sábado, 17 de maio de 2014

Os volume morto e o dinheiro vivo

"Os Marinho preconizam para a Petrobras e Brasil o que Sabesp fez em SP" - Viomundo - O que você não vê na mídia

Os volume morto e o dinheiro vivo 


Como não intuir o peso da riqueza de US$ 22,8 bilhões da família
Marinho na esférica oposição da Globo a uma reforma fiscal que taxe as
grandes fortunas?


por Saul Leblon, em Carta Maior


A família mais rica do Brasil – os Marinho e seu oceânico pecúlio de US$ 22,8 bilhões, conforme noticia a revista Forbes – é também a proprietária do maior conglomerado midiático do país.


A supremacia das Organizações Globo é conhecida.


Mas o fato de que essa casamata  dispare diuturnamente  contra
qualquer variável que afronte  a lógica argentária,  da qual seus donos
são os maiores expoentes e beneficiários, presta-se a algumas
considerações.


Olhada  dessa ótica, a fortuna  dos Marinhos  figura como uma questão
política, talvez uma das mais sensíveis da política brasileira.


Ou será que  quando  interesses marmorizados em uma riqueza da ordem
de R$ 50 bilhões –seis vezes o custo dos estádios da Copa–  se
entrelaçam ao poder de fogo de um dos maiores impérios midiáticos do
mundo,  seu poder de vigiar e punir  em causa própria  não  assume
proporções de uma ameaça  à democracia?


O conjunto remete à metáfora de uma sociedade panóptica.


Nela a presença de um poder  ubíquo exerce  sobre os cidadãos uma
vigilância equivalente à do sentinela da torre no controle diuturno dos
encarcerados.


A onipresença asfixiante do vigia que tudo enxerga e avalia deu ao
francês Michel Foucault (1926-1984), autor de “Vigiar e Punir”, a
inspiradora metáfora  para abordar  a exasperação do controle social no
século XX.


A torre do panóptico não assegura apenas a disciplina do sistema.


Sua perversidade consiste em aprisionar a subjetividade social tornando-a  carcereira de suas próprias vontades.


Parece devaneio?


Quantas agendas o sistema político brasileiro  não rebaixou ou
protelou e protela (caso da regulação da mídia), para não se indispor 
com o poder de fogo da oceânica fortuna armada de irrespondível
dispositivo emissor?


Essa invasiva capacidade  de inocular agendas e interditar debates
lubrificou,  entre outras coisas,  a imposição da cosmologia neoliberal
no imaginário  brasileiro nos anos 80/90.


Como não intuir o peso dos US$ 22,8 bilhões, por exemplo, na esférica
oposição das Organizações Globo a uma reforma fiscal que  taxe
adicionalmente  as grandes fortunas?


Ou  na peroração incansável dos seus  editoriais, a desafiar o Estado
brasileiro ‘a fazer mais com menos’ – evocação  à austeridade emitida
do alto de uma montanha de dólares equivalente a 10% do PIB de Portugal?


Ou duas vezes  o orçamento total do Bolsa Família que beneficia 50 milhões de brasileiros pobres.


Ainda: como elidir o interesse argentário  da maratona vitoriosa dos
seus veículos e disciplinados colunistas contra o imposto do cheque, em
2007?


A CPMF, recorde-se, de baixíssima alíquota, funcionava  como um
incômodo sensor  de movimentações financeiras graúdas, nem sempre
alinhadas à legalidade.


Foi decepada do orçamento brasileiro em 2007.


Um comparativo da OMS mostra o quanto há de perversidade na
fotografia que imortalizou aquele  ato, cometido na madrugada de 13 de
dezembro, depois de  encorajadora campanha sistemática das Organizações
Globo & assemelhados.


A imagem estampada no jornal dos Marinhos  no dia seguinte ao
sacrifício, mostra a nata do retrocesso político, em festa obscena pela
subtração de R$ 40 bilhões por ano à saúde pública.


A indecência,  se  panfletada nas filas do SUS,  ainda guarda um teor de nitroglicerina para sublevar o país.


Mais com menos?


Segundo a OMS, o gasto público mundial per capita com a saúde  chegou
a US$ 571 por ano em 2010. Inclua-se  nessa média os US$ 6 mil da
Noruega e os US$ 4 per capita do Congo.


O valor brasileiro é de US$ 466/ano ( US$ 107 per capita ao final do governo FHC).


O deserto real é  ainda mais árido:  apenas 42% daquilo que o país
gasta com saúde tem origem e destino público. Sai do governo e chega na
fila do SUS, que atende mais de 75% da população.


