domingo, 25 de maio de 2014

Queimar a Marca Brasil virou estratégia eleitoral

Queimar a Marca Brasil virou estratégia eleitoral

Queimar a Marca Brasil virou estratégia eleitoral

DELFT (Países-Baixos) - Estudiosos de marketing em todo o
mundo dedicam-se a um campo relativamente novo nesta área, que é a
criação e as características da chamada “nation brand” ou “marca-país”.
Já em 1965, pesquisas aplicadas mostraram que o consumidor dá avaliações
diferentes a um mesmo produto que lhe é oferecido, dependendo do rótulo
“fabricado em…”, ou seja, ele leva em consideração a localidade de
origem na hora de decidir uma compra.
A partir deste dado, muitos estudos se seguiram, e o
conceito de “marca-país” passou a ser discutido seriamente como fator
importante no comércio e na propaganda mundiais. Está consolidada, por
exemplo, a distinção entre “identidade nacional” (conjunto dos elementos
que dão personalidade a um país, incluindo sua história, geografia,
artes, cidadãos famosos, etc.) e “imagem nacional” (a maneira como o
país é visto nos demais países e no mundo como um todo). A identidade
forma-se historicamente; a imagem pode ser melhorada, assim como pode
piorar, e há vários métodos para medi-la tecnicamente.
A imagem é levada em conta, segundo pesquisas, também pelos
executivos de grandes empresas com poder de decidir a destinação de
investimentos num determinado país. Estudo do Communication Group e do
Think Tank You Gov, da Grã-Bretanha, em 2006, concluiu que 92% desses
executivos afirmam que a imagem de um país é “fator vital” para suas
escolhas. 65% acham difícil decidir por um novo empreendimento apenas
baseado em “hard factors” - fatores estritamente numéricos - e 60%
afirmam que os “soft factors” ( estilo de vida, arquitetura, artes,
etc.) são crescentemente importantes.
Ora, um evento como a Copa do Mundo de Futebol é um momento
privilegiado para o país-sede incrementar a sua imagem positiva no
exterior, partindo de sua “identidade” e agregando novos valores ao
conjunto de sua representação mercadológica. Segundo o professor Marco
Antonio Ocke, da USP, “para o país-sede, a Copa mostra-se eficaz
ferramenta de promoção da localidade como força econômica com o objetivo
de captar investimentos, atrair visitantes, moradores e profissionais,
fomentar o comércio, a indústria e as exportações”. Ao organizar o
campeonato de 2006, a Alemanha usou-o para reaquecer sua economia, que
atravessava fase de baixa depois dos custos da reintegração. Com o
slogan “Um mundo entre amigos”, o país gerou cerca de 4 mil empregos por
ano desde o anúncio dos jogos, alavancando cerca de 10 bilhões de euros
para sua economia. Houve um crescimento geral do PIB e grandes obras e
avanços nas áreas esportiva, de turismo e de tecnologia da informação.
A Copa é tal oportunidade de promoção mundial que a
Austrália, por exemplo, de onde sairá o terceiro maior contingente de
visitantes, cerca de 20 mil, realizará uma série de eventos culturais
nas cidades onde sua seleção nacional se hospedará ou jogará, Vitória,
Cuiabá, Curitiba e Porto Alegre. O país tem 40 bilhões de reais
investidos no Brasil, recebe 20 mil estudantes brasileiros por ano, e
quer aproveitar a Copa para ampliar sua presença em todos os setores.
Também a Holanda promoverá exposições e eventos paralelos à Copa, como
outros países. Cabe ao Brasil esperar que todos os países visitantes
levam daqui muito mais do que vão trazer.




