1º de Maio: a encruzilhada brasileira
Ainda
há tempo de esclarecer à sociedade o verdadeiro divisor de águas desta
eleição. Essa é a atualidade do 1º de Maio de 2014.
O jogral do Brasil aos cacos
esforça-se por convencer a sociedade de que seus pés tateiam o
precipício no qual o PT transformou tudo aquilo que um dia já foi uma
economia de fundamentos sólidos, um país de vida aprazível.
Narra-se o Brasil abanando leques para os donos da casa-grande.
Dá-se a isso o nome de jornalismo; o resto é ideologia.
A
sofreguidão prestativa mistura problemas reais e imaginários em uma
escalada arfante destinada a validar nas pesquisas da semana seguinte a
crispação denuncista emitida no período anterior.
Vive-se uma circularidade. Soa quase como um bate bola entre amigos.
Esse
churrasco de compadres, que se repete com regularidade conveniente,
incorporou ao rachão o ambiente carimbado das bolsas de valores.
O
jornalismo isento grita fogo; em rodízio disciplinado, institutos de
pesquisa perguntam ao eleitor ‘se já sentiu o cheiro de queimado’;
as bolsas correm e precificam o rescaldo dando ares de consenso ao
incêndio antipetista.
Analistas –todos isentos, ideológicos são
os blogueiros que entrevistaram Lula-- cuidam de emprestar à
pantomima uma seriedade imiscível com a manipulação cotidiana que
jorra de todo o processo.
Não se pode negar alguma eficácia ao
jogo corrosivo que tem a seu favor os flancos que a transição de
ciclo mundial impõe à economia e ao governo brasileiros.
Enquanto
for capaz de manter o debate do desenvolvimento sob a neblina dessa
isenção, o conservadorismo terá o mando do campo.
Mas só o terá enquanto durar a omissão do PT e do governo.
Se
estes resolverem –enquanto ainda há tempo-- esclarecer à sociedade o
custo efetivo das soluções propugnadas pela ortodoxia , o jogo pode
mudar.
Trata-se de repor o verdadeiro divisor de águas desta eleição.
O
conservadorismo insiste que se trata de um embate entre o precipício
petista e a estabilidade que só os candidatos dos livres mercados podem
restaurar.
Em primeiro lugar, há que se arejar a moldura.
O Brasil faz parte do mundo. O jogo aqui é o mesmo em curso em outras praças do capitalismo internacional.
A
escolha, de fato, consiste em reordenar a economia com o escalpo dos
assalariados, como prescreve a restauração neoliberal em curso; ou
repactuar o futuro construindo uma democracia social, que sincronize
ganhos de produtividade, crescimento e redistribuição da riqueza.
Essa é a encruzilhada do 1º de Maio de 2014.
Aqui e em todas as latitudes do planeta.
É
ela também que repõe os termos da luta entre capital e trabalho, entre
Estado social e estado mínimo, entre Aécios, Campos & Marinas
--tanto faz-- e o campo progressista nas eleições brasileiras de
outubro próximo.
Talvez seja o pressentimento dessas massas de
forças em conflito que explica por que 72% dos eleitores consideram o
governo Dilma entre ótimo, bom e regular (segundo a última CNT), apesar
do bombardeio diuturno dos isentos rapazes da mídia.
O governo e o
PT precisam ajudar essa intuição com a força do esclarecimento
político para que a sociedade tenha a certeza de que existe uma escolha
a ser feita .
E que ela pode fazer a diferença entre o Brasil que somos e o que gostaríamos de ser.
O conservadorismo prefere entregar o timão da travessia à mão invisível dos livres mercados.
A
escolha predefine o vencedor do embate com base nas regras que lhes são
intrínsecas, a saber: desregulação de direitos trabalhistas, choque de
juros, arrocho fiscal, liberdade irrestrita aos capitais e
privatizações.
A repactuação democrática do desenvolvimento, ao
contrário, traz o embate para o delicado campo da negociação política;
inclui prazos, sacrifícios e metas a serem pactuados em sintonia com
ganhos de produtividade e crescimento que deem coerência macroeconômica
ao processo.
Trata-se de promover uma mudança na correlação de forças pós-crise de 2008. E de fazer da campanha de outubro o seu cenário.
A opção conservadora é mais simples e direta.
Desde
a estrutura do Estado, aos ventos internacionais, passando pela
prontidão plutocrática, até aos aparelhos ideológicos da sociedade, com a
prestimosa turma do jornalismo isento à frente, tudo está em linha
para deflagrá-la.
O que atrapalha o cortejo é presença contraditória do PT na direção do país desde 2003.
Com as consequências sabidas.
A
principal delas sendo a emergência de um novo protagonista representado
pela ascensão de 53% dos brasileiros, que, sozinhos, formam hoje o
16º maior mercado popular do mundo.