Outros 58% só circulam entre os 25% que tem plano de saúde.


Os mesmos que gargalhavam na madrugada de 13 de dezembro de 2007
fuzilariam o ‘Mais Médicos’ seis anos depois, com igual despudor e
patrocínio da mesma  emissora & veículos da família mais rica do
país.


É só uma ilustração do ardil  que encurrala a sociedade em um labirinto de impasses e protelações  angustiantes .


Cinicamente, o desespero é  acolhidos pelo dispositivo dos Marinhos
& assemelhados como uma evidência do malogro progressista na
condução do desenvolvimento brasileiro.


Seria apenas um escárnio.


Não fosse, sobretudo,  a moldura de uma campanha sucessória.


Através dela pretende-se incensar candidatos e agendas que preconizam
adicionar  ao desespero  uma renúncia  disfarçada de audácia.


Em nome de desobstruir canais que impedem o crescimento, preconiza-se
recuar ainda mais o papel coordenador do Estado  sobre a economia.


Um exemplo da ardilosa cicuta oferecida em favos de mel.


É sabido que o portfólio de investimentos dos Marinhos  inclui uma bilionária carteira de ações da Petrobrás.


A república dos acionistas  tem nos donos  da Globo  o porta-voz incansável de um sonho reprimido.


Qual?


‘Realizar’  depressa o valor potencial das maiores reservas de
petróleo descobertas no planeta nos últimos 30 anos: o pré-sal, que Lula
regulamentou e fundiu ao destino da sociedade pelo regime da partilha.


O nome do atalho cobiçado é petroleiras internacionais.


O método: remeter in bruto o óleo, sem refino.


E gerar caixa.


Uma dinheirama como nunca o mercado viu, nem verá.


A república dos dividendos  saliva.


Ganharia duplamente se  a Petrobrás deixasse de gastar como
investidora universal da exploração, com pelo menos 30% em cada poço,
como manda a lei.


A economia numa ponta engordaria as carteiras dos acionistas na outra.


A pilha de US$ 22,8 bilhões dos Marinhos subiria mais depressa.


Incharia, ademais,  se o petróleo fosse bombeado direto para fora do país.


Sem alimentar impulsos industrializantes, sem investir em quatro
refinarias ao mesmo tempo; sem expandir polos tecnológicos; sem engatar
cadeias de equipamentos com elevados índices de nacionalização e prazos
mais largos de exploração.


Tudo isso, afinal, que  só gera corrupção e desperdício…


Nove em cada dez  referências das Organizações Globo à Petrobrás são
desse teor, muito embora a estatal tenha dado um lucro de R$ 23 bilhões
em 2013.


Eles querem mais .


A república dos acionistas gostaria de ficar com o equivalente
projetado para o fundo soberano, formado de royalties do pré-sal, que
permitirá elevar a 10% do PIB o orçamento da educação pública, ademais
de suprir  lacunas da saúde brasileira.


Transitamos, como se vê, no campo da injeção de interesses direto na veia do noticiário.


A Sabesp, em São Paulo, conforme mostra reportagens do Viomundo e de Carta Maior,  fez exatamente o que os Marinhos  preconizam para a Petrobrás e para o Brasil.


Afastou o interesse público do comando estratégico da gestão.


Em vez de investir, tucanos distribuíram nos últimos anos cerca de R$ 500 milhões, em média, aos acionistas da empresa.


Sobrou para a sociedade o volume morto da Cantareira.


A partir deste domingo, as torneiras de milhões de residências estarão gotejando  neoliberalismo líquido.


A sociedade que emergiu das conquistas sociais e econômicas
acumuladas a partir de 2002 não cabe nos limites estreitos que essa
lógica oferece.


Dito de outra forma.


A coexistência de um Brasil urgente, disposto a comandar seu próprio
destino, é imiscível  com a estrutura  de riqueza e comunicação
simbolicamente condensada no caricato papel que a família Marinho e seus
negócios protagonizam no país.


Seu poder desmedido  para manipular conflitos , desqualificar
projetos  e usufruir privilégios distorce e constrange  as vozes que
precisam ser ouvidas nesse Rubicão da nossa história.


A travessia  só se completará  de forma emancipadora se o campo
progressista souber erguer linhas de passagem feitas de reformas, prazos
e metas críveis aos olhos da população.


Trata-se de estender o horizonte da sociedade para além do volume morto, ao qual os campeões da Forbes gostariam de  circunscrevê-la.


E começar por dizê-lo, claramente, nesta campanha eleitoral.

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