segunda-feira, 5 de maio de 2014

José Dirceu foi feito refém



José Dirceu foi feito refém


Condenado ao regime semiaberto, José Dirceu está preso em regime
fechado, sem direito a trabalhar, não por algo que tenha feito, mas pelo
que representa.
José Dirceu está preso por ter cometido dois crimes: o de ter sido Chefe
da Casa Civil do Governo Lula e o de ter dito que seu partido tinha um
projeto de poder.
Essa não é uma desculpa de quem defende Dirceu. Esses foram os
argumentos lavrados na peça de acusação contra o ex-ministro, levada ao
STF e que resultou em sua condenação. É isso o que está atribuído como
“crimes” cometidos por Dirceu.
Ser integrante de um partido, ser membro de um governo, disputar um
projeto de poder, nada disso jamais foi crime para ninguém. Mas foi para
José Dirceu.
Muita gente não sabe, mas Dirceu nunca foi sequer acusado de ter
recebido ou distribuído dinheiro do mensalão. Não foi acusado de desvio
de um único centavo de dinheiro público, nem de lavagem de dinheiro. Ele
não chefiou quadrilha, conforme o próprio STF concluiu.
Qualquer pessoa, como manda a lei, sob essas circunstâncias, estaria
livre, mas não José Dirceu. Ele é um cabra marcado para ficar na prisão.
Condenado ao regime semiaberto, continua em regime fechado, sem direito a
trabalhar. Não por ser um criminoso, não por ser perigoso, mas por ser
um troféu, como disse o doutor em Direito pela UFMG, Luiz Moreira,
membro do Conselho Nacional do Ministério Público (em entrevista ao
jornalista Paulo Moreira Leite, da revista IstoÉ).
Ele não está preso por algo que tenha feito, e sim pelo que representa.
Não é preciso gostar ou concordar com o que pensa José Dirceu para
reconhecer que ele é um homem digno submetido a uma condição indigna,
injusta, arbitrária.
Toda e qualquer pessoa que tenha um pingo de senso de justiça e de
espírito crítico deveria se indignar com a situação de quem tenha sido
condenado sem provas.
No mínimo, mais pessoas deveriam considerar estranho que alguém
sentenciado ao regime semiaberto seja mantido em regime fechado graças a
boatos e suspeitas de adversários. Ditaduras prendem pessoas por
boatos, por acusações falsas, por suspeitas de desafetos. Democracias
jamais deveriam admitir tal coisa.
Não é preciso ser filiado a qualquer partido ou ser de esquerda para
defender que qualquer pessoa, seja ela quem for, tenha respeitado o seu
direito de ser tratado com um mínimo de dignidade e tenha sua sentença
cumprida à risca. 
É o que se chama de Estado democrático de direito. O art. 1º de nossa
constituição não pode ser feito refém pelos caprichos do presidente do
Supremo Tribunal Federal. José Dirceu não pode ser mantido refém de
Joaquim Barbosa.
É preciso reagir, revertendo o efeito manada do bombardeio midiático que
trata Dirceu como chefe de uma raça que precisa ser extirpada. A frase
lastimável de Jorge Bornhausen é hoje a pauta clara da mídia
cartelizada.
Deveríamos viver em um mundo em que não se deseja o mal a uma pessoa
simplesmente por não se concordar com ela. Deveria ser assim, não fosse o
ódio, o autoritarismo, o golpismo.
O grau de injustiça da condição a que José Dirceu está submetido é
notório se compararmos ao que os tribunais brasileiros fizeram (na
verdade, ao que não fizeram) recentemente, em outras situações.
Por exemplo, ao contrário de Dirceu, Pimenta da Veiga, ex-ministro das
comunicações de FHC, recebeu dinheiro das empresas de Marcos Valério, o
mesmo operador do mensalão do PSDB. Dirceu está preso. Pimenta da Veiga é
candidato “ficha limpa” ao governo de Minas Gerais pelo PSDB.
Ao contrário de Dirceu, Eduardo Azeredo foi acusado de apropriação de
dinheiro público (peculato) e lavagem de dinheiro. Dirceu está preso.
Azeredo renunciou ao mandato de deputado pelo PSDB para não responder ao
STF - e conseguiu. Boa parte dos crimes de que era acusado já
prescreveu.
Ao contrário de Dirceu, José Roberto Arruda, ex-governador do DF pelo
DEM, ex-líder do governo FHC no Senado,  foi flagrado em vídeo pegando e
guardando dinheiro vivo, algo estimado em R$ 50 mil, jamais devolvidos
aos cofres públicos. José Dirceu está preso. Arruda está livre e é
candidato ainda "ficha limpa" às próximas eleições.
Ao contrário de Dirceu, o ex-presidente Collor de Mello foi pego com um
carro comprado com dinheiro desviado, entre tantas outras coisas. Dirceu
está preso. Collor foi "inocentado" pelo STF, recentemente, de todos os
crimes de que era acusado, em grande medida, por prescrição dos prazos.
Ao contrário de Dirceu, o ex-prefeito e ex-governador de São Paulo,
