Antonio Machado: Doutor não enxerga veneno no jornal que lhe paga salário
publicado em 21 de junho de 2014 às 23:14
O discreto ódio de Elio Gaspari
por Antonio Machado*
O discurso da direita é obtuso, sinuoso, embiocado. Ora mais, ora
menos, mas inevitável e necessariamente. Afinal, de que outra forma
defender uma injustiça, justificar o indefensável?
Em sua coluna de quarta-feira na Folha de S.Paulo, o
jornalista Elio Gaspari resguarda os xingadores da presidente da
República – a doutora Dilma, como ele a chama –, já tão repreendidos
pela mídia independente. “Argumente-se que o grito foi típico da
descortesia dos estádios”, pondera.
A intenção já se define pelo título: “O ódio ao PT e o ódio do PT”
(http://naofo.de/g0r). Gaspari, experimentado, não endossa o coro dos
desaforados.
Se os protege, é com cautela – e sem apologia, é claro. Põe-se de
fora, pretensamente alheio ao ódio manifestado de parte a parte.
Cita comentários de internet e conclui: “Se a rede for usada como
posto de observação, os dois ódios equivalem-se e pouco há a fazer”.
Alto lá! Não é o anonimato da rede que deve ser tomado como posto de observação, mas a própria imprensa, a própria Folha.
A imprensa e as declarações de gente pública como Paulinho da Força,
Aécio Neves, na linha do “colheu o que plantou”, “mandou para onde tinha
que mandar”.
À bem da verdade, o mal não seria propriamente o ódio, mas como ele se manifesta, de quem vem, a quem se dirige e por quê.
Ou o doutor, do alto de sua imparcialidade, acha que odiar o pobre
que anda de avião – para usar um exemplo batido, que é também o dele –
equivale a odiar o rico que se queixa do aeroporto que virou rodoviária?
Não digo que pertença à elite todo aquele que não gosta do PT. Há até
ricos que gostam e outros que, não sendo, dele não gostam justamente
por julgarem-no elitista. Mas o leitor da Folha sabe porque ela não gosta do PT.
Na quinta-feira, outra vez no estádio do Corinthians, o jornalista
José Trajano, da ESPN, homem de 68 anos, se preparava para entrar ao
vivo quando foi chamado de “petista filho da p*” e ameaçado de morte.
A exclamação veio de um torcedor de 30 anos, um e noventa de altura, que avançava sobre as grades que o apartavam da imprensa.
Parêntese. Coisa de um mês atrás, o amigo que presenciou e relatou a
referida cena é quem foi a vítima. Repreendeu um desconhecido que
atirava um folheto no chão e ouviu de volta: “Vai se f*, seu comunista!
Comunista! Você é um petista, seu petista!” (http://bit.ly/TfCGil)
Voltando ao caso do Trajano, seria só uma ocorrência avulsa, embora
corriqueira; um desvario como o daquele que hostilizou Joaquim Barbosa.
Novo parêntese.
O mesmo sujeito que ultrajou Barbosa foi atacado pelo senador Aloysio
Nunes no Congresso Nacional, num episódio que chamou bem menos atenção
(http://bit.ly/1lTtyqc).
A’O Globo, o senador ainda avisou: “Só não dei um pescoção porque ele correu mais do que eu!” (http://naofo.de/g0v)
Pois seria só mais uma, não fosse a campanha de ódio contra Trajano
promovida por Reinaldo Azevedo, blogueiro e colunista da mesma Folha – aliás, escalado pelo jornal para comentar as “palavras não muito gentis à presidente” – e levada às últimas por sua claque.
Desnecessário reproduzir os impropérios de Azevedo a Trajano,
mencionado em nada menos que seis postagens do autor. Quem o conhece
pode imaginar.
Não se sabe ao certo o que despertou a ira do blogueiro: se o fato de
Trajano reprovar a grosseria contra Dilma, de “pagar pau aos
esquerdistas” ou de dizer que Azevedo é semeador de ódio
(http://bit.ly/1uMfu7q).
Pelo tamanho da reação, bastava ter se referido a Dilma como presidenta para merecer uma alusão injuriosa.
A verdade é que Gaspari está mais perto do que gostaria de Azevedo; ambos do mesmo lado, em papeis complementares.
Se o doutor ainda não sabe, já é tempo de saber, na origem, conteúdo e
forma, o que difere o ódio antipetista da revolta contra a elite e
contra quem a representa.
* É jornalista
PS do Viomundo: A Folha é aquela que, em plena campanha eleitoral de 2010, publicou na capa uma ficha falsa da candidata Dilma
e, em seguida, entrou em crise existencial por não descobrir se era
verdadeira a falsidade; antes, foi o jornal que publicou na primeira
página artigo de um psicanalista aeronauta acusando o governo Lula do homicídio de 200 pessoas num acidente aéreo cuja causa foi erro dos pilotos; deu espaço à tese de Lula estuprador na cadeia; espalhou o pânico com uma falsa epidemia de febre amarela e, mais tarde, dizimou milhares que ainda vivem com a gripe suína; depois de tudo isso, adotou a tese de que os blogueiros “espalham ódio”. É pra rir, né?
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