quinta-feira, 8 de maio de 2014

Veríssimo





O caminho, por Luis Fernando Veríssimo

Um
espectro ronda a Europa e o resto do mundo onde a receita neoliberal
contra a crise é austeridade para os pobres e liberdade total para os
ricos enriquecerem cada vez mais. O espectro tem nome e sobrenome:
Thomas Piketty. É um jovem economista francês cujo livro “O capital no século XXI” é um best-seller internacional e está apavorando muita gente.

Não
há resposta para a sua tese de que a ideia de que basta deixar os ricos
se lambuzarem que sobrará para os pobres — todos se beneficiarão e a
desigualdade acabará no planeta — é furada como um donut — a não ser
chamá-lo de um marxista com preconceitos previsíveis. Mas justamente o
que assusta em Piketty é que sua tese foge da ortodoxia marxista e é
baseada em retrospectiva academicamente irretocável e fatos e números
inegáveis, não em ideologia.

Ela apenas prova que a lição dos
últimos anos, quando o capital financeiro se adonou do mundo, é não
apenas que o caminho tomado está errado e só levará a mais desigualdade
como todos os argumentos usados para justificá-lo são falsos.

A
concentração de renda não se deve a nenhum tipo de meritocracia, já que
vem principalmente de dinheiro herdado ou produzido pelo próprio
dinheiro, sem nenhum proveito social, e nem as oligarquias mais
“esclarecidas” estão prontas a renunciar à sua capacidade de
autogeração, que, no caso, é a possibilidade de se autorremunerar ao
infinito.



A
continuar assim, diz Piketty, a história do capitalismo no século XXI
será a do crescente confronto com a desigualdade e com a revolta que
ela, cedo ou tarde, mas fatalmente, provocará.

Gosto daquela cena
num filme dos irmãos Marx em que Groucho, no papel de um general,
prepara-se para explicar a seus comandados o significado de um mapa na
parede. “Uma criança de 3 anos entenderia este mapa”, diz Groucho. E,
depois de estudar o mapa por alguns minutos: “Tragam uma criança de três
anos!”

Sem querer diminuí-lo — ao contrário — acho que monsieur
Piketty é a criança de 3 anos desta história. Ele traz uma visão nova de
uma situação que todo mundo está vendo mas nem todo mundo enxerga ou
quer enxergar, e que a criança de 3 anos veria com a mesma simplicidade,
sem os mesmos recursos do francês.

Mas também desconfio que,
passado o primeiro susto, a tese de Piketty terá o mesmo efeito da
explicação da hipotética criança de 3 anos — muito pouco. A lição que
Piketty aprendeu ou apreendeu no passado estava evidente. Se o caminho
errado continua o mesmo é porque interessa economicamente e
politicamente a quem tem o poder e não quer distribuí-lo como se
distribui renda. É um caminho para o desastre conscientemente assumido.



Luis Fernando Veríssimo é escritor.

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