quinta-feira, 31 de março de 2016

"Não ficará sem resposta"

"Não ficará sem resposta" — CartaCapital



Bastou o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão,
cobrar limites à atuação da Polícia Federal para despertar a ira de
delegados e ser acusado de obstrução da Justiça. O PPS, satélite dos
tucanos na campanha pró-impeachment, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para impedi-lo de mudar o comando da polícia.
Aragão não se intimida. “O ministro da
Justiça tem um poder hierárquico sobre a PF, que também se consubstancia
no controle disciplinar”, afirma em entrevista a CartaCapital. Com 29 anos de experiência no Ministério Público Federal, ele avalia que o juiz Sergio Moro agiu à margem da lei ao tornar pública a conversa telefônica entre Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.
CartaCapital: Como classificar a divulgação da conversa telefônica entre Lula e Dilma Rousseff? 
Eugênio Aragão: Vamos
entender antes o teor da conversa. Aconteceu ali uma coisa singela. Da
mesma forma que o ministro Jaques Wagner não pôde vir para a posse, Lula
talvez não pudesse comparecer. Dona Marisa estava doente. A presidenta
Dilma agiu, então, da mesma forma como no caso Wagner. Vou mandar alguém
aí, que vai lhe entregar o termo de posse, e você assina só em “caso de
necessidade”. Ou seja, se você não puder vir, podemos completar o ato. É
isso. Aí surgiram as especulações: “Ah, eles queriam dar um
salvo-conduto para o Lula, para o caso de ser preso”. Sinto muito, é de
uma asneira sem tamanho. Como é possível alguém se preservar com uma
posse clandestina?
CC: Do ponto de vista jurídico, é legal a divulgação dos áudios?
EA: A
questão passa pelo interesse político. Há um desvio claro da utilização
do poder jurisdicional. Primeiro, pois o caso em si não tem substância,
mas seu uso político causa uma comoção se é alimentada a suspeita, sem
pé nem cabeça, de que aquele termo de posse era um salvo-conduto. O juiz
Sergio Moro determinou o fim das interceptações às 11 e pouco da manhã,
o que já é estranho. A escuta teria mais dois dias, ele encerrou antes
do tempo previsto. Parece que o objetivo era exatamente criar algum tipo
de comoção, dois dias antes de uma manifestação convocada pelos
movimentos em favor da legalidade.

