Crítico sensação do capitalismo quer estudar Brasil, mas Receita não libera dados
Atualizado em 14 de maio, 2014 - 09:04 (Brasília) 12:04 GMT
O francês Thomas Piketty -
economista que virou celebridade com a tese de que o capitalismo está
concentrando renda em vários países - tenta há alguns anos estudar o
Brasil, mas não consegue acessar os dados.
O argentino Facundo Alvaredo, que integra a
equipe de Piketty em Paris, contou à BBC Brasil que desde 2008 tenta
obter – sem sucesso - os dados anônimos de Imposto de Renda do Brasil
com a Receita Federal.Facundo disse que já solicitou à Receita Federal por diversos meios as informações dos últimos 25 anos. Ele já conseguiu os números de 1930 a 1988 e do ano 2000 – valores que foram divulgados no passado pela própria Receita Federal e hoje estão disponíveis em bibliotecas de importantes universidades como Harvard. A análise desse período será publicada até setembro, afirma.
"Nem todos os países aos quais solicitamos os dados nos deram retorno positivo, mas a Receita brasileira nem nos respondeu", disse Alvaredo.
"O Brasil é um país importante. Se tivéssemos tido acesso aos dados dos últimos anos, essas estimativas já teria sido publicadas e citadas no livro", acrescentou.
Renda do 1% mais rico nos EUA
(em % da renda total)
1913 - 18%
1970 - 9%
2009 - 18%
2012 - 22,5%
*Dado inclui ganhos de capital
1913 - 18%
1970 - 9%
2009 - 18%
2012 - 22,5%
*Dado inclui ganhos de capital
Sua equipe criou um site com os números coletados - Clique The World Top Incomes Database - e está agora levantando mais números de cerca de 50 países.
A expectativa de Alvaredo é que o enorme reconhecimento alcançado pelo livro de Piketty convença o governo brasileiro a liberar os dados. Ele observa que o estudo da concentração de renda é importante para o desenvolvimento de melhores políticas sociais e tributárias.
Nos Estados Unidos, a alíquota máxima já foi de 90% após a Segunda Guerra, mas voltou a cair depois dos anos 70 e hoje não chega a 40%. Simultaneamente, a concentração de renda passou a subir e hoje é recorde no país (o estudo de Piketty abrange um século de dados).
"É importante ressaltar que algum grau de desigualdade é importante para gerar incentivos [econômicos]. O ponto aqui é que os incentivos não parecem exigir níveis tão altos de desigualdade como os observados em muitos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil", destaca Alvaredo.
"Níveis muito altos de desigualdade são indesejáveis sob muitos pontos de vista - por exemplo, para o bom funcionamento das sociedades democráticas - e desnecessários para o crescimento", ressalta.
Desigualdade mais alta
As informações mais utilizadas no mundo para o estudo da desigualdade de renda são os dados coletados nas pesquisas domiciliares, como o Censo, que no Brasil são feitas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Goegrafia e Estatística).O problema é que em geral essas pesquisas captam bem os salários das classes baixa e média, mas não identificam adequadamente a renda da parcela mais rica da população – seja porque essas pessoas preferem não informar a totalidade de sua renda, seja porque não sabem precisar tão bem seus ganhos com investimentos.
E nos últimos anos, revela a pesquisa de Piketty, o rendimento do capital (aplicações financeiras, aluguéis, lucros empresarias) tem crescido mais rapidamente do que os salários – o que explica porque a concentração de renda está aumentando no mundo.
No seu livro, ele diz que em todos os países analisados "os dados fiscais revelam níveis de renda muito maiores e mais realistas entre os mais ricos do que mostram as pesquisas domiciliares".
Alvaredo acredita que o mesmo será observado no caso brasileiro - apesar de uma parcela menor ter capacidade de investir nos países em desenvolvimento, isso tem aumentado a cada ano, nota.
O economista José Roberto Afonso, da Fundação Getúlio Vargas, tem a mesma expectativa. Há anos ele também tenta ter acesso aos dados da Receita Federal.
"Quando o pesquisador do IBGE pergunta a renda de uma pessoa, ela responde seu salário. Se ela tem investimentos, muitas vezes nem sabe dizer quais são seus ganhos. Quando sabem, muitas vezes não querem revelar", afirma Afonso.
O Censo mais recente, de 2010, indica que 37% da renda do país está no bolso dos 5% mais abastados.
Desigualdade em queda?
Para Alvaredo, é extremamente importante ter acesso aos dados mais recentes do Imposto de Renda para entender melhor a queda da desigualdade no Brasil nos últimos anos.Ele acredita que os números da Receita devem confirmar a redução da concetração de renda, mas podem indicar que isso ocorreu mais por causa de um crescimento mais lento da renda da classe média (em comparação com a dos mais pobres), do que por uma expansão menor do ganho dos mais ricos.
O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Medeiros observa que os dados do IBGE tem indicado que a desigualdade tem recuado mais lentamente nos últimos anos. Se a renda dos mais ricos estiver crescendo mais rápido do que o instituto estima, ressalta ele, pode ser que a concentração de renda tenha até parado de cair.
"Há previsão de divulgação de outros estudos, semelhantes aos que te enviamos, no site na Receita Federal a partir da próxima semana, referentes aos anos de 2011 e 2012. Esses estudos mostram os dados públicos da Receita Federal. Existem outros estudos que dizem respeito a processos internos da Administração Tributária, usados para subsidiar decisões internas da Receita Federal e que não são divulgados", respondeu o órgão.
Desafio
Piketty observa em seu livro que nos anos 90 houve uma piora na divulgação dos dados tributários em vários países, ironicamente por causa da informatização. Antes, quando as informações não eram computadorizadas, os órgãos de receita precisavam produzir relatórios para seu próprio funcionamento - e disponibilizavam seu acesso.Além disso, ele também atribui a maior dificuldade de acesso aos dados a uma crescente resistência ao imposto de renda progressivo (em que as alíquotas sobem conforme a renda aumenta).
Defensor de taxas mais altas sobre os ricos, Piketty tem como grande desafio vencer essa resistência. Apesar do sucesso do seu livro, a etapa mais difícil vem agora: conseguir transformar esse prestígio em capacidade de influenciar governos.
Uma de suas propostas é criar um imposto global sobre a riqueza, o que parece politicamente inviável, segundo seus críticos.
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