A barbárie chega aos poucos.
Ela se instala quase sempre sem alarde.
Na maior parte das vezes, por trás de motivos ditos imperiosos,
circunstâncias extraordinárias e outras coisas pretensamente terríveis
com que nos convencem a abrir mão de direitos.
circunstâncias extraordinárias e outras coisas pretensamente terríveis
com que nos convencem a abrir mão de direitos.
Ela cresce sob a batuta do medo e a suposta necessidade de reagir,
gerando ainda mais medo, naquele círculo vicioso de uma profecia que se
autorealiza.
gerando ainda mais medo, naquele círculo vicioso de uma profecia que se
autorealiza.
As pessoas vão se acostumando a romper os limites do que pensam e
falam e como se tratam. Jornalistas e políticos abrem mão de seus
protocolos e de seus princípios. Juristas acomodam e flexibilizam os
conceitos do direito. E a histeria vai comendo a todos pelas bordas.
falam e como se tratam. Jornalistas e políticos abrem mão de seus
protocolos e de seus princípios. Juristas acomodam e flexibilizam os
conceitos do direito. E a histeria vai comendo a todos pelas bordas.
Quando a gente se dá conta, está matando uma mulher à pancada em
plena rua, porque alguém disse que quem sabe teria sido suspeita de um
crime que ninguém nunca viu.
plena rua, porque alguém disse que quem sabe teria sido suspeita de um
crime que ninguém nunca viu.
Já faz tempo que vimos nos seduzindo por um discurso irresponsável e
sensacionalista que prega, a partir do eterno mito da impunidade, a
necessidade de mais polícia, mais pena, mais prisão, mais tortura, mais
mortes.
sensacionalista que prega, a partir do eterno mito da impunidade, a
necessidade de mais polícia, mais pena, mais prisão, mais tortura, mais
mortes.
A lógica do estado policial vai se instaurando como um vírus dentro
do corpo social, porque interessa a muitos que combatem, às vezes
abertamente, outras de forma sub-reptícia, a preservação do estado
social.
do corpo social, porque interessa a muitos que combatem, às vezes
abertamente, outras de forma sub-reptícia, a preservação do estado
social.
Afinal, direitos são mais caros do que penas. E emancipam, não encarceram.
As soluções de todos os problemas passam, então, pela dinâmica
criminal. Tudo é criminalizado e criminalização é cadeia e cadeia é,
sobretudo, dor, sofrimento e morte.
criminal. Tudo é criminalizado e criminalização é cadeia e cadeia é,
sobretudo, dor, sofrimento e morte.
E quando o direito penal não funciona, a culpa não é atribuído ao
excesso, mas à escassez, resolvendo-se, então, em mais crimes, mais
penas, mais prisões, mais torturas.
excesso, mas à escassez, resolvendo-se, então, em mais crimes, mais
penas, mais prisões, mais torturas.
E o reclamo de que o estado é ineficiente, leniente, frouxo e que as pessoas tem “legítima defesa” para agir contra criminosos.
Quando a gente se dá conta, está matando uma mulher à pancada em
plena rua, porque alguém disse que quem sabe teria sido suspeita de um
crime que ninguém nunca viu.
plena rua, porque alguém disse que quem sabe teria sido suspeita de um
crime que ninguém nunca viu.
Pouco importa se a cultura do bandido bom, bandido morto
resulta em uma contradição inconciliável –porque matar é um crime mais
grave do que a maioria dos crimes atribuídos a esses "bandidos" que são
mortos.
resulta em uma contradição inconciliável –porque matar é um crime mais
grave do que a maioria dos crimes atribuídos a esses "bandidos" que são
mortos.
O importante é aumentar o tônus criminal, porque isso dá audiência,
isso dá votos, isso dá ordem e disciplina, isso confirma uma linha
imaginária (e, sobretudo, racista) que separa os bandidos dos homens de bem –criminosos em muitas outras órbitas, mas homens de bem assim mesmo.
isso dá votos, isso dá ordem e disciplina, isso confirma uma linha
imaginária (e, sobretudo, racista) que separa os bandidos dos homens de bem –criminosos em muitas outras órbitas, mas homens de bem assim mesmo.
E na toada vamos concordando com o aumento de penas, com o
encarceramento desmedido, com o senso comum de que a impunidade cresce,
paradoxalmente com o inchaço da população carcerária, e que, enfim, é
preciso aceitar medidas drásticas para situações excepcionais.
encarceramento desmedido, com o senso comum de que a impunidade cresce,
paradoxalmente com o inchaço da população carcerária, e que, enfim, é
preciso aceitar medidas drásticas para situações excepcionais.
E passamos a tratar criminosos como inimigos, manifestantes como
terroristas, favelados como subumanos, e vamos admitindo as violências
policiais, os estados de sítio implicitamente decretados nas decisões
judiciais, e compreendendo a revolta de quem se vê, ou apenas se sente,
vítima da criminalidade.
terroristas, favelados como subumanos, e vamos admitindo as violências
policiais, os estados de sítio implicitamente decretados nas decisões
judiciais, e compreendendo a revolta de quem se vê, ou apenas se sente,
vítima da criminalidade.
Aí a gente criminaliza a defesa, porque só atrapalha, culpa o
habeas-corpus porque atrasa a justiça, responsabiliza os próprios presos
pelas violências que sofrem, e admite prender garotos no poste, quando
são flagrados no crime, porque, afinal de contas, nada funciona mesmo.
habeas-corpus porque atrasa a justiça, responsabiliza os próprios presos
pelas violências que sofrem, e admite prender garotos no poste, quando
são flagrados no crime, porque, afinal de contas, nada funciona mesmo.
E quando a gente se dá conta, está matando uma mulher à pancada em
plena rua, porque alguém disse que quem sabe teria sido suspeita de um
crime que ninguém nunca viu.
plena rua, porque alguém disse que quem sabe teria sido suspeita de um
crime que ninguém nunca viu.
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