sexta-feira, 25 de março de 2016

Ao querido amigo

Ao querido amigo analfabeto político. Por Leonardo Mendes – Diário do Centro do Mundo



Ao querido amigo analfabeto político





Peço que não me leves a mal por chamá-lo assim, e considere que isso
não é uma ofensa, uma acusação de falha no caráter, nem mesmo culpa tua.
E você não é meu inimigo.


Peço então apenas que pondere se não é verdade que nunca te
interessaste por política. Se é mentira que até pouco tempo não sabias
sequer diferenciar direita e esquerda. Que nunca leste livro algum sobre
o tema ou atuaste em movimentos populares ou partidos políticos.


Digo então que não tens culpa, porque desde cedo foste ensinado a ser
assim. A não discutir política ou desprezá-la, e tiveste toda a tua
natural disposição ao tema – presente no animal político que és –
cooptada por um sistema que te quer apenas como consumidor de
candidatos, que te convoca a participar apenas de dois em dois anos, e
que não te representa.


Como poderia, se desde o império representa os interesses de uma
elite da qual tu não fazes parte. O 1% que te ilude diariamente enquanto
tentas te informar no Jornal da Globo.


Lembras do editorial de O Globo contra o fim do financiamento a
candidatos e partidos por empresas? E aquele contra a taxação de grandes
fortunas? Talvez a capa que dizia que o 13º salário acabaria com a
economia do país…


Talvez não tenhas te interessado tanto por esses temas na época, porque entre um e outro tinha um mar de lama da corrupção.


O que precisas entender então é que ser contra a corrupção não basta.
Que é preciso ir muito além disso, já que hoje as maiores ilegalidades
ainda são as permitidas.


Mas foste também convencido pelo 1% de que a legislação é a Justiça.
De que os juízes são representantes de Deus na Terra, pois tens no
Estado uma representação de teu próprio Deus, que tentas me impor. E
esse Deus te garante privilégios, tu há de convir.


Apesar de analfabeto político, és homem cis, branco, hétero, com pais
de classe média. Tiveste acesso a toda educação formal que sonhaste, e
hoje és doutor, apesar da crise. Tens também acesso a saneamento básico,
plano de saúde e a PM não está em guerra na tua comunidade.


Acreditas então na economia e no mercado, e que basta te esforçares para alcançar tudo aquilo que o 1% recebeu como herança.


Na família Marinho, que tanto escutas, por exemplo, os três irmãos
herdaram uma fortuna que hoje chega a mais de R$ 60 bilhões. Isso daria
para comprar algo em torno de quarenta mil apartamentos como aquele do
Guarujá, que acusas Lula de ser o dono. Ainda assim acreditas que a
fortuna dos Marinhos é justa, honesta e meritocrática, e que Lula é o
chefe da quadrilha.


Não quero tentar te convencer do contrário, mas sim que percebas que há mais perspectivas entre o céu e a terra.


Que pode parecer mais importante para muitos uma investigação sobre a
mídia e seus parceiros no judiciário, do que uma sobre um apartamento
de classe média de um ex-presidente.


A desproporcionalidade no tratamento a Marinhos e Lula é diretamente
proporcional a diferença dos projetos que representam. Mas tu preferes
discutir pessoas a ideias, todos sabem disso, e por isso existe o Big
Brother. Não é à toa também que o espetáculo midiático em torno da
política se aproxima tanto do entretenimento.


Tu te alimentas de ódios e paixões produzidos por edições maldosas da
mídia ou frutos do inevitável destino de toda perspectiva. O que
precisas entender é que de nada importa gritar o teu ódio contra
corruptos, sendo que não encontrarás ninguém que defenda a corrupção.
Não em público, e mesmo Paulo Maluf já disse que confia na justiça.


Peço-te então apenas, que para o bem de todos os cidadãos (tu
incluído, nesse grupo tão diverso) leias mais sobre filosofia política,
invés de assistir a tantos noticiários diariamente. Podes começar
trocando meia-hora do tempo dedicado a odiar o Lula em frente à TV, por
trinta páginas de Hannah Arendt, por exemplo.


Ou de “A Sociedade do Espetáculo”, da Constituição Brasileira (na
parte dos direitos) ou mesmo da Bíblia (nas partes que o pastor
esquece).


Sei que estais cansado e que preferes ligar a televisão ou procurar
no Facebook as opiniões que queres ouvir, para confirmar as tuas –
William Wack, por exemplo, que facilita muito esse processo, e não é
sequer preciso assisti-lo pra saber o que ele disse. Mas se desejares
realmente deixar de ser um analfabeto político, esse esforço certamente é
necessário.


Talvez, em pouco tempo de boas leituras diárias, até te apaixones por
política, e pare de utilizá-la para descarregar frustrações ou de
visitá-la apenas nas urnas de dois em dois anos.


Mas precisarás admitir que foste assim por muito tempo, e que uma
parte tua deseja ardentemente voltar a ser, logo depois de derrubar
Dilma e ver restabelecida a paz nos noticiários.


Sei porém que não ruminas, então te peço apenas que evite os excessos
que te atrapalham a digestão dos fatos. Que evites consumir Eraldo
Pereira antes de dormir, ou revistas de fofocas políticas.


Em pouco tempo teu estômago odiará menos, e terás te curado da
intolerância à democracia e à diversidade de pensamento. Só assim
deixarás de ser um analfabeto político, ou mesmo um idiota. Um ignorante
motivado por lutas inglórias e guerras sujas, emburrecido ou preguiçoso
demais para pensar e que decidiu então terceirizar o pensamento.


O Jornal da Globo agradece a audiência.


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