CC: Moro agiu politicamente?
EA: Agiu. Ele encerrou as escutas com o objetivo de tornar públicas as interceptações. Então é certificado nos autos que a Polícia Federal
foi notificada do encerramento, mas a prestadora de serviço continuou a
mandar sinal para o Sistema Guardião. Até a companhia telefônica cessar
a replicação do sinal leva algum tempo. Ela continuou a abastecer o
Guardião com outros telefonemas. Então, às 13h32, vem esse diálogo entre
Dilma e Lula. Qual é o procedimento-padrão? A PF manda tudo ao juiz,
até para não ser acusada de fazer seleção de diálogo.
CC: A PF não tem responsabilidade nesse episódio?
EA: À primeira vista, não.
Eles estavam dentro do padrão. Esse material foi remetido ao juiz, que,
ciente de um resto de interceptação fora do período autorizado, mandou
fazer um laudo. A transcrição é feita às pressas e, por volta das 17
horas, ele torna público. Moro sabia muito bem que aquele diálogo, se
tivesse alguma relevância, deveria ser incluído nos autos e remetido ao
Supremo, pois a presidenta da República tem foro privilegiado. Pior: ele
deu publicidade a uma prova que não lhe pertencia. 
CC: Usurpou uma competência do Supremo. É isso?
EA: É
extremamente grave. Moro demonstrou intenção política, desprezo no que
diz respeito à autorização da escuta, que não valia mais, e, por fim,
divulgou, sem antes remeter os autos para o Supremo. Evidentemente, isso
configura um claro acinte à Segurança Nacional. Em país nenhum do mundo
alguém pode sair escutando diálogos de um presidente da República ao
telefone. Um juiz não tem esse poder.
CC: Quais providências o governo pretende tomar?
EA: Estamos
avaliando, mas não ficará sem resposta. Algumas medidas foram tomadas. A
Advocacia-Geral da União conseguiu trazer a investigação relacionada ao
ex-presidente para o Supremo, e o relator determinou que todos os
diálogos voltassem a ser sigilosos, como manda a lei. A legislação é
muito clara: o ato de levantar o sigilo depois da escuta é para garantir
a defesa dos acusados. Mas o conteúdo continua sigiloso para o grande
público, não está liberado.
O artigo 10 da Lei de Interceptações incrimina quem tomar
esse tipo de atitude. Escutas que não se prestam ao processo devem ser
destruídas. Aquele diálogo peculiar da ex-primeira-dama (em que Marisa critica os paneleiros)
não tem nenhuma utilidade processual. É conversa reservada. Se a gente
não pode falar o que quer em conversas privadas, em que país vivemos?
CC: Em que medida esse episódio compromete a Lava Jato?
EA: Quero
deixar bem claro que isso não compromete as conclusões e o trabalho
regular da operação. Não se trata de atacar o juiz Moro com a finalidade
de atacar a investigação. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra
coisa. Precisamos ser republicanos. O governo tem todo interesse de
preservar a Lava Jato, mas no que diz respeito aos abusos, que maculam a investigação, deve demonstrar a sua preocupação.
CC: Como o senhor
pretende conter os vazamentos, se isso parece ser uma estratégia da
força-tarefa para angariar apoio da opinião pública?
EA: Temos
três atores: a PF, sob a supervisão do Ministério da Justiça, o
Ministério Público e o Judiciário, que têm seus órgãos de controle. Cada
um que faça o seu dever de casa. O ministro da Justiça não tem nenhuma
ingerência sobre a atividade fim da Polícia Judiciária. Em relação à
coleta de provas e à investigação propriamente dita, os agentes da PF
prestam satisfação ao Judiciário. Mas o ministro da Justiça tem um poder
hierárquico sobre a PF, que também se consubstancia no controle
disciplinar. Se nós verificamos que um agente desvia as suas
atribuições, é claro que temos de garantir que esse tipo de atuação seja
coibido. Queremos uma polícia de excelência, e isso não se compraz com o
vazamento clandestino de informações.
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A respeito da disciplina na Polícia Federal: O Ministério da Justiça tem poder hierárquico (Foto: Rovena Rosa/ABr)
CC: Em que circunstâncias um policial pode ser afastado?
EA: Sei
que a grande maioria dos policiais é séria, e sei também que, se
vazamento houve, não necessariamente partiu de nossos agentes. A lei
permite o afastamento em caso de motivada e razoável suspeita. Quando
digo que não precisa de prova, é porque a suspeita é suficiente. É o
poder administrativo cautelar que a gente tem, até para não permitir
máculas na investigação. Apenas demos uma chamada, para cessar qualquer
tipo de intenção de transformar a Lava Jato num factoide político.
CC: O senhor planeja alguma mudança no comando da PF?
EA: Cheguei
há uma semana, estou conhecendo os atores, observando seu modo de
trabalhar. Também pergunto se desejam continuar. A relação de confiança é
bilateral. Ninguém pode ser obrigado a se submeter a um ministro em
quem não confia. É perfeitamente possível que alguns não queiram
trabalhar comigo, assim como posso não querer trabalhar com eles.
CC: Delegados
se manifestaram contra uma possível interferência do senhor. Um partido
político entrou até com uma ação para impedi-lo de mudar cargos na PF. O
senhor se sente intimidado?
EA: Não, absolutamente não.
Apenas não permito que os agentes não observem as normas disciplinares.
Entrevistas só podem ser feitas com autorização da direção-geral da PF.
Se um delegado der uma entrevista não autorizada, isso pode lhe trazer
consequências. Não me refiro à Associação Nacional dos Delegados da
Polícia Federal. Seus integrantes estão no papel de fazer política.
Agora, um policial que, em atividade regular, venha fazer publicamente
críticas à administração, isso tem outra conotação. Tenho 29 anos de
Ministério Público Federal e sempre atuei dentro das regras. Jamais
interferi em investigações, jamais.
CC: O senhor acredita que o procurador-geral Rodrigo Janot deu aval à divulgação dos grampos?
EA: Não
acredito que ele tivesse conhecimento dos conteúdos divulgados, até
porque esse material não chega ao procurador-geral com essa pressa toda.
Isso é do conhecimento da força-tarefa. Se os autos sobem para o STF,
aí ele toma conhecimento.
CC: Recentemente,
um juiz de Brasília expediu uma liminar contra a posse de Lula em tempo
recorde, após ter participado de manifestações pró-impeachment. O
ministro Gilmar Mendes tampouco esconde seu antipetismo. Essa
politização da Justiça é saudável para o País?
EA: Quem
tem de se preocupar com a politização do Judiciário é o Conselho
Nacional de Justiça e o STF. Como cidadão brasileiro, posso ficar muito
preocupado com essa tendência de politização. Parece-me que isso não
contribui muito para a superação da crise em que nos encontramos.
CC: Como o senhor avalia o argumento de que o ex-presidente Lula aceitou o cargo de ministro apenas para obter foro privilegiado?
EA: É
lenda urbana. Há tempos o governo precisa de alguém com interlocução
mais efetiva com os atores do Legislativo, e o ex-presidente tem esse
perfil. Não há vantagem nenhuma em ser julgado pelo Supremo. Além de ter
demonstrado nesses anos que não compactua com a impunidade, o STF não
oferece instância revisional. Tanto é assim que muitos dos réus do
“mensalão” clamaram para ser julgados em primeira instância, onde tinham
mais chances de reverter decisões desfavoráveis.

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