sábado, 17 de maio de 2014

Ai, que saudade da ditadura* - Renato Essenfelder - Estadao.com.br

Ai, que saudade da ditadura* - Renato Essenfelder - Estadao.com.br

Ai, que saudade da ditadura*

 arte: loro verz
No tempo da ditadura é que as coisas funcionavam.
Não era essa balbúrdia, não era essa zona. Tinha dono no pedaço, a
gente sentia que tudo caminhava segundo um projeto, um projeto de Brasil
grande, de país do futuro.



Hoje eu vi um menino de rua pedindo
dinheiro a uma Ferrari. Ou melhor, ao motorista da Ferrari, que
provavelmente é gente de carne e osso, como nós. Estavam ali na avenida
Giovanni Gronchi, em São Paulo, no bairro do Morumbi. Estavam ali na
avenida Giovanni Gronchi, em São Paulo, no bairro de Paraisópolis. Ali,
uma das maiores favelas do Brasil, segundo o IBGE.



É tudo uma questão de ponto de vista.


No tempo dos militares não haveria o menino de rua. [Nem ponto de vista.]


No tempo da ditadura, dura mesmo, as
coisas funcionavam. Os militares não roubavam: não havia mensalão,
trensalão, corrupção. Nem petralhas nem tucanalhas, em 1964 eram todos
unidos por um fim: o Brasil. Todos gritavam juntos, nas ruas, nos
quartéis, nos porões, na selva e no pau de arara: “Viva o Brasil!”.



Éramos felizes e não sabíamos.


Até a cultura era melhor, na ditadura.
Hoje não se produz nada que preste. E a economia ia bem: havia uma
abundância de empregadas domésticas pra gente escolher – dormiam no
quartinho dos fundos, felizes. Que maravilha, os aeroportos viviam quase
vazios.



As ruas eram limpas: nada de bêbados, nada de equilibristas.  


A saúde era uma maravilha. As escolas públicas tinham qualidade.
Todo mundo sabia cantar, de cor, treze hinos: nacional, da República,
da Independência, da Marinha, da Aeronáutica, do Expedicionário, da
Revolução Constitucionalista de 1932 etc. Quantos desses você conhece?
Morreu a cultura.



Nasci nos anos 1990, que pena, mas tenho
saudades disso tudo. Hoje eu posso falar: ai, que saudade da ditadura.
Faço marcha, peço intervenção militar, peço o fim da corrupção dos
partidos, o fim do Congresso, de toda essa bandalheira.



1. O Brasil precisa de uma ditadura para ser levado a sério pela Fifa.


2. As mulheres precisam de uma ditadura para se darem ao respeito.


3. Os vagabundos precisam de uma ditadura para aprender a trabalhar.


4. Os manos não merecem direitos humanos; que saudade da tortura da ditadura.


Hoje eu posso falar:
ai, que saudade da ditadura. Hoje eu marcho na av. Faria Lima pedindo
ditadura. Reúno amigos em Moema para debater ditadura, distribuo
panfletos no Leblon pela ditadura, tenho seis grupos no Face; até compus uma marchinha.



Só a ditadura salva a democracia.





*Contém ironia.

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