domingo, 20 de março de 2016

Por que ocorreram as manifestação na Rede Globo?

Por que ocorreram as manifestação na Rede Globo?

 



Por que ocorreram as manifestação na Rede Globo?

Foto de Francisco Proner Ramos
Hoje (6) duas mil pessoas fizeram em frente à sede da Rede Globo, no
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, uma grande manifestação pela
democratização da mídia, contra o monopólio da Rede Globo e contra a
seletividade da emissora no ataque a seus adversários e aos adversários
de seus patrocinadores. Centrais sindicais, partidos políticos,
militantes, juristas, estudantes e membros de movimentos sociais fizeram
um belo evento.


Por que protestar contra a Globo?


Várias respostas estão no documentário “Beyond Citizen Kane” (Muito Além do Cidadão Kane) assista aqui,
de 1992, que foi exibido no Canal Quatro da BBC de Londres, emissora
pública do Reino Unido. Na época foi censurado pelo Poder Judiciário no
Brasil, a pedido do fundador e então presidente das Organizações Globo,
Roberto Marinho, sendo posteriormente um pouco mais popularizado via
internet. Roberto Marinho foi comparado a Charles Foster Kane,
personagem de 1941 de Orson Welles no filme Cidadão Kane, uma ficção
baseada na trajetória de um magnata da comunicação nos Estados Unidos da
América, Willian Randolph Hearst.


As Organizações Globo apoiaram o golpe militar de 1964 e a ditadura que durou até 1985.


Até 1988 as concessões de rádio e TV no Brasil ocorriam por livre
escolha do Presidente da República, e a Globo foi beneficiada pelos
ditadores.


No início a Globo foi financiada pela Time-Life estadunidense, que
participava dos lucros da Globo e fazia assistência na elaboração do
conteúdo da emissora, o que era proibido pela Constituição de 1946, mas
um processo foi engavetado durante a ditadura.


A ditadura garantiu o aumento da audiência da Globo, viabilizando
crédito para a população de maioria analfabeta pudesse comprar
televisores, ao mesmo tempo que precarizava a educação pública no país.


A TV Excelsior, que se opôs ao golpe, em 1970 teve a sua concessão cancelada pela ditadura.


Já a Globo ia além do que era requisitado com relação à censura e
exaltava o regime militar, reforçando a censura, tanto é que proibiu a
citação do nome de Chico Buarque.


O assassinato do jornalista Vladimir Herzog da TV Cultura foi preso e assassinado pela ditadura, mas isso não apareceu na Globo.


Até 2003 a Globo sempre foi governista. O presidente Médici, durante a
ditadura militar, dizia: “Todas as noites quando vejo o noticiário
sinto-me feliz. Por que? Porque no noticiário da TV Globo o mundo está
um caos e o Brasil está em paz, é como tomar um calmante depois de um
dia de trabalho.”


Durante a ditadura a Globo se tornou a quarta maior rede de TV do mundo.


A ditadura auxiliou a Globo com as transmissões via satélite pela Embratel.


A Rede Globo, vendo que a ditadura militar estava no fim, rompeu com
os militares e não apoiou o candidato governista Paulo Maluf nas
eleições indiretas, mas sim Tancredo Neves. Era tão grande o poder da
Globo que, horas depois de sua eleição indireta, Neves almoçou com
Roberto Marinho e Antônio Carlos Magalhães, e anunciou que esse seria o
Ministro das Comunicações. Como Ministro, ACM perseguiu uma empresa, que
depois foi vendida muito barato para a Globo. Em 1987 Roberto Marinho
cancelou seu contrato com a TV Aratu na Bahia, que era a afiliada da TV
há 18 anos, e passou para a TV Bahia da família e amigos de ACM.


A Constituição de 1988 tirou das mãos do presidente o poder de
decidir pelas concessões, mas antes o então presidente José Sarney
distribuiu 90 concessões para aliados, e Sarney ficou com duas.


