quinta-feira, 1 de maio de 2014

Visita de deputados a Dirceu desmoralizou Legislativo, Judiciário e imprensa | Blog da Cidadania

Visita de deputados a Dirceu desmoralizou Legislativo, Judiciário e imprensa | Blog da Cidadania

Matéria da Folha de São Paulo sobre a comitiva de deputados federais
que foi investigar as condições de encarceramento de José Dirceu no
presídio da Papuda, em Brasília, publicada na terça-feira passada no UOL
e no dia seguinte no jornal impresso, produziu um factoide asqueroso
que tenta enganar a sociedade enquanto infringe descaradamente a lei.


Comecemos pela lei. O inciso VIII do artigo 41 da lei 7.210/84, que
regula a Execução Penal no país, é claro quanto à exploração da imagem
de pessoas mantidas em regime de privação de liberdade: é garantido aos
presos “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”.


Ora, o que foi a matéria da Folha sobre as condições de
encarceramento de José Dirceu se não uma clara violação da lei 7.210/84,
que proíbe que sejam feitas e divulgadas imagens de presos no ambiente
de confinamento? A lei impediu a Folha de usar imagens feitas por um
membro da comitiva de deputados que visitou o ex-ministro em sua cela?


Se a Folha deu uma banana para a lei e publicou vídeo gravado
ilegalmente por algum membro da comitiva que adentrou o presídio, parte
dessa comitiva esbofeteou o país com relatos sobre regalias de Dirceu
que foram contestados não por partidários do ex-ministro, mas por
deputados de oposição ao PT que também participaram da visita.


Quatro membros daquela comitiva se destacaram pelas declarações sobre
o que viram na Papuda: a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), o deputado
Arnaldo Jordy (PPS-PA), a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e o deputado
Jean Wyllys (PSOL-RJ).


Detalhe: os quatro deputados são de partidos de oposição ao governo
Dilma e ao PT. Contudo, diferenciaram-se entre si por demonstrarem ou
não espírito público e entendimento do que é fazer oposição.


A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) disse que Dirceu recebe tratamento
diferenciado por sua cela ser “mais ampla e iluminada”, por ter
televisão e micro-ondas, utensílios que afirmou que outros presos não
têm e que, depois se soube, é mentira, pois vários presos com “bom
comportamento” têm esses e outros utensílios. Inclusive, Dirceu tem uma
pequena tevê antiga e há presos com tevês de plasma.


Já o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) relatou à imprensa, em tom de
denúncia, que Dirceu assistia ao jogo entre Bayern de Munique e Real
Madrid no momento em que os deputados chegaram à sua cela…


As declarações desses deputados ganharam as manchetes principais dos
jornais do dia seguinte à visita (quarta-feira). Contudo, havia as
declarações de Erundina e Wyllys, que foram solenemente ignoradas pelos
repórteres que esperavam a comitiva parlamentar na saída da Papuda.


Jean Wyllys deu a seguinte declaração: “A gente veio verificar se
havia regalias. Pela nossa visita, que a gente fez às celas, e pelas
conversas que nós tivemos com os agentes penitenciários, os gestores e o
diretor do complexo, a gente viu que não há regalias. Não há privilégio
[a Dirceu]”.


Luiza Erundina declarou que viu “Uma cela modesta, uma cela
malconservada, cheia de infiltrações, gotejando água no corredor, na
porta da cela”. E que o tratamento que dão a Dirceu na Papuda lhe tira
“Aquilo que é dado a outros presos”.


Entre dois pares de declarações tão contraditórias, adivinhe, leitor,
que versão ganhou as manchetes… A dos que enxergaram “regalias”, claro.
A manchete da Folha reproduziu a declaração de Mara Gabrilli, mas
depois se soube que ela não entrou na cela de Dirceu por ser cadeirante e
sua cadeira-de-rodas não passar pela porta.


Sobre a deputada tucana de São Paulo, aliás, vale uma informação
pessoal deste que escreve. Essa deputada vem se elegendo há anos usando
sua condição de deficiente física. Seu mandato atua junto a famílias de
deficientes, as quais ela transformou em massa de manobra.


Há alguns anos, Gabrilli era vereadora na capital paulista. A esposa
deste blogueiro vinha tentando conseguir vaga em uma instituição
municipal para nossa filha, portadora de paralisia cerebral. Como não
havia vaga na instituição, sugeriram a ela que procurasse a vereadora
tucana.


Gabrilli impôs uma condição à minha esposa, para ajudá-la: teria que
se unir ao “movimento” que essa parlamentar coordenava. Consultado pela
esposa, recomendei que não se aproximasse desse tipo de gente. O
desespero de mãe, porém, vendo a saúde de nossa filha Victoria se
deteriorar, falou mais alto.


A mãe de minha filha doente se animou com a promessa, que quase foi
cumprida. Gabrilli chegou a comunicar a ela que conseguira a vaga para a
menina. Marcou dia e hora para Cristina ir buscar uma “carta” da
parlamentar para a instituição.


Quando minha esposa foi procurar a assessora de Gabrilli para ir
retirar a tal “carta” ouviu que a vaga “não tinha dado certo”, mas que a
vereadora ficara sabendo que este blogueiro era o pai da criança e que,
por eu ser “ligado ao PT”, seria “fácil” para mim conseguir vaga para
minha filha em alguma instituição federal.


O resultado é que minha esposa passou meses protestando contra a
minha atividade de blogueiro, que estaria prejudicando nossa filha. Mas,
ao fim, consegui convencê-la de que não era eu que estava errado por
exercer minha liberdade de expressão, mas a parlamentar que usara sua
posição para perseguir inimigos políticos.


Não espanta, pois, que Gabrilli tenha dito o que disse após a visita à Papuda. Esse tipo de conduta é a cara dela.


Seja como for, o fato é que quem tenta se posicionar sobre esse caso
fica num dilema. Em quem acreditar? Claro que o cidadão que tem posições
políticas definidas acreditará no que quer, mas quem procura somente a
verdade fica desalentado ao ver a contradição entre quatro parlamentares
que viram a mesma coisa, mas relatam fatos tão diferentes.


Esse mesmo cidadão fica sabendo que é proibido captar imagens de
presidiários para exploração jornalística, vê que um dos membros da
comitiva de deputados infringiu a lei ao gravar tais imagens, vê que a
Folha divulgou o que é proibido e conclui que o jornal e os deputados
estão se lixando para a lei.


Por fim, já percebendo que este país não passa de uma republiqueta
bananeira em que leis valem tanto quanto a seriedade de parlamentares e
da imprensa, o cidadão vê o Judiciário não tomar providências contra um
episódio que desmoralizou ainda mais instituições cuja imagem nunca foi
das melhores. O Brasil poderia ter passado sem essa pantomima.

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