Ricardo Melo
O PT diante do espelho
Boa parte das dificuldades do partido decorre da assimilação de práticas que colocam a legenda no mesmo plano das outras
Convenções para sacramentar candidatos costumam ser cerimônias de saudação a bandeiras e de reafirmação de princípios conhecidos. O evento
do PT, que oficializou Dilma Rousseff, no essencial manteve o figurino.
Alguns momentos chamaram a atenção. O discurso de Lula conclamando a
militância a entrar em campo soou como um mea culpa desses anos todos em
que o partido está no poder. Anos em que o PT praticamente desmontou a
estrutura deliberativa que o diferenciava dos demais.
Os congressos pouco a pouco se transformaram em centrais de referendo de
decisões já tomadas. Núcleos, diretórios e encontros foram esvaziados.
Os petistas da base, antes convocados rotineiramente para opinar sobre
os destinos da legenda, passaram a ser solicitados sobretudo em momentos
eleitorais. Mesmos nestes, o partido muitas vezes recorreu a militantes
pagos, contrariando suas origens.
Tolice pensar que, uma vez no governo, o PT pudesse dispensar colóquios
de gabinete e acordos partidários. Mas a amplitude de certas
composições, assim como o esvaziamento do poder decisório da base,
engessou o partido, entupiu suas artérias e afastou os filiados. A perda
desse contato ficou evidente nas manifestações de junho passado.
O próprio Lula já admitiu: boa parte das dificuldades do PT decorre da
assimilação de práticas que colocam a legenda no mesmo plano das outras.
Reconhecer o problema não é sinônimo de sua solução; é apenas um passo.
A direção corre atrás do tempo perdido.
Capital acumulado existe. Com todos os erros e tropeços, governos do PT
registram um inegável histórico de realizações na luta contra as
desigualdades. A combinação de políticas anticíclicas com a ênfase nas
questões sociais ajudou o país --ou seja, seu povo-- a atravessar um
período turbulento. Esse patrimônio explica tanto a permanência no poder
como a dianteira de Dilma nas pesquisas, mesmo bombardeada
impiedosamente. Ingenuidade esperar, no entanto, que isso por si só
assegure o presente e garanta o futuro.
Queira ou não, o Brasil faz parte de um ambiente internacional cujas
variáveis não controla. Se a economia do planeta patina, mais cedo ou
mais tarde sobra para nós. Não vivemos num sistema onde todos ganham
sempre e ao mesmo tempo. No Brasil, isto só aconteceu em certo momento
porque a disparidade é tamanha que melhorar a vida dos mais humildes não
implicou prejuízo sensível para os mais ricos --pelo contrário. As
estatísticas sobre a evolução de fortunas tropicais são categóricas a
respeito.
Mas a gordura é finita. Cada vez mais é necessário partir para opções
corajosas, mesmo nos limites da chamada economia de mercado. É uma
escolha ideológica, sem dúvida. A tal busca da eficiência, do
equilíbrio, do ajuste perfeito não passa de quimera acadêmica para
encobrir alternativas fadadas a anular avanços sociais.
Por aqui também valem as palavras de gente como Paul Krugman ao analisar
a situação europeia e as políticas draconianas de austeridade. Como se
sabe, ele é tão bolchevique como são soviéticos os conselhos consultivos
propostos em recente decreto governamental. Diz Krugman: "O hábito da
elite europeia de disfarçar a ideologia como conhecimento especializado,
de fingir que aquilo que ela deseja fazer é aquilo que precisa ser
feito, criou um deficit de legitimidade. A influência da elite repousa
em uma presunção de conhecimento superior; quando surge prova de que
essas alegações de superioridade são falsas, ela não tem onde se
apoiar".
Em outras palavras, alguém tem que ceder. A dúvida é saber se o PT está
mesmo disposto a aprofundar um modelo favorável aos mais pobres ou se,
em nome de alianças difusas e postos de governo, imagina seguir em
frente na base do banho-maria.
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