domingo, 25 de maio de 2014

Crônica de um povo que resiste ao “caos” – Escrevinhador

Crônica de um povo que resiste ao “caos” – Escrevinhador

publicada sábado, 24/05/2014 às 20:09 e atualizada sábado, 24/05/2014 às 20:09



O Brasil precisa mudar mais. E não
voltar a ser o paraíso dos mervais, jabores, aécios, armínios e dos
patéticos que amam a Ellus e detestam o povo brasileiro.
por Rodrigo Vianna


Povão não segue o modismo patético: mal-humorada, e mal-educada, é a elite brasileira
Começo da noite numa quinta-feira friorenta em São Paulo. O barbeiro
que cuida do que restou de meu cabelo recebe-me preocupado: “Rodrigo, o
que tá acontecendo no Brasil?” E ele mesmo responde: “acho que estão
querendo derrubar o PT”.
O barbeiro está ressabiado com a onda de violência e pessimismo. Além
da barbearia, mantem um pequeno sítio no interior paulista – onde
produz mel. Comprou, com financiamento do PRONAF, caminhonete nova para
transportar o produto… Longe de ser petista, ele se tornou fã de Lula. E
observa tudo, inclusive a onda midiática antiBrasil, como um apicultor
observa suas abelhas: há muito zumbido, risco de picadas; mas é preciso
produzir o mel.


Corte para 24 horas antes. A moça que faz a limpeza em casa pede pra
ir embora mais cedo. “Está uma bagunça na zona sul, Seu Rodrigo. O
terminal de ônibus está fechado. Esse povo não tá contente com nada?”.
Ela faz planos de abrir um pequeno comércio com o marido. Não leva uma
vida maravilhosa. Longe disso. Mas sabe avaliar o que era o Brasil há 10
anos. E o que é hoje.


Conto isso tudo para meu filho, de 18 anos. E ele diz que o garçom –
que o atendia dia desses num boteco em São Paulo -  também
mostrava desconfiança diante do “caos” que emana das telas e das ruas:
“isso aí é jogada política, pra mudar de governo na eleição.”


Sim, o povão está começando a fazer sua leitura dos fatos… Como dizia Brizola (clique aqui,
para relembrar o discurso memorável do velho Leonel, durante campanha
no Rio, em que ele dizia como enfrentar a Globo e seus aliados):


“As pessoas sozinhas,
apenas com seus valores originais de ser humano, no uso da razão e do
bom senso, sozinhas, se defendem, constroem uma espécie de uma carapaça,
de uma proteção entorno da sua mente, de seus valores culturais,
daquilo que é original na nossa gente, esse povo assimila o que lhe
interessa e se defende da pressão [midiática] contra sua cultura, contra
seus valores, contra seu pensamento autêntico.”



Novo corte. Recolho umas camisas sociais, e sigo até a lavanderia
perto de casa. A placa salta da vitrine: “precisa-se de ajudante”. Lá
dentro, fila de clientes. O atendimento é gentil e eficiente: típico do
povo brasileiro (entre numa lavanderia em Paris ou Londres, e compare).


Mal-humorada é a elite que compra as camisetas da Ellus… A marca –
acusada de usar trabalho escravo – estampa em suas camisetas: “abaixo
este Brasil atrasado”.


Penso na taxa de desemprego no Brasil (abaixo de 5%), enquanto sigo
para outro bairro. Tento parar o carro num estacionamento lotado. Nova
placa: “precisa-se de manobrista”. Converso com o rapaz que me atende:
“tá faltando gente pra trabalhar?” E ele: “o patrão subiu até o salário
inicial, acho que agora vai conseguir um pra me ajudar aqui com os
carros”.


Volto a minhas conjecturas. Quem só convive em círculos de classe
média deve acreditar que o Brasil está à beira do caos. A classe média
está com raiva, muita raiva. E a cobertura midiática reflete essa raiva.
Insufla a raiva, dissemina a raiva.


Parte do povão acaba contaminada pelo clima de “caos”. Mas outra
parte, enorme, observa tudo com muita inteligência – feito o garçom, a
moça da limpeza ou o meu barbeiro. Matreiro, ele encerrou a conversa na
quinta-feira com uma piscadela: “eles querem derrubar a mulher do Lula
[assim ele chama a Dilma], mas a gente está entendendo bem o que tá
acontecendo…”


Essa desconfiança com o que se vê nas telas da TV, e essa
impressionante resistência ao bombardeio midiático são a explicação para
que Dilma siga com 40% dos votos em meio ao clima de “pega, esfola e
mata”.


Dilma e Lula não travaram o combate simbólico, não mostraram de forma
didática que 30 milhões de brasileiros saíram da miséria graças a
políticas públicas. Esse salto gigantesco não veio (apenas) do esforço
individual. É fruto da política. A mesma “política” esculhambada nas
rodas de bar, nas ruas, nas telas e nos comentários-padrão de
leitores de grandes portais da internet.


Fiz essa pergunta a Lula, na entrevista aos blogueiros há pouco mais
de um mês. “Por que o PT abriu mão do combate simbólico?” E ele:
“combate simbólico? mas minha eleição e a de Dilma já são o símbolo”.


O operário-presidente. A mulher-presidente. Símbolos poderosos, de
fato… Talvez isso também explique porque uma parte gigantesca da
população brasileira permaneça   impermeável à onda de ódio e
pessimismo.


Mas é um erro contar apenas com a resistência e a capacidade de
análise do povão brasileiro. Ele parece ter compreendido que não há
(ainda) um outro projeto para o país. E que a turma sem projeto quer
botar fogo no que conseguimos construir a duras penas…


O povão resiste. Mas é preciso oferecer novo projeto: com mais mudança, mais democracia, mais justiça.


O Brasil precisa mudar mais. E não voltar a ser o paraíso dos
mervais, jabores, aécios, armínios e dos patéticos que amam a Ellus e
detestam o povo brasileiro.


O Brasil precisa de uma liderança que aponte caminhos. Dilma precisa
ser a Dilma do Primeiro de Maio, e não a Dilma do omelete com Ana Maria
Braga.


Dilma e Lula precisam ser mais Brizola… Aliás, no mesmo discurso citado acima, o líder trabalhista explicava didaticamente:


“A causa deles é tão ruim, é tão miserável, é tao
infeliz, que com tudo isso [o aparato midiático] na mão, eles não
conseguem pressionar praticamente a ninguém.”

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