Paulo Maluf, está na lista de procurados pela Organização Internacional
de Polícia Criminal (Interpol) e tem uma ordem de prisão expedida. É
procurado por fraude e por roubo:
http://www.interpol.int/notice/search/wanted/2009-13608. José Dirceu
está preso. Paulo Maluf é deputado federal e trabalha de frente para
Joaquim Barbosa na Praça dos Três Poderes, no gabinete 512 do anexo IV
da Câmara dos Deputados.
Dirceu está preso por uma razão muito simples: ele não é Pimenta da
Veiga, não é Azeredo, não é Arruda, não é Collor, não é Maluf.
Ele é José Dirceu de Oliveira e Silva e está preso em regime fechado por ser um troféu.
Dirceu está e continuará preso, muito provavelmente, até as próximas
eleições. Para muitos, é isso o que importa. Ele é uma peça para o
marketing eleitoral oposicionista.
Condenado ao regime semiaberto, continua preso em regime fechado. Aí
está um excelente pretexto para que o chamado mensalão continue a ser
notícia todos os dias, pelo menos até 5 de outubro.
Uma trama diária, urdida por parlamentares da oposição em conluio com
gente de dentro do sistema penitenciário da Papuda, inventa "notícias"
de que esse preso está tendo algum tipo de privilégio.
Certamente, o privilégio de estar preso. O privilégio de receber
manifestações de solidariedade. O privilégio de reivindicar estudar e
trabalhar.
É preciso decência e coragem para defender José Dirceu. Quem o faz é
imediatamente acusado de ser conivente inclusive com crimes dos quais
nem Dirceu foi acusado na Ação Penal 470.
É mais fácil xingá-lo de todos os nomes. É mais fácil cuspir em seu
passado. É mais fácil desmoralizar o que ele representa. É mais fácil
divertir-se com ele atrás das grades. Mais fácil, mais cômodo e mais
desonesto.
É fácil perceber que o ranger de dentes contra a pessoa de José Dirceu,
na verdade, é o mesmo feito contra Lula e Dilma. Dirceu sofre o castigo
pelo incômodo contra aqueles que comandam a coalizão que governa o país
há quase 12 anos.
Para esses, Lula e Dilma também deveriam estar presos, pois essa é a
forma mais prática, talvez a única, de impedi-los de disputar e ganhar
eleições.
"Se já não podes vencê-los, prenda-os".
O crime comum, do qual Dirceu, Lula e Dilma foram mentores intelectuais,
foi o crime de terem tirado milhões de brasileiros da miséria; de terem
reduzido a desigualdade mais rapidamente do que se fez em qualquer
outro país; de terem alcançado o desemprego mais baixo da história; de
terem garantido a autonomia dos órgãos de investigação e controle no
combate à corrupção; de terem criado mais universidades, em 11 anos, do
que se fez ao longo de todo o período republicano anterior. São réus
confessos de todos esses e muitos outros crimes.
Enquanto a AP 470 continuar sendo uma exceção, confirmada pelo destino
dado a políticos que são réus em outros processos, estamos diante não só
de um julgamento de exceção, mas de um golpe.
A condução da execução penal de José Dirceu é um arbítrio da pior
espécie, comemorado, como não poderia deixar de ser, pelos que têm uma
tradição de comemorar golpes maiores e menores contra a democracia.
O mensalão foi um golpe do mesmo tipo que aquele de editar um debate, à vésperas de uma eleição, em favor de um dos candidatos.
Foi um golpe similar àquele de vestir camisas do PT nos estrangeiros que
sequestraram o empresário Abílio Diniz, para que a imagem dos
sequestradores, fotografada e televisionada, fosse associada à sigla.
A oposição de direita pratica golpes como quem toma seu café da manhã -
como se fosse a coisa mais natural do mundo, como golpistas contumazes
que são. Cercados de corruptos, posam de éticos. Atolados na lama, falam
em limpar o país. Golpistas profissionais são assim.
Se não se pode banir um partido político, em plena democracia, a ideia é
tentar reduzi-lo a pó para ser cheirado por uma oposição em busca de
euforia.
Uma direita sem projeto, sem nenhuma vocação de militância e de luta
social, sem a cara e sem a fala do povo brasileiro mais humilde sente um
prazer monstruoso por condenar quem os tem.
Tais atributos, hoje e sempre, sentenciaram o destino dos que cometem os
crimes de tentar mudar o país e de fazer o povo entrar nos palácios
pela porta da frente.
É por isso que José Dirceu está e continuará preso, ainda um bom tempo, sem o direito de trabalhar.
É por isso que devemos nos indignar e exigir que, ao menos, a sentença dada pelo STF seja fielmente cumprida.
(*) Antonio Lassance é cientista político.

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