mau humor permanente, com enorme arrogância, sem dialogar
com a sociedade brasileira, achando que por ter a caneta na mão pode
tudo.”

A declaração inaceitável para um homem público poderia
gerar vários comentários. O primeiro deles  é que a mentira extrema
parece ser o modo típico de Aécio Neves mentir. Como opera sempre, na
linha  de uma certa publicidade, como a Coca Cola enche sempre a sua
propaganda de saúde e de vida. Pois o partido de Aécio Neves, junto com o
DEM e o PPS, está  justamente tentando derrubar no Congresso Nacional
uma lei que institucionaliza a participação popular no governo federal.

O
segundo comentário é que seu avô – certamente  ao contrário do neto –
repudiaria a agressão inominável e pública a uma presidente brasileira
democraticamente eleita. Isto não fazia parte da melhor tradição liberal
conservadora do PSD mineiro.

Uma terceira observação é que a
expressão “colheu o que plantou” apareceu simultaneamente na boca de
Eduardo Campos, falando em campanha para a rádio CBN. Tanta coincidência
parece combinada. Mas aqui vale o reiterado sempre por Lula: o neto de
Arraes está hoje descentrado, não sabe hoje bem o que é e o que não é em
seu trânsito incerto em busca de um personagem que talvez nem exista.

Mas
Aécio, não: ele bem colheu o que tanto plantou. O discurso do ódio ao
PT, à Lula e à Dilma, é tão orgânico a sua candidatura como a Rede Globo
ou o Banco Itau.  Este ódio, a princípio, não tem limites como todo
fenômeno extremo na política. Na cena da abertura da Copa, ele veio à
tona.

Os que agrediram Dilma de forma tão machista são os mesmos 
que na escravidão e  depois dela , sem trabalhar, insultavam  e
insultam os negros de preguiçosos e vadios. É a mesma voz dos que
alertam que o salário-mínimo está alto demais e que algo precisa ser
feito antes que seja tarde, como disse Armínio Fraga, principal
consultor econômico de Aécio Neves. Ou  que proclama que o Brasil não é
capaz nem deve realizar uma Copa do Mundo.

Ressentimento do mundo


na cultura política brasileira o hábito de transigir, perdoar e
esquecer.  No país em que a presidente foi torturada durante uma
ditadura militar, ainda não prevalece o direito internacional de que os
crimes contra a humanidade não prescrevem.

Não devemos transigir,
perdoar ou esquecer o gesto público de Aécio Neves ao legitimar e até
comemorar o inominável. Fazer isso é permitir que um sentimento extremo
da barbárie continue a crescer na cena pública da democracia brasileira.

Pois se até isso é permitido, legitimado e comemorado pelo candidato oficial da oposição neoliberal, o que virá depois?

É
o oposto o que devemos agora fazer.  Como uma cena que
surrealisticamente escapa às manchetes  dos jornais, das revistas, das
tevês e das rádios, as ruas estão  vivas e pulsando um sentimento
genuíno de alegria verde e amarela. Quando o nacional se faz popular à
contra-discurso, este sentimento, mais do que nunca, é esquerdo.

Assim,
quanto mais extrema a barbárie, mais alta, cívica, republicana, popular
e socialista democrática deve ser a nossa atitude.

Por esta
razão, nenhum mineiro digno pode consentir que Aécio fale ao Brasil em
nome de todos os que nasceram em Minas e são filhos de sua tradição de
liberdade.  Se a vida de Dilma Roussef  encarna uma vera inconfidência –
a sua memória ,hoje pública,  logo assimilou a agressão verbal
inominável  à tortura que sofreu nos cárceres da ditadura - , o
sentimento de Aécio se parece ao de seus algozes.

Não há aí
nenhum sentimento do mundo, na linha humanista radical de Drummond. Mas
só o ressentimento, este “oceano sem água”, dos que temem perder os
privilégios.

(*) Cientista político, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

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