O FATOR POLÍTICO-ELEITORAL
Os planos do Governo brasileiro para a Copa de 2014 incluem
“agregar novos elementos à imagem do país (economia forte, capacidade
de inovação, sustentabilidade) sem deixar de reforçar as características
positivas pelas quais o país já é conhecido (hospitalidade, belezas
naturais, diversidade cultural)”. No tema “negócios”, o planejamento dos
órgãos envolvidos com o mega-evento prevê, internamente,  “estimular a
descentralização economica, potencializando e atraindo investimentos
para as diversas regiões; e estimular a cultura do empreendedorismo a
partir da Copa”. Na frente externa, pretende-se “imprimir à imagem dos
produtos e marcas brasileiras atributos de tecnologia, qualidade,
inovação e sustentabilidade, contribuindo para o aumento das
exportações; apresentar o país como fonte de oportunidades para
parcerias e soluções sustentáveis de alto crescimento; e atrelar à
imagem do país sua importância para a economia e a política
internacionais”.
Vê-se que muito além dos campos de futebol, que reunirão
centenas de milhares de torcedores em doze capitais de Estados, há muito
mais em jogo. O Brasil pode galgar um degrau importante no seu conceito
geopolítico e comercial, ampliando sua presença no cenário
internacional do século que começa. Ou pode mostrar-se um país carente
de organização, governabilidade e eficiência, fatores que valem, no
mínimo, tanto quanto a simpatia de seu povo, a beleza de suas paisagens,
a riqueza de sua Cultura.
As manifestações de rua contra a realização da Copa não
chegam a preocupar, já que são normais em todos os países democráticos. A
menos que resvalem para depredações de grande porte, ou causem vítimas
brasileiras e estrangeiras - para o que o governo federal, os estaduais e
municipais afirmam estar devidamente preparados, inclusive com respaldo
de órgãos de segurança dos países participantes - os protestos podem
até servir de atestado de nossa estabilidade política, da ampla
liberdade de manifestação, da maturidade democrática do país - pontos
positivos para a “imagem”.
Esta imagem vinha melhorando ao longo dos últimos dez ou
quinze anos. Em termos de eventos, a Copa das Confederações da FIFA, em
meados do ano passado, foi um teste muito positivo. A audiência
internacional de TV na final entre Brasil e Espanha foi 50%  maior do
que a final da última Copa do Mundo, entre Holanda e Espanha. Dos
estrangeiros que aqui estiveram para a competição, 75,8% disseram em
pesquisas que pretendiam voltar ao Brasil para a Copa de 2014. 70%
afirmaram que tiveram suas expectativas com o país atendidas ou
superadas; 95% aprovaram os estádios; 72% aprovaram os transportes
públicos (!), e 88% gostaram dos serviços de táxi. Também foi um sucesso
a “disponibilidade dos funcionários nos estádios e outras instalações
em dar informações”, elogiada por 89,5% dos turistas-torcedores. Já a
qualidade e preço da alimentação nos estádios foi reprovada por 78,2%.
De poucos meses para cá, cresceu o número de reportagens
negativas na mídia internacional sobre o Brasil, mas isso resulta do
próprio fato de as atenções do mundo estarem se concentrando mais no
país. Os problemas mostrados, e os preconceitos revelados, por exemplo,
pela revista liberal The Economist, que chamou os brasileiros de
“preguiçosos”, ou pelo jornal sensacionalista Daily Mirror, que colocou
Manaus entre as cidades mais perigosas do mundo, cujos riscos incluem
“cobras venenosas e tarântulas” são reversíveis. Tudo depende da
normalidade dos jogos, da recepção aos turistas e torcedores, e do
funcionamento razoável da infraestrutura.
O fator mais preocupante é outro: a oposição política ao
governo Dilma Rousseff, nesse ano eleitoral, tem demonstrado que o
fracasso da Copa do Mundo lhe convém. Ela teme que a vitória da seleção
brasileira leve o país a uma tal euforia que isso contagie o governo e
influa numa fácil vitória da candidata do PT. Assim, há evidente torcida
entre forças políticas de extrema-esquerda, do centro-direita e de
pequenos grupos de extrema-direita (aqueles que convocaram marchas em
favor de um golpe militar, fracassadas em 22 de março último), para que o
Brasil saia derrotado dentro e fora dos gramados. Um caos nas
cidades-sede seria de grande proveito para as oposições na campanha
eleitoral que se aproxima, e para a qual elas não parecem contar com
propostas e candidatos capazes de reverter o favoritismo de Dilma em
todas as pesquisas, até agora.
Apostar num fracasso da Copa, porém, envolve muito mais do
que o episódio eleitoral. Como vimos, a “marca-país” é algo muito mais
sério, importa a várias gerações, e seria lamentável que brasileiros,
propositadamente, ajudassem a detonar uma construção tão difícil. Já nos
bastam os problemas que realmente temos; não precisamos de outros
gerados pela ambição de poder de alguns políticos. Além disso, não há
provas de que o resultado da Copa influa decisivamente nas eleições. Já o
prejuízo em termos de imagem internacional do país, caso o Brasil
falhe, este é previsível cientificamente, e os danos custarão décadas a
serem reparados, afetando, inclusive, o próximo megaevento, os Jogos
Olímpicos do Rio de Janeiro.

Antonio Barbosa Filho -Jornalista e escritor,

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