O que fizeram os governantes
das economias desenvolvidas desde os anos 90 — com os aplausos
obsequiosos do dispositivo midiático local — foi lubrificar uma espiral
inversa.
Essa à qual o conservadorismo pretende alinhar o país, se vencer em outubro.
Tome-se
o caso mais ameno dos EUA, para não insistir no funeral econômico
promovido na Europa pela rendição socialista, para júbilo da extrema
direita.
Nos EUA, ao contrário, há uma recuperação nos indicadores de mercado.
Mas
ela não impede que o prestígio de Obama derreta aos olhos da
sociedade, que hoje lhe atribui taxa de aprovação equivalente a de Bush
nos piores momentos.
Por quê?
Porque a propalada
retomada não inclui o resgate dos mais pobres, nem a reincorporação
da classe média no comboio dos vencedores.
O grande séquito dos ‘ loosers ‘ norte-americanos não foi obra do improviso.
Desde os anos 70, com as reformas neoliberais, a participação do trabalho na renda mundial declina.
Recente
debate promovido pela rádio Brasil Atual mostrou, por exemplo, que 2/3
das nações integrantes da ONU promoveram cortes em direitos trabalhistas
nas últimas décadas.
Os EUA foram o palco de uma das decepações mais drásticas.
Hoje, a parcela da renda destinada aos trabalhadores norte-americanos está no nível mais baixo desde 1950.
Os lucros das grandes corporações, em contrapartida, consomem a maior fatia do bolo já registrada desde 1920.
Esse
arrocho estrutural --associado a distorções cambiais—explica em boa
parte a brutal diferença de custo entre fabricar manufaturados no
Brasil e nos EUA.
Em 2004, segundo dados publicados pelo Valor
Econômico, o custo da indústria brasileira era 3% menor que o da
norte-americana; hoje é 23% maior.
O fato de Obama não ter
conseguido até agora reajustar um salário mínimo congelado há 15 anos,
diz muito sobre as escolhas de futuro embutidas nessa diferença de
competitividade.
Se por um lado ela inclui opções indesejadas,
por outro é evidente que a construção de uma democracia social no Brasil
exige respaldar seu custo em contrapartidas de produtividade, sem as
quais a artificialidade do processo desembocará em uma espiral
salários/preços de consequências sabidas.
Restaurar o modelo
neoliberal, em contrapartida, como quer o conservadorismo, é repetir o
percurso que desembocou justamente no colapso de 2008, e hoje catapulta a
extrema direita na Grécia, França, Inglaterra (leia a análise de Marcelo Justo; nesta pág).
Não apenas isso.
Foi
sobre uma base de renda e trabalho esfacelados pela transferências
de empregos às ‘oficinas asiáticas’, que se instalou a desordem
neoliberal.
A asfixia desse arranjo capitalista só não explodiu
antes de 2008, graças à válvula de escape do endividamento maciço de
governos e famílias, que atingiu patamares insustentáveis na bolha
imobiliária norte-americana, espoleta da maior crise do capitalismo
desde 1929.
Quando as subprimes gritaram — ‘o rei está nu’, todo o
edifício de uma ciranda financeira ancorada no crédito sem poupança
(porque sem empregos, sem renda e sem receita fiscal compatível) veio
abaixo.
A tentativa atual de ‘limpar o rescaldo’ resgatando
apenas seus gargalos financeiros --salvando os bancos e arrochando
ainda mais os assalariados e os pobres — é mais uma forma de perpetuar a
essência da crise do que de enfrentar as suas causas.
É nessa roleta russa que o conservadorismo quer engatar o futuro do Brasil.
O jogo, portanto, é pesado.
Controlar
as finanças desreguladas é um pedaço do caminho para controlar a
redistribuição do excedente econômico, ferozmente concentrado nas
últimas décadas, na base do morde e assopra – -arrocho de um lado,
crédito do outro.
Preservar o modelo, adicionando-lhe a
contração do crédito, como se tenta agora, desemboca nas manifestações
mórbidas de totalitarismo em curso na Europa.
A produtividade
imprescindível à renovação dessa engrenagem requer a construção de um
outro percurso. Distinto da compressão dos holerites, do emprego e dos
direitos sociais preconizado pelos jornalistas isentos.
A
pactuação política de um novo ciclo de expansão da economia certamente
é um caminho mais longo que o ajuste instantâneo oferecido pelo
ferramental ortodoxo.
Mas o Brasil ainda preserva em seu
metabolismo uma estrutura de organização social e sindical que pode e
deve ser rejuvenescida com essa finalidade.
Dispõe, ademais de um bloco progressista que mudou, para melhor, a face da sociedade em mais de uma década à frente do Estado.
As
eleições de 2014 configuram uma derradeira oportunidade para as duas
pontas renovarem seu estoque de força e consentimento na repactuação
dessa heresia histórica.
Ou seja, construir um Estado social em uma nação em desenvolvimento.
A alternativa, repita-se, é arrocho.
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