domingo, 18 de maio de 2014

O pânico a Piketty e a direita sem ideias

O pânico a Piketty e a direita sem ideias

Em resposta ao “Capital no Século XXI”, não há argumentos, só
silêncio e preconceitos. Partidários da desigualdade foram pegos no
contrapé



Por Paul Krugman | Tradução: Daniella Cambaúva, em Carta Maior




Leia mais: Em Outras Palavras, resenha de Paul Mason sobre livro de Thomas Piketty




O novo livro do economista francês
Thomas Piketty, “O capital no século XXI”, é um prodígio de honestidade.
Outros livros de economia foram um sucesso nas vendas, mas
diferentemente da maioria deles, a contribuição de Piketty tem uma séria
erudição, capaz de mudar a retórica. E os conservadores estão
aterrorizados.

 
Por
isso, James Pethokoukis, do American Interprise Institute, adverte na
revista “National Review” que o trabalho de Piketty precisa ser refutado
porque, do contrário, “se propagará entre a clerezia e dará nova forma
ao cenário da economia política em que  serão travadas todas as futuras
batalhas sobre política”.

 
Pois
bem, lhes desejo boa sorte nesta empreitada. Por enquanto, o que de
fato surpreende no debate é a direita parecer incapaz de organizar
qualquer tipo de contra-ataque significativo à tese de Piketty. Em vez
disso, sua reação consistiu exclusivamente em desqualificá-lo.
Concretamente, em alegar que Piketty é um marxista e, portanto, alguém
que considera a desigualdade de renda e de riqueza uma questão
importante. Em breve voltarei à questão da desqualificação. Antes,
vejamos por que o livro está tendo tanta repercussão. 


Piketty
não é o primeiro economista a ressaltar que estamos experimentando um
forte aumento da desigualdade, ou até mesmo a enfatizar o contraste
entre o lento crescimento da renda para a maioria da população e os
rendimentos altíssimos no topo. É verdade que Piketty e seus colegas
agregaram uma profundidade histórica ao nosso conhecimento, demonstrando
que realmente estamos vivendo em uma nova Era Dourada. Mas nós sabemos
disso faz tempo.


Não.
O que é realmente novo sobre o “Capital” é o modo como destrói o mais
amado mito dos conservadores, a insistência de que estamos vivendo em
uma meritocracia, em que grandes fortunas são conquistadas e merecidas.


Nas
duas últimas décadas, a resposta conservadora às tentativas de tratar
de forma política a questão do aumento da renda das classes altas
envolveu duas linhas de defesa: em primeiro lugar, a negação de que os
ricos estão realmente se dando tão bem e o resto está mal. E quando tal
negação falha, eles alegam que essas rendas elevadas são uma recompensa
justificada por serviços prestados. Não se deve chamá-los de 1% ou de
ricos, mas sim de “geradores de emprego”.

 
Mas
como fazer essa defesa, se os ricos derivam grande parte de sua renda
não do trabalho que eles fazem, mas dos ativos que possuem? E se as
grandes fortunas, cada vez mais, que não vêm de empreendimentos, mas sim
de heranças?


O
que Piketty mostra é que estas não são questões menores. As sociedades
ocidentais, antes da Primeira Guerra Mundial, eram dominadas, de fato,
por uma oligarquia de riqueza herdada -e seu livro argumenta
convincentemente de que estamos voltando para esse cenário.


Portanto,
o que os conversadores podem fazer, diante do medo que esse diagnóstico
possa ser usado para justificar o aumento de impostos sobre os ricos?
Podem tentar rebater Piketty de forma substancial mas, até agora, não vi
nenhum sinal disso. Em seu lugar, como eu disse, há apenas
desqualificações.


Isso
não deveria ser surpreendente. Participei de debates sobre a
desigualdade de renda por mais de duas décadas e nunca vi os
“especialistas” conservadores conseguirem negar os números sem
tropeçarem em seus próprios cadarços intelectuais. Ora, é quase como se
os fatos fundamentalmente não estivessem do lado deles. Ao mesmo tempo,
xingar de vermelho todos os que questionam qualquer aspecto da teoria de
livre mercado tem sido um procedimento padrão da direita, desde que
pessoas como William F. Buckley tentaram impedir o ensino da economia
keynesiana, não por prová-la errada, mas denunciando-a como
“coletivista”.


Ainda
assim, tem sido incrível assistir aos conservadores, um após o outro,
denunciarem Piketty como marxista. Até mesmo Pethokoukis, que é mais
sofisticado do que o resto, chama o livro de uma obra de “marxismo
leve”, o que só faz sentido se a mera menção à desigualdade de riqueza
faça de você um marxista. (Talvez esta a visão deles. Recentemente, o
ex-senador Rick Santorum denunciou o termo “classe média” como “conversa
marxista”, porque, veja bem, não temos classes nos Estados Unidos.)


E
o “Wall Street Journal”, em sua crítica ao livro, de forma muito
previsível, percorre todo o percurso. De alguma forma, consegue comparar
a defesa de Piketty da tributação progressiva como forma de limitar a
concentração de riqueza -um remédio tão americano quanto a torta de
maçã, defendido não apenas por economistas, mas também por políticos,
inclusive por Teddy Roosevelt- aos males do stalinismo. Isso é realmente
o melhor que o “Wall Street Journal” consegue fazer? Aparentemente, a
resposta é sim.


Agora,
o fato de os defensores dos oligarcas norte-americanos estarem
evidentemente em falta de argumentos coerentes não significa que eles
estejam politicamente em fuga. O dinheiro ainda fala -na verdade, em
parte graças ao Supremo Tribunal de Roberts, fala mais alto do que
nunca. Ainda assim, as ideias também importam, moldando a forma como
falamos sobre a sociedade e, eventualmente, a forma como agimos. E o
pânico em relação a Piketty mostra que a direita ficou sem ideias.


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