A "revolução" do Brasil começa a revelar suas
verdadeiras cores
Quando nos aproximamos da meia-noite no selvagem far-west
político-económico brasileiro, eis o que se segue à minha
peça anterior no RT.
Durante os últimos cinco dias, todo o inferno escapou.
Começou
com o juiz Sérgio Moro, o Elliott Ness tropical à testa da
24ª fase da investigação de corrupção Lava
Jacto, já com dois anos, a manipular grosseiramente uma – ilegal
– devassa telefónica de uma conversação Lula-Dilma
Rousseff, a qual ele diligentemente transmitiu à media corporativa e foi
instantaneamente utilizada como "prova" de que Lula pode voltar ao
poder como Chefe da Casa Civil porque tem
"medo"
de Elliott Ness.
Como elemento crucial da guerra total de informação actualmente
em jogo no Brasil – com o hegemónico império Globo e os
principais jornais a salivarem mais do que nunca por um golpe branco /
mudança de regime – a duvidosa prova impulsionou o impeachment de
Rousseff a um nível inteiramente novo.
A conversação
A pavorosa politização do Judiciário brasileiro é
agora um facto consumado, com muitos juízes motivados pelo oportunismo
e/ou interesse corporativo / agenda políticas sombrias. Isto implica uma
"normalização"
de procedimentos ilegais tais como devassas telefónicas de advogados de
defesa e mesmo da Presidente (Edward Snowden, num comentário lateral,
disse que Rousseff ainda não está a utilizar criptografia nas
suas comunicações).
Ministros do Supremo Tribunal – pelo menos até então –
não puniram Elliott Ness pela sua devassa ilegal do telefone da
Presidente e pelo seu vazamento ilegal da conversação
Lula-Rousseff (nada nela os implica em qualquer transgressão, como o
próprio Elliott Ness admitiu).
O próximo passo dramático deveu-se ao ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal – um notório fantoche da oposição
– a utilizar a escuta telefónica ilegal para suspender o novo papel
de Lula; que lhe era
"exigida"
por dois partidos da oposição. Lula de volta ao governo
significa dois anátemas para a gente do golpe branco / mudança de
regime; articulação política – a qual pode acabar por
derrotar o esforço para o impeachment contra Rousseff; e ajuda
fundamental para a administração Rousseff começar pelo
menos a amansar a crise.
É crucial notar que a decisão unilateral de Mendes foi tomada
apenas um dia e meio depois de ele ter tido um longo almoço com dois
peso-pesados da oposição, um deles o banqueiro querido da Wall
Street e antigo protegido de Soros, Armínio Fraga.
Mendes não só encurralou a administração; ele foi
mais além, devolvendo a Elliott Ness a competência para investigar
Lula sob o Lava Jacto, e isto depois de o próprio Moro já ter
sido forçado, por lei, a transferir a jurisdição para o
Supremo Tribunal, quando Lula estava a tornar-se ministro.
Mendes não era competente para fazê-lo – mesmo outros
juízes do Supremo Tribunal o enfatizaram; ele afastou-se do
ministro-portavoz do Lava Jacto no Supremo Tribunal, Teori Zavascki. De modo
que agora Zavascki se prepara para
"afirmar sua competência"
no assunto.
Na essência, a fuga da devassa telefónica está pejada de
graves ilegalidades, como alguns juristas destacaram; desde que a escuta teve
lugar depois de o próprio Morto ter determinado que deveria se
descontinuada até a fuga de uma comunicação presidencial,
a qual só poderia ser autorizada pelo Supremo Tribunal. O que nos conduz
à agenda política oculta por trás da fuga: expor Lula
à execração pública e colocá-lo contra
políticos e o Judiciário.
Lula apresentou um pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal, assinado por
alguns dos mais insignes juristas do Brasil, ao passo que o governo está
prestes a apresentar seu próprio recurso contra o bloqueio da
nomeação de Lula. A bola está com o Supremo Tribunal
– e todas as apostas estão fechadas.
Que "regra da lei?"
O Supremo Tribunal brasileiro cessou de facto de actuar como Árbitro
Supremo quando alguns dos seus membros recusam-se a admitir que todos os
actuais atavios de uma polícia de estado. Isto está a acontecer
enquanto um bando de promotores e uma catrafada de investigadores na
Polícia Federal brasileira – o equivalente do FBI – podem
agora ser identificados como meros peões da ultra-politizada
investigação Lava Jacto.
Em suma: A "Justiça" no Brasil agora está totalmente
politizada. E agora revela-se claramente que o mandato da Lava Jacto consiste
na total criminalização de absolutamente tudo relacionado com os
governos de coligação liderados pelo Partido dos Trabalhadores
desde o princípio do primeiro mandato de Lula, em 2003.
O Lava Jacto não é acerca da limpeza da corrupção
na política brasileira. Se este fosse realmente o objectivo,
políticos de topo da oposição estariam sob
investigação e muitos já atrás das grades.
Além disso, o terrífico esquema de corrupção no
desenvolvimento das linhas do metro de São Paulo não teria sido
tratado apenas como o trabalho de um cartel de companhias, sem políticos
envolvidos. A trapaça do metro de São Paulo segue a mesma
lógica do esquema de corrupção descoberto – pela NSA
– no interior da Petrobrás.
A
"Regra da lei"
no Brasil foi agora posta aos mesmos níveis do sultão Erdogan,
da Turquia – apresentando líderes de negócios com as
conexões políticas
"erradas"
presos durante meses sem julgamento, o que se traduz como descarada
manipulação da opinião pública, a táctica
preferida de Moro e sua equipa, fãs do Mani Pulite.
