quinta-feira, 17 de março de 2016

ConJur - Moro divulgou grampos ilegais de autoridades com foro especial

ConJur - Moro divulgou grampos ilegais de autoridades com foro especial



Sem competência

Sergio Moro divulgou grampos ilegais de autoridades com prerrogativa de foro

Ao
tornar públicas as gravações de telefonemas entre a presidente Dilma
Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz federal
Sergio Fernando Moro divulgou material ilegal. De acordo com professores
de Direito e advogados ouvidos pela ConJur, os grampos não poderiam ter perdido o sigilo, por dois motivos igualmente graves.






Primeiro, porque se um dos participantes da conversa tem prerrogativa
de foro por função, caberia à primeira instância mandar as provas para a
corte indicada. No caso, a presidente Dilma só pode ser processada e
julgada (em casos de crimes comuns) pelo Supremo Tribunal Federal,
conforme manda o artigo 102, inciso I, alínea “b”, da Constituição
Federal.

Ou seja, a única decisão que Moro poderia tomar a
respeito da gravação seria enviá-la ao Supremo, para que lá fosse
decidido o que fazer com essas provas: abrir inquérito, abrir ação
penal, arquivar, devolver etc. De acordo com a explicação do professor
de Processo Penal da USP Gustavo Badaró, agora que Moro
abriu o sigilo sem questionar o Supremo, se houver qualquer indício de
crime cometido pela presidente nas conversas, as gravações não poderão
ser usadas.

Pedro Serrano, professor de Direito
Constitucional da PUC de São Paulo, é mais direto. Para ele, não há
interpretação da Constituição que permita a um juiz de primeiro grau
tornar público material sem qualquer decisão do STF.

O advogado Cezar Roberto Bitencourt,
professor de Direito Penal da PUC do Rio Grande do Sul, também afirma a
ilegalidade da divulgação dos grampos. "No momento em que o telefone
interceptado conecta-se com autoridade que  tem foro privilegiado, o
juiz não pode dar-lhe publicidade", afirma.

Planos políticos

Na gravação, Dilma aparece dizendo que enviou a Lula um envelope com um
papel, o termo de posse. Nesta quarta-feira (16/3) à tarde, Lula foi
nomeado ministro da Casa Civil, o que foi inclusive divulgado em edição
extra do Diário Oficial da União.

A tese da oposição é que Lula só foi nomeado ministro para “ganhar” o direito a prerrogativa de foro por função.
Isso seria corroborado com a fala de Dilma a Lula dizendo que ele
usasse o termo de posse caso necessário. Dilma afirmou ter dito aquilo
porque o ex-presidente não havia dado certeza sobre se compareceria à
cerimônia de posse no cargo, marcada para esta quinta-feira (17/3) às
10h.

Outra autoridade com prerrogativa de foro no Supremo que
aparece nas gravações divulgadas nesta quarta é Jacques Wagner,
antecessor de Lula na Casa Civil e atual chefe de gabinete da presidente
Dilma. Ele aparece reclamando de Claudio Lamachia, presidente do Conselho Federal da Ordem.

“Também
é preciso ver os horários. Se Lula já estava ministro quando a conversa
foi divulgada, a decisão foi ilegal”, completa Badaró. E se Lula não
ainda não era ministro, Jacques Wagner era.

Relógio

O outro motivo é que, ao que tudo indica, as gravações das conversas
foram ilegais, e Moro as divulgou sabendo disso. Pelo menos é o que
mostram os horários em que os eventos foram publicados no site da
Justiça Federal do Paraná.

Às 11h13 desta quarta-feira (16/3), Moro despachou
que, como já haviam sido feitas “diligências ostensivas de busca e
apreensão”, “não vislumbro mais razão para a continuidade da
interceptação”. Por isso, ele determinou a interrupção das gravações.

Ato contínuo, informou à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal sobre o despacho. Às 11h44, Moro publicou uma certidão de que havia intimado por telefone o delegado da PF Luciano Flores de Lima a respeito da suspensão das gravações.

Entre 12h17 e 12h18, Moro enviou comunicados
às operadoras de telecomunicações sobre a suspensão dos grampos. As
interceptações são feitas, na verdade, pelas operadoras, a pedido da
polícia, com autorização judicial. Portanto, uma hora depois da
suspensão dos grampos, elas já estavam sabendo que não deveriam atender a
nenhum pedido nesse sentido.

Só que a conversa em que Dilma avisa
a Lula que ele vai receber o termo de posse como ministro da Casa Civil
aconteceu às 13h32. A própria Polícia Federal foi quem contou isso ao
juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde corre a “lava jato”
e as investigações sobre Lula.  Em comunicado enviado à vara às 15h34, o
delegado Luciano Flores conta a Moro sobre o conteúdo.