No documentário são mostrados quatro exemplos de manipulação da Globo:


  1. Lula: Globo mentia sobre greves dos movimentos sindicais de 1979,
    sem mostrar posição dos sindicalistas, só com posição dos líderes
    patronais. Confessado pelo Armando Nogueira (1967-89 na Globo), que era
    uma recomendação da ditadura. Mas em vários casos sem interferência do
    governo, só pela diretoria da Globo.
  2. Brizola: tentou boicotar sua eleição para governador do RJ.
  3. Diretas Já: no começo boicotou, dizendo que manifestações eram pelo aniversário de São Paulo.
  4. Eleições de 1989: PT fez Rede Povo no horário eleitoral gratuito.
    Globo fez propaganda para Fernando Collor de Mello desde 1987. No
    segundo turno Lula venceu o primeiro debate de Collor. No segundo
    debate, a poucos dias do pleito, o JN editou o debate e foi
    especialmente montado para deter Lula e eleger Collor, com 64% da
    audiência. Depois apresentou pesquisa telefônica dizendo que Collor
    venceu Lula no debate. No Jornal Hoje, mais cedo, o resumo foi
    diferente, mas diretores da Globo alteraram a edição para a noite.
    Armando Nogueira confirmou a edição alterada da noite, que inclusive foi
    protestar no dia seguinte para Roberto Marinho. “A Rede Globo foi
    infeliz e fez uma edição burra”, disse Armando Nogueira para Roberto
    Marinho, e logo depois foi aposentado e outro funcionário que também
    questionou foi demitido. Lula perdeu, quando estava subindo nas
    pesquisas e no dia do debate estava apenas 1% com Collor na frente, mas
    depois da edição da Globo a diferença parou de cair e subiu para 4%.
A Globo elegeu Collor, mas o abandonou em 1992 quando viu o povo contrário ao neoliberal presidente.


O documentário é finalizado pelo Canal Quatro com a seguinte frase,
logo depois aparecendo a imagem da Globo sendo comida por baratas e
aparecendo a imagem de Roberto Marinho: “A Globo começou a dominar a
televisão no Brasil durante a ditadura militar, manteve o silêncio sobre
as verdades daquele regime, agora está começando a falar mais. Mas será
que a Globo e Roberto Marinho podem realmente se libertar dessa
herança, ou será que o Brasil deveria libertar-se da dominação da
Globo?”.


Ao final, música da banda de Rock brasileira Titãs, com a música
“Televisão”, com composição de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony
Belloto: “A televisão me deixou burro, muito burro demais. Agora todas
coisas que eu penso me parecem iguais”.


A Globo apoiou o governo FHC, que privatizou o Estado brasileiro,
comprou deputados para a aprovação da reeleição e precarizou a
Administração Pública.


E, desde 2003, com o governo Lula e depois Dilma, a Globo nunca
aceitou que estivesse no poder um presidente de um partido popular. A
oposição foi mais realizada pela Globo do que dos próprios partidos de
oposição.


A tática é simples. Políticas públicas favoráveis à população são
escondidas. Denúncias contra o governo federal são apresentadas com
destaque na programação, dia-a-dia, enquanto que denúncias contra
políticos amigos da Globo ou contra empresas que patrocinam a Globo são
engavetadas ou transmitidas de forma tímida. Manifestações contra o
governo federal são divulgadas com antecedência e superestimadas,
enquanto que as manifestações contrárias aos interesses da Globo são
censuradas ou subdimensionadas.


É bom lembrar que a Constituição proíbe o monopólio da Globo e os
serviços de TV e rádios são serviços públicos. Serviços esses que
dependeriam do Congresso ou da Justiça, reféns da Globo, para qualquer
mudança ou rescisão.


Sim, a Globo hoje tem uma certa qualidade em novelas ou alguns
programas, mas as custas de muitos privilégios da ditadura militar, do
Estado brasileiro, em todos os níveis, que gasta milhões de dinheiro
público com a empresa.


Por isso a necessidade de uma democratização na mídia no Brasil, já
realizada nos Estados Unidos da América, Alemanha, Inglaterra, Portugal,
Espanha, mas nunca realizada no Brasil.


Será que há motivos para que o povo brasileiro se indigne contra a Globo?


O problema é que em países ainda em desenvolvimento, normalmente as vítimas acabam defendendo os opressores.


Até quando?


Tarso Cabral Violin – advogado, professor de Direito Administrativo e Ciência Política, autor do Blog do Tarso e presidente da ParanáBlogs

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