O roteiro pela frente é implacável. A Constituição
Brasileira está a ser despedaçada, submetida a uma lógica
de golpe branco a ser imposta por todos os meios necessários. A
politização do Judiciário corre em paralelo com a
espectacularização por parte do media de referência de tudo
o que refere ao processo, criminalizado a política mas apenas
políticos seleccionados.
Os interesses económicos enormemente concentrados do Brasil estão
desejosos de apoiar qualquer negócio que significasse um fim à
guerra política/judicial, pois o país permanece política e
economicamente paralisado – e polarizado. No interior do –
imensamente corrupto – Congresso brasileiro, foi nomeada uma
comissão especial para deliberar acerca do impeachment de Rousseff, a
qual inclui 36 duvidosos membros do Parlamento que estão a enfrentar
miríades de problemas judiciais. Kafka ou os
dadaístas
não conseguiriam produzir algo tão absurdo.
Assim, o roteiro do que vem aí depende agora de como progredirá
– ou não –esta dúbia comissão de impeachment. Um
dos cenários possíveis é a expulsão de Rousseff
já em Abril, ainda que não tenha sido acusada formalmente de
qualquer transgressão. Os suspeitos habituais do Império do Caos
e as elites compradoras locais mal contêm a sua alegria ao
"informarem"
a Bloomberg ou o
Wall Street Journal.
Mas ainda há o factor Lula.
Quão doce era o meu golpe
Assumindo que Lula possa estar outra vez em acção nos
próximos dias, a extensa articulação política
– que a oposição quer matar por todos os meios –
precisará 171 votos para esmagar o impeachment na câmara baixo.
Só então a administração pode neutralizar a crise
política para atacar seriamente a crise económica.
Num cenário de forte suspense, extremamente fluido, haveria apenas duas
possíveis soluções negociadas: uma espécie de
substitutivo
(ersatz)
legal do parlamentarismo, com Rousseff ainda como Presidente e Lula como
primeiro-ministro de facto; e um parlamentarismo completo, com Lula encarregado
de todas as articulações políticas do governo.
Um pacto – forjado durante jantares
secretos
em Brasília – entre os partidos PSDB (os antigos
sociais-democratas transformados em impositores neoliberais) e PMDB (o outro
importante dente de engrenagem na coligação em vigor com o
Partido dos Trabalhadores) foi selado para matar ambas as opções.
O PMDB, diga-se de passagem, é notório por políticos
corruptos, não como uma entidade governativa.
Agora todos os olhos estão postos no Supremo Tribunal e no Congresso
brasileiro, que chafurda na corrupção. Lula, no próprio
olho do furacão, está na mais não invejável
posição. Ele precisará utilizar todo o seu capital
político e todas as suas décadas como negociador mestre para
encontrar um (compromisso político) de saída.
A rua brasileira permanece totalmente radicalizada. A lógica (?) do
ódio cego prevalece enquanto virtualmente todas as instâncias de
mediação jurídica ou política, para não
mencionar o simples senso comum civilizado, foram congeladas. A democracia
brasileira – uma das mais saudáveis do mundo – está
agora a ser estrangulada pela distorcida lógica de jibóia de um
estado policial.
O que nos leva ao espalhafatoso cenário que pode bem terminar antes do
Verão. Covardemente, um Congresso muito conservador
expulsa
Rousseff do poder; o Vice-Presidente, Temer do PMDB, intervém, o
país é
pacificado
e os proverbiais investidores estrangeiros, a Wall Street, os irmãos
Koch nos EUA, louvam o golpe branco; a histeria do Lava Jacto vagarosamente
– e magicamente – desvanece-se porque de modo algum antigos mandarins
da oposição deveriam ser indiciados ou ir para a cadeia (esta
é só para o Partido dos Trabalhadores).
Kafka e os dadaístas vêm em resgate, mais uma vez. Isto é
exactamente a mudança
suave
de regime que foi tramada em Brasília por uma detestável
combinação: seleccionados políticos (corruptos) comprados
e pagos pelas elites compradoras brasileiras; homens de negócio
seleccionados; uma grande parte de um Judiciário cooptado; e os media
corporativos (dominados por quatro famílias).
Chama-se a isto golpe branco. Chama-se a isto mudança de regime.
Chama-se a isto a revolução colorida brasileira. Sem NATO. Sem
imperialismo
humanitário.
Sem perda de sangue e de enormes quantias de US dólares, como no
Iraque, Líbia ou Síria. Tão
"limpo".
Tão
"legal".
Como é que os teóricos do Império do Caos nunca pensaram
nisso antes?
O imperialismo
humanitário
é tão velho quanto Hillary; pelo menos os Mestres do Universo
terão um novo modelo para aplicar por toda a parte no mundo em
desenvolvimento. Dias felizes – mudança de regime –
estão aqui outra vez.
E desista de ler algo acerca disto nos media corporativos do ocidente.
21/Março/2016
Ver também:
'Prime Minister' Lula: The Brazilian game-changer
, Pepe Escobar
3mn people take to streets in Brazil's biggest ever anti-govt protest
Lula and the BRICS in a fight to the death , Pepe Escobar [*] Autor de Globalistan (2007), Red Zone Blues (2007), Obama does Globalistan (2009) e Empire of Chaos (2014) e 2030 (2015). Seu mais recente projecto editorial é http://newsbud.com. O original encontra-se em https://www.rt.com/op-edge/336440-brazils-revolution-color-escobar/ Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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