Por volta de uma hora depois, às 16h21, Moro determina o levantamento do sigilo do processo inteiro, dando ao público acesso a tudo o que está nos autos, inclusive a gravação da conversa entre Dilma e Lula.

“Na
melhor das hipóteses, o juiz foi imprudente”, comenta Badaró. “Se havia
um despacho dele mesmo mandando cessar as interceptações, qualquer
gravação feita depois disso é ilegal.”

Já para Cezar Bitencourt,
"houve, no mínimo, má-fé". "Essa gravação, após encerrada a autorização
judicial, é uma interceptação ilegal, e a sua divulgação também é
ilegal, pois feita com a consciência de que se tratava de uma gravação
ilegal. Houve crime de quebra de sigilo telefônico ilegalmente. Houve
também falta administrativa, que deverá ser apurada pelo CNJ."

Sigilo obrigatório

O criminalista Alberto Zacharias Toron concorda. Ele
lembra que o artigo 8º da Lei 9.296/1996, a Lei das Interceptações, é
clara em dizer que os grampos telefônicos e suas respectivas
transcrições são sigilosas. Já o artigo 10 diz que “constitui crime”,
com pena de dois a quatro anos de prisão, quebrar segredo da Justiça,
conforme lembra o advogado Marcelo Leal de Lima Oliveira, do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados.

“Ainda
que o juiz queira abrir o sigilo do inquérito, jamais poderia tê-lo
feito em relação às interceptações. Essa divulgação me parece marcada
por flagrante ilegalidade”, afirma o Toron. “É muito espúrio que um juiz
divulgue isso para causar comoção popular. É mais uma prova de que o
juiz busca aceitação popular, de que ele busca sua legitimação no
movimento popular. Sua aceitação não vem da aplicação da lei, vem da
mobilização do povo, o que é muito característico do fascismo, não do
Estado Democrático de Direito.”

Morogate

O professor de Processo Penal Lenio Streck acredita que
se pode chamar o caso de “Morogate”. É uma referência ao caso das
escutas ambientais instaladas numa reunião do Partido Democrata, nos
Estados Unidos, a mando do então presidente, Richar Nixon. O episódio
ficou conhecido como Watergate, em homenagem ao prédio em que as escutas
foram instaladas, e resultou na renúncia de Nixon.

“Imaginemos
que, para pegar um presidente, sejam feitos vários grampos envolvendo
pessoas que o cercam, como a secretária executiva. A vingar a tese de
Moro de que não há mais sigilo [em conversas envolvendo autoridades, desde que elas não tenham sido diretamente grampeadas],
todos os segredos da República poderiam ser divulgados. Uma cadeia de
contatos que exporiam todo tipo de assunto que o Presidente da República
falasse com pessoas sem foro”, analisa Lenio. “Quem examinar esse fato à
luz da democracia, dirá: Moro foi longe demais.”

Daniel Gerber,
também do escritório Lucho Ferrão Advogados, afirma que, no caso da
presidente, o levantamento do sigilo é ainda pior, pois suas conversas
podem envolver assuntos estratégicos para o país.  “Isto jamais poderia
ser desvelado por um juiz, principalmente, sendo um de primeira
instância” finaliza.

Apoio a Moro

O presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, comemorou a decisão de Moro. Segundo ele, a sociedade tem o direito de ter acesso a todas as informações.

“A
OAB tem cobrado o fim do sigilo desses processos. O Direito
Constitucional à informação precisa ser garantido nesse momento
turbulento da história do país. As pessoas precisam ter condições de
saber como decidir o que fazer, como opinar”, afirmou, em nota. Lamachia
também pediu acesso aos depoimentos dados pelo senador Delcídio Amaral
na “lava jato”, o que ainda estava sob sigilo na época. Queria acesso
aos documentos para instruir um pedido de impeachment da presidente Dilma.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil
(Ajufe) também manifestou apoio a Moro. Em nota, disse que “as decisões
tomadas pelo magistrado federal no curso deste processo foram
fundamentadas e embasadas por indícios e provas técnicas de autoria e
materialidade, em consonância com a legislação penal e a Constituição
Federal, sempre respeitando o Estado de Direito”.

“No exercício de
suas atribuições constitucionais, o juiz federal Sérgio Moro tem
demonstrado equilíbrio e senso de justiça”, conclui a nota.

Ao explicar a decisão em que levantou o sigilo,
o juiz federal Sergio Fernando Moro diz que não há qualquer defesa de
intimidade ou interesse social "que justifiquem a manutenção do segredo
em relação a elementos probatórios relacionados à investigação de crimes
contra a Administração Pública".

*Texto alterado à 1h08 do dia 17/3 de 2016 para acréscimo